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CAPÍTULO 3 – A AIP NA RMEC: UMA ALTERNATIVA EM DIREÇÃO À

3.3 Ações para a implementação da AIP enquanto política pública

Em maio de 2008, a AIP tornou-se política pública na RMEC, a partir da publicação da Resolução 05/2008. No entanto, para a efetivação de uma política educacional contrarregulatória, apenas a legislação não é suficiente, apesar de necessária. Desse modo, é preciso considerar que

[...] nenhuma transformação consistente e duradoura pode haver em educação se simplesmente vier impulsionada por dispositivos legais e burocráticos e não contar com a adesão e o comprometimento dos sujeitos concernidos para a solução dos problemas que lhes dizem respeito (DIAS SOBRINHO, 2005, p. 31).

Assim, a concretização de uma política ancorada em princípios emancipatórios só é possível se as condições de trabalho possibilitarem o encontro e o diálogo entre seus atores, com especial envolvimento destes no decorrer do processo. Por mais que a legislação

54 A função de professores articuladores da CPA foi criada em 2008, as demais, em 2013 (ASSESSORIA DE

AIP, 2014).

55 As Horas-Projeto (HP) são “as horas remuneradas de trabalho docente, determinadas pelas instâncias da SME,

destinadas à participação em Projetos com alunos e/ou em Projetos de Formação Continuada” (RESOLUÇÃO- SME 02/2008).

56 Os três níveis da Secretaria Municipal de Educação da RMEC são: nível macro – gestão central (Depe), nível

estabeleça princípios democráticos e participativos, esses somente germinarão em solo fértil, regado a conciliação das diversas vozes.

Nessa direção, uma série de ações foi realizada, a fim de apoiar a implementação da política de AIP. Além do suporte teórico-metodológico do Loed, uma Assessoria de Avaliação foi composta, com profissionais da própria rede, para auxiliar o processo. As funções da Assessoria de AIP relacionavam-se a:

Assessorar o Departamento Pedagógico e a Secretaria Municipal de Educação no processo de Avaliação Institucional da Rede Municipal; Coordenar a implementação e o desenvolvimento da autoavaliação das unidades educacionais; coordenar o processo de implementação e desenvolvimento das Comissões Próprias de Avaliação; Coordenar a construção e desenvolvimento da avaliação de desempenho própria – Prova Campinas; Coordenar e acompanhar o processo de aplicação das avaliações de desempenho externas (Provinha Brasil e Prova Brasil); Coordenar o processo de socialização dos resultados gerados pelas avaliações externas (ASSESSORIA DE AIP, 2010). 57

Em parceria, a Assessoria de AIP e os pesquisadores do Loed promoveram a formação dos atores escolares, sobretudo do OP; reuniões de sensibilização com os gestores das escolas; oficinas; palestras; encontros gerais das CPAs para compartilhamento de experiências; reuniões setoriais nos Naeds; e fórum com todos os segmentos (MENDES, 2011). Segundo Mendes (2013, p. 17), tais ações tinham por objetivo:

[...] refletir sobre a escola que se tem e a escola que se quer e sobre os papéis dos sujeitos da escola; o que se entende por participação e como levar a escola a querer processos participativos; promover situações de aprendizagem do trabalho coletivo e da qualidade negociada; compreender a AIP; reconstruir a concepção de educação pública sob a perspectiva emancipatória, bem como refletir sobre as contradições das reformas educativas assentadas nas avaliações externas; e, construir, fazer, romper com uma escola que tem se acostumado com o rótulo de ineficácia (grifos nossos).

As ações mencionadas mostram que a implementação da política de AIP aconteceu concomitantemente com a formação dos diversos atores da RMEC. Ao formar os atores e, ao mesmo tempo, implementar a política, a intenção foi proporcionar aprendizagem

com e no processo de Avaliação Institucional, de modo a transformar a escola como um todo,

de forma integrada (SORDI, 2009).

Finalizada a primeira fase de formação dos atores, em 2009, deu-se continuidade à implementação e consequente incorporação da política na RMEC. Os objetivos para essa segunda fase eram:

57 As funções da Assessoria de AIP foram apresentadas em um evento interno da PMC, realizado em 30 de abril

[...] ampliar a capilaridade do projeto de AIP (a escola tem que incorporar o projeto), pois pretende que a avaliação se torne uma cultura na rede; estimular a fase de institucionalização do projeto nas escolas; aprimorar o desígnio avaliativo vigente; otimizar o diálogo entre dados de avaliação externa e autoavaliação institucional participativa (diante dos dados das avaliações externas, o quão procedentes eles são para ser apontados, valorizados ou repugnados); construir espaços coletivos de contrarregulação propiciados pela AI, por meio do OP (MENDES, 2011, p. 181-182, grifos nossos).

Para tanto, como dinâmica de trabalho, além das Reuniões Setoriais nos Naeds e dos Encontros Gerais das CPAs, aconteceram reuniões com os coordenadores pedagógicos e supervisores educacionais para discutir a política e o papel de cada um em sua implementação.

No ano seguinte, ainda em direção à implementação e consolidação da política, o Regimento Escolar Comum das Unidades Educacionais da RMEC – normatização que regulamenta a organização pedagógico-administrativa das unidades educacionais da RMEC – incorporou a AIP em seus artigos, pela Portaria-SME 114/2010. Nele, a qualidade negociada, qualidade social, gestão democrática, formação integral do estudante e o compartilhamento de responsabilidades sustentam a descrição dos trabalhos a serem realizados pelas instâncias que compõem a SME58. De acordo com Souza (2012, p. 33), a incorporação da AIP ao Regimento significou a superação de um desafio, pois a AIP na RMEC tornou-se “menos suscetível aos humores e aos tempos de cada governo”.

Também em 2010, foi realizada a primeira Reunião de Negociação, envolvendo as CPAs e a gestão central. As Reuniões de Negociação são relevantes para a concretização da política de AIP quanto à partilha de responsabilidades entre poder público e comunidade escolar. De acordo com Sordi (2012, p. 498), uma das potências das Reuniões de Negociação está em mudar a posição dos representantes da gestão central, pois “de meros demandantes por resultados das escolas”, a partir da negociação com o coletivo escolar, passam a ocupar um “outro estatuto que lhes confere legitimidade para demandar, exatamente porque aceitam ser demandados”. E, ainda, a AIP, pelas negociações, buscava “reverter a cultura segundo a

58 Identificamos no Regimento Escolar Comum (Portaria-SME 114/2010) menção à: qualidade negociada –

sinaliza que um dos objetivos da AIP é explicitar a corresponsabilidade de suas três instâncias, além de favorecer a construção de políticas públicas ancoradas na qualidade negociada; qualidade social – o documento menciona que a RMEC deve garantir a qualidade social da educação; gestão democrática – de acordo com o documento, a instância macro deve articular-se com os colegiados existentes na rede. Além do nível macro, as escolas também devem realizar a gestão em consonância com seus colegiados; formação integral - ressalta que as escolas devem promover o desenvolvimento integral dos estudantes, em seus aspectos físico, psicológico, afetivo, intelectual, social e cultural, bem como desenvolver as formações ética, política e estética; responsabilidade compartilhada – as instâncias da SME devem considerar os dados da avaliação institucional das escolas na coordenação e elaboração de seus planos de trabalho. As escolas, através da CPA, também devem construir Planos de Avaliação, e, consequentemente, seu PP, de acordo com os dados da sua autoavaliação.

qual ora o professor não ensina, ora o aluno não aprende, ora a família não coopera: a cultura da culpabilização unilateral. A AIP buscava construir as bases de uma responsabilização participativa59” (BARRETTO; GIMENES, 2016, p. 492).

As Reuniões de Negociação ocorreram nos anos de 2010, 2011 e 2014. Eram organizadas com cinco ou seis grupos de CPAs, os membros da Assessoria de AIP, o secretário de Educação e demais integrantes da SME. De modo geral, todas seguiram a mesma metodologia de trabalho:

1. As CPAs enviaram seus Planos de Avaliação à Assessoria de AIP que, por sua vez, fazia a leitura prévia do material, organizando as demandas para subsidiar o diálogo entre CPA e SME, durante a Reunião de Negociação.

2. Abertura do encontro, feita pela Assessoria de AIP, com breve resgate da política, seus objetivos e a retomada do pacto da qualidade, foco principal da reunião.

3. Apresentação, por parte de cada CPA, do material preparado para o encontro, destacando suas demandas internas e externas.

4. Finalização do encontro, feita pelo(a) secretário(a) municipal, com as justificativas e os acordos pactuados entre a instância central e as CPAs, a partir das necessidades apresentadas.

5. Com as discussões realizadas e as informações contidas no Plano de Avaliação de cada unidade escolar, a Assessoria de AIP organizava uma devolutiva às escolas, com as justificativas sobre os problemas apresentados e as ações a serem efetivadas pela gestão central60.

Na Reunião de 2010, durante a abertura, foi feita a apresentação do Ideb, dos resultados da Prova Brasil, a quantidade de estudantes não alfabetizados nos 2o e 3o anos, informações quanto à evasão escolar e reprovação na RMEC. Após a divulgação desses dados, duas perguntas foram expostas para a reflexão coletiva, a saber: Como zerar a quantia de alunos não alfabetizados?; Se a evasão é pequena, há garantia de que os alunos que estão na escola estão aprendendo?61

Ao final da reunião, quando foi responder às demandas das CPAs, o secretário de Educação resgatou a discussão acerca dos indicadores de qualidade apresentados no início do

59 Trecho da entrevista realizada por Barretto e Gimenes (2016) com a Profa. Dra. Mara Regina Lemes de Sordi. 60 Informações obtidas por meio da análise dos registros sobre as Reuniões de Negociação, disponibilizados pela

Assessoria de AIP em 2014.

encontro e ressaltou que a escola deve assumir seu compromisso em zerar o número de crianças não alfabetizadas ao final do 3o ano, bem como subir o Ideb, após a SME cumprir minimamente os seus compromissos62. Em sua fala, o secretário retomou, também, que a avaliação deve proporcionar melhorias à instituição, sem comparações entre as unidades escolares e hierarquia de resultados.

Vale lembrar que a AIP não dispensa os resultados das avaliações externas em larga escala, mas, também, não se limita a eles. A negociação topo-base (comunidade escolar e gestão central), ao mesmo tempo em que possibilita à escola demandar do poder público o que não está ao seu alcance, permite que a SME dialogue com a instituição a respeito de seus indicadores de qualidade. Nesse movimento de negociação, cabe a cada instância da SME assumir suas responsabilidades em relação à qualidade social. Desse modo,

Decorrente da organização dos atores em torno do pacto de qualidade que negociam e com o qual se comprometem, espera-se responder também às exigências da avaliação externa e ao processo de regulação estatal, porém com outra lógica de ação que toma os índices como um dos balizamentos para o processo decisório e não o indicador (SORDI, 2012, p. 496, grifos nossos).

Na Reunião de Negociação de 2011, a SME solicitou que as escolas escolhessem

um indicador de qualidade para a elaboração do Plano de Avaliação. Assim, cada escola

deveria optar por um “indicador de aprendizagem em que se mostrasse o percurso dos alunos de acordo com o indicador escolhido, apontando também algumas estratégias utilizadas pela escola nesse processo” (VIEIRA; FERRAROTTO, 2013, p. 15). Consequentemente, além das escolas demandarem melhores condições de infraestrutura e recursos humanos, algumas deram início à reflexão a partir da análise dos indicadores selecionados63.

Em 2012, como consequência do momento político do município, que registrava sucessivas trocas de secretário da Educação, a Reunião de Negociação não foi realizada. No ano seguinte, com o Partido Socialista Brasileiro (PSB) na gestão municipal, nenhuma ação relacionada à política de AIP foi desenvolvida pela SME, nem mesmo a Reunião de Negociação. Percebemos, assim, que “as reuniões de negociação, espaço de exercício e de aprendizagem da responsabilização participativa, foram esmaecendo”. Fato que revela “a pouca disposição para o diálogo com as escolas, com a comunidade64” (BARRETTO; GIMENES, 2016, p. 498).

62 Idem.

63 Informações obtidas por meio da análise dos Planos de Avaliação enviados, em 2011, pelas escolas. Material

fornecido pela Assessoria de Avaliação Institucional em 2014.

O adormecimento de ações caras à política de AIP evidencia que as políticas públicas instalam-se em uma “arena” em que diversas concepções e forças estão em disputa (AGUILAR VILLANUEVA, 1992). A Profa. Dra. Mara Regina Lemes de Sordi, assim descreve as idas e vindas na AIP65:

Na primeira fase, existia uma ligação muito forte do Loed com a Coordenação de Avaliação, no sentido de: vamos entender, formular, corrigir. A AIP nessa fase era dependente do Loed, o que assegurava uma leitura mais crítica dos processos e a preservação dos princípios e estratégias de ação. Essa centralidade do Loed foi se perdendo ao longo do tempo. Seria muito bom que isso acontecesse, mas achamos que ocorreu de forma um pouco prematura. Sucessivas mudanças de secretários da educação e novos atores que estavam à frente do Departamento Pedagógico começaram a entender que o diálogo deveria ser com a assessoria deles. Valorizava- se o olhar interno mais do que a colaboração externa da universidade porque esta começava a incomodar. As políticas de avaliação externa ganhavam maior envergadura e pressionavam os gestores a obter bons índices e a AIP parecia mais interessada no processo de negociação, trazendo mais dificuldades do que resultados. Tensão no cenário e a Carta de Princípios voltava para objetivar a conversa, tencionando a implementação da política de AIP e os avanços da avaliação externa defendida pela lógica neoliberal (BARRETTO; GIMENES, 2016, p. 482).

A negociação entre a CPA e o poder central foi retomada, apenas, em 2014. Durante esse encontro, ao se referir ao ano anterior, o diretor do Depe justificou que a SME “não tinha o que falar”, quanto à dificuldade na solução das demandas apontadas pelas escolas. A retomada das reuniões, ainda de acordo com o diretor do Depe66, acontece após uma conversa com a Profa. Dra. Mara Regina Lemes De Sordi (Loed/Unicamp), que salientou a necessidade de diálogo com as escolas, mesmo que fosse preciso falar o que não gostariam de ouvir67.

Essa Reunião seguiu o mesmo formato das anteriores e contou com a presença da secretária de Educação, da Assessoria de AIP, do diretor do Depe, dos representantes de órgãos de apoio da secretaria e dos representantes dos Naeds. Nesse ano, a Assessoria de AIP enviou um roteiro para as escolas solicitando que, em sua apresentação, programada para ocorrer em 15 minutos, a CPA contemplasse indicadores de desempenho dos estudantes, entre eles, a série histórica da Prova Brasil e promoção/aprovação dos estudantes de Educação de Jovens e Adultos (EJA) (Comunicado Depe/Assessoria de Avaliação Institucional 03/2014).

Assim, pela primeira vez, houve uma solicitação especificando qual indicador de qualidade as escolas deveriam trazer para o momento da negociação e, como vimos, tratava-se dos resultados das avaliações externas em larga escala. A maioria das escolas trouxe tais

65 Idem.

66 Em algumas Reuniões de Negociação de 2014, o diretor do Depe respondeu pela SME, uma vez que a

secretária de Educação estava afastada por motivo de saúde.

dados durante a negociação. Algumas apresentaram uma reflexão sobre esses resultados, demonstrando ações da escola direcionadas ao ensino e aprendizagem, outras, por sua vez, apenas expuseram a série histórica da Prova e da Provinha Brasil68. Apesar da solicitação da Assessoria de AIP quanto aos indicadores de desempenho dos estudantes, não identificamos pronunciamentos dos representantes do poder central relacionadas a esses resultados. Ao final das reuniões, como ocorreu em outros anos, houve uma fala na tentativa de responder às principais demandas apontadas pelas CPAs.

As Reuniões de Negociação, os Encontros das CPAs e os eventos oportunizados para o debate acerca da AIP podem ser considerados ações “potentes para manter o projeto de AIP da rede municipal de Campinas vivo e robusto” (SORDI, 2012, p. 507). Tais ações, inclusive, são reconhecidas pelas unidades escolares. Uma CPA, por exemplo, destacou, durante a Reunião de Negociação de 2014, que, dentre suas solicitações, naquele momento, uma delas estava sendo contemplada com a retomada das negociações69. Outras, por sua vez, manifestaram-se contrárias à parceria público-privada (PMC e Comunitas), enfatizaram que conseguem identificar suas fragilidades pelos processos de autoavaliação e que o poder público precisa assumir suas responsabilidades70.

Dessa forma, as escolas, a partir de suas vivências e com o amadurecimento da experiência em se autoavaliar, passam a solicitar sua voz no diálogo com o poder público. Além de demandar solução para as necessidades estruturais, a comunidade escolar começa a reconhecer e valorizar os tempos e espaços em que podem se pronunciar e negociar. Como afirma a Profa. Dra. Mara Regina Lemes de Sordi, apesar das mudanças de prefeito, secretário de Educação e da descontinuidade do processo, os profissionais começaram a reagir e sinalizavam que

Algo havia se imiscuído na cultura de avaliação da SME. Os princípios da Carta tinham sido apropriados pelos atores e estes os defendiam, mesmo sem a universidade por trás. Mesmo que as CPAs nem sempre funcionassem como pretendido (BARRETTO; GIMENES, 2016, p. 485, grifos nossos).

A Resolução 05/2008 ainda está em vigor na RMEC. No entanto, como descrevemos, as ações relacionadas à AIP não ocorreram de modo constante e permanente. Seu contexto histórico e as diferentes formas de entender a qualidade e a avaliação

68 Informações obtidas por meio da análise dos Planos de Avaliação enviados, em 2014, pelas escolas. Material

fornecido pela Assessoria de Avaliação Institucional no mesmo ano.

69 Acompanhamos essa Reunião de Negociação – informação registrada em diário de campo da pesquisadora. 70 A ação da Falconi (interveniente nessa parceria) nas escolas de EF da RMEC, tinha como foco a melhoria dos

educacional passaram a disputar a agenda política em Campinas e trouxeram desdobramentos para os processos de negociação, característicos da AIP. Nesse sentido, a atenção a esse cenário se faz necessária para compreender seus possíveis desdobramentos quanto à utilização das avaliações externas em larga escala e a construção da responsabilização participativa.

3.4 Prova Campinas: A avaliação externa de desempenho dos estudantes da política de