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CAPÍTULO 4 – DESCRIÇÃO DO PERCURSO DE PESQUISA: DA ORIGEM DA IDEIA à

4.1 Da origem da ideia aos objetivos da pesquisa e suas justificativas

Antes de apresentarmos os objetivos desta pesquisa, suas justificativas e o caminho percorrido na busca por respostas para nossas inquietações, descrevemos o que nos levou a refletir sobre as avaliações externas em larga escala na RMEC.

A avaliação foi nosso objeto de investigação ao realizarmos os estudos para a obtenção do título de Mestre em Educação. Assim, de 2008 a 2011, acompanhamos a experiência de avaliação externa em nível municipal de Amparo, cidade do interior do estado de São Paulo. O Programa de Avaliação implementado em 2006, nessa rede de ensino, inicialmente foi construído com a colaboração dos professores, ao enviarem sugestões de atividades para a composição das provas. Após a aplicação dos testes padronizados, os dados eram processados por uma empresa contratada pela SME e cada unidade escolar recebia um relatório com a média da rede, o desempenho geral da escola, de cada turma, além do desempenho de cada estudante.

Esses resultados eram entregues às escolas, pela SME, de maneira sigilosa e não determinavam a remuneração dos profissionais. Todavia, a partir deles, a SME realizou uma série de ações, dentre as quais destacamos: reestruturação curricular com a instituição de um Plano Referência; formação continuada para os professores; criação dos grupos de apoio, no contraturno, para os estudantes com defasagem e dificuldade de aprendizagem.

Em nossa pesquisa de Mestrado, tínhamos como objetivo identificar e analisar os impactos do referido programa nas unidades escolares. Para tanto, durante um ano letivo, acompanhamos quatro escolas de EF, as quais participaram do Programa de Avaliação desde o primeiro ano de sua implementação. Em cada escola, estabelecemos contato com duas professoras que vivenciaram todo o processo de aplicação dos testes e a devolutiva dos resultados em uma mesma unidade escolar, fornecendo, portanto, informações correspondentes ao contexto da instituição selecionada.

Além de observar as atividades em sala de aula e as reuniões realizadas pelas escolas, analisamos o PPP das instituições e fizemos entrevistas com professores e gestores escolares. Também entrevistamos a secretária de Educação e analisamos o Plano Municipal de Educação.

Com esse estudo, encontramos que, em três escolas, no momento de apresentação dos resultados do Programa de Avaliação, os relatórios eram entregues, individualmente, pela equipe gestora, às docentes que, por sua vez, trocavam informações com as colegas de trabalho. As professoras destacaram que, mesmo sem exposição ampla dos resultados, de modo informal, era possível identificar quais turmas obtiveram melhor desempenho. Em apenas uma escola os resultados de todas as turmas foram apresentados a todos os professores da instituição, seguidos de comentários sobre os resultados de algumas classes. A leitura desses resultados, nas escolas selecionadas, aconteceu pontualmente nos Horários de Trabalho Pedagógico Coletivo, sem um debate coletivo que envolvesse toda a comunidade escolar a partir dos acordos estabelecidos no PPP articulados aos demais níveis da avaliação: a de sala de aula e a institucional (FREITAS et al., 2009).

Encontramos, ainda, que mesmo sem ranqueamento e pagamento por desempenho, o modo como os resultados foram apresentados favoreceu a construção do que chamamos de “rankings ocultos” e, no interior das quatro escolas, o enaltecimento dos melhores resultados, mesmo quando realizado informalmente, foi percebido como cobrança. Na intenção de aumentar os índices, as práticas pedagógicas e avaliativas da maioria das professoras acompanhadas foram “ajustadas” à matriz do Programa Municipal de Avaliação (FERRAROTTO, 2011).

Demais estudos acerca das repercussões das avaliações externas em larga escala no ambiente escolar (ARCAS, 2009; RAVITCH, 2013; SCHNEIDER, 2013; MENEGÃO, 2016) também indicam que, como forma de atingir as metas estabelecidas, as principais alterações percebidas/efetuadas dizem respeito à pressão da equipe gestora por aumento dos resultados; estreitamento curricular com ênfase em Língua Portuguesa e Matemática e, sobretudo, nos conteúdos recorrentes nas provas dos referidos componentes curriculares; atividades e avaliações elaboradas a partir da matriz de referência das avaliações externas; uso intensivo de atividades testes; elaboração e aplicação de simulados.

Desse modo, por meio dos diversos estudos dirigidos aos diferentes sistemas de avaliação, percebemos que, quando os resultados das avaliações externas em larga escala não são discutidos em um movimento de avaliação institucional, balizado pelo PPP da escola,

assumindo legitimidade entre seus atores e/ou, ainda, quando são utilizados em um sentido de responsabilização vertical, sem a possibilidade de compartilhar responsabilidades com o poder público, a corrida pelo índice ganha espaço e a avaliação, de uma reflexão sobre a medida que leva à transformação, reduz-se à aplicação de um teste cujo resultado, mesmo sem espelhar o processo, é visto como tradutor da realidade de dada escola.

Na ausência de um olhar plural para a qualidade institucional, em que vários aspectos são considerados, os resultados das avaliações externas em larga escala tornam-se centrais e ocorre uma “idolatria das boas notas” (SORDI; LUDKE, 2009, p. 320), concretizada na alteração da organização escolar, das práticas pedagógicas e avaliativas adotadas pelos professores e, portanto, na configuração das escolas em instituições comprometidas mais com a instrução do que com a formação de seus estudantes.

Os achados da pesquisa de Mestrado, no entanto, não nos desmotivaram quanto à avaliação. Assim como Dias Sobrinho (2008), acreditamos que não é preciso abandonar as medidas, mas sim analisá-las à luz da realidade institucional, com o estabelecimento coletivo de pactos na busca de melhorias tanto para a funcionalidade escolar como, e principalmente, para a formação do estudante.

Não se trata, então, de negar pura e simplesmente o valor das verificações e das medidas. O que é criticável é seu uso fechado e isolado. Nesse enfoque não costuma haver questionamento, muito pouco há de produção de sentidos sobre o referente e o referido, sobre a norma idealmente estabelecida e o realizado constatável e mensurável. Por isso, se os instrumentos e as práticas de medidas e meras constatações se bastam a si mesmas, não engendram questionamentos, não induzem reflexões e ações, ou o fazem muito pouco, então, esse tipo de procedimento avaliativo é conservador. Imprescindível é que essas técnicas propiciem reflexão, enriqueçam seus significados com o recurso a análises qualitativas, levem a questionamentos, isto é, façam parte de um conjunto de atividades epistêmicas e valorativas que produzam sentidos complexos e mobilizem os sujeitos para a tomada de decisões e de ações de melhoramento (DIAS SOBRINHO, 2008, p. 202).

Dessa forma, com o intuito de aprofundar o debate sobre o uso dos resultados das avaliações externas em larga escala, a partir das contradições desse processo nos movimentos históricos em uma rede de ensino, propomos o presente estudo direcionado à RMEC, a qual possui uma experiência de AIP.

Como descrito no terceiro capítulo, de acordo com a legislação que institui a AIP na RMEC, a finalidade dessa política é promover a qualidade da formação dos estudantes a partir do olhar plural do coletivo escolar para a sua realidade. Assim,

A Avaliação Interna ou Autoavaliação das Unidades Municipais de Ensino Fundamental é o processo pelo qual a Unidade Educacional constrói conhecimento sobre sua própria realidade com a finalidade de planejar as ações destinadas ao aprimoramento institucional e à superação das dificuldades (RESOLUÇÃO 05/2008).

Entende-se, assim, que os atores da escola possuem soberania no exercício de avaliar a instituição e identificar potencialidades que precisam ser valorizadas e intensificadas, bem como fragilidades que necessitam de ações específicas para sua superação, em uma perspectiva de responsabilização participativa em que os atores envolvidos no processo educativo, inclusive o poder público, elejam metas, cumpram suas responsabilidades e “aceitem sem constrangimento o controle social sobre as práticas” (SORDI, 2013, p. 8).

Para a autoavaliação da escola, em um movimento de “olhar a escola para dentro da própria escola” (BETINI, 2009, p. 69), a Resolução 05/2008propõe a composição da CPA, formada por representantes de todos os segmentos da comunidade escolar (estudantes, famílias, docentes, funcionários e gestores) e tem no OP o articulador dos processos de avaliação institucional desenvolvidos na escola (RESOLUÇÃO 05/2008). Houve, ainda, no formato inicial da política de AIP proposto pela RMEC, os Encontros Gerais das CPAs e as Reuniões de Negociação.

Nos Encontros Gerais das CPAs, a intenção era oportunizar a aproximação dos diversos coletivos e, por meio da troca de experiências, fortalecer a solidariedade entre os pares a partir da reflexão e análise dos caminhos percorridos. As Reuniões de Negociação significavam o encontro entre os membros das CPAs e o gestor municipal, com a finalidade de debater as potencialidades e fragilidades identificadas pelo colegiado em sua unidade escolar e, assim, definir ações, a fim de encontrar possíveis soluções para os obstáculos.

Tanto os Encontros Gerais da CPA como as Reuniões de Negociação e as demais ações relacionadas à AIP, contaram com o suporte da Assessoria de AIP, vinculada ao Departamento Pedagógico da SME. No processo de construção e implementação da política de AIP em Campinas, tal assessoria estabeleceu parceria com o Loed, promovendo encontros para a sensibilização e formação dos profissionais100. Ao acompanharem as ações para a implementação da política de AIP na RMEC, Souza e Andrade (2009, p. 53) destacam que, nesse processo, houve um “modelo baseado em uma avaliação mais compreensiva e processual afastando-se do modelo ranqueador”.

No entanto, precisamos mencionar que Campinas vivenciou um conturbado momento político, entre os anos de 2011 e 2012, com sucessivas trocas de secretário municipal de Educação, as quais impactaram na realização das ações previstas para a política de AIP. Vale dizer, ainda, que, em 2013, com a gestão do PSB, a PMC estabeleceu parceria com a Comunitas, cujo objetivo, por meio do projeto Juntos pela Educação Pública de Qualidade, foi aumentar o Ideb e os resultados da Provinha Brasil, a partir de estratégias técnicas de gestão101.

Com tal parceria, a Assessoria de AIP, instituída em 2008 para desenvolver ações relacionadas à política, entre elas o acompanhamento das escolas em seus processos de autoavaliação e suas negociações com o poder público, pediu seu desligamento. Em 2015, o Núcleo de Avaliação foi composto, entretanto, com um número reduzido de integrantes, comprometendo a continuidade das ações da política de AIP, conforme apresentado no capítulo anterior.

Com o adormecimento de suas ações, a política de AIP foi fragilizada. Todavia, a existência do ato normativo possibilita que as escolas continuem com o processo de autoavaliação, a partir de suas CPAs. Como relatamos no terceiro capítulo, a organização coletiva em algumas escolas impulsionou, por exemplo, manifestações em oposição à parceria PMC-Comunitas, impedindo o desenvolvimento do Plano de Trabalho do projeto Juntos pela Educação Pública de Qualidade, em sete das dez escolas selecionadas para sua implementação.

Nesse movimento, destacamos, ainda, a atuação do Coletivo dos Educadores de Campinas, defendendo que cada CPA “tem condições de reconhecer os problemas de sua

unidade, apontar quais são os desafios que precisam ser enfrentados e quais seriam as soluções possíveis” (Carta aberta do Coletivo dos Educadores de Campinas, 2014, grifos do

original). Para a Profa. Dra. Mara Regina Lemes de Sordi, há unidades escolares que “dão sinais vivos de que não sabem funcionar sem ser na forma de um coletivo. Uma vez mais destacamos que essa capilarização dos princípios da participação na avaliação formativa foi ganhando envergadura102” (BARRETTO; GIMENES, 2016, p. 493).

O momento histórico ora mencionado nos inquieta e faz querer entender como as políticas de avaliação externa em larga escala, as quais, em grande parte, são arquitetadas por pressupostos de responsabilização vertical, incidem em uma rede que vivenciou/vivencia a política de AIP, cuja proposta é fortalecer o protagonismo da comunidade escolar nos

101 Mais detalhes sobre a parceria entre Comunitas e PMC, ver terceiro capítulo.

processos avaliativos, sustentados nos princípios da responsabilização participativa. Desse modo, a realidade da RMEC nos traz alguns questionamentos, dentre os quais destacamos:

1. Como as escolas da RMEC entendem e utilizam os resultados das avaliações externas em larga escala?

2. De que forma a existência das CPAs, nas escolas da RMEC, repercute na utilização dos resultados das avaliações externas em larga escala?

3. Como a política de AIP, sustentada na responsabilização participativa, pode relacionar-se com a utilização dos resultados das avaliações externas em larga escala?

Com tais inquietudes, direcionamos nosso olhar para o seguinte objetivo:

Descrever e analisar as percepções e os usos dos resultados das avaliações externas em larga escala pelas escolas de ensino fundamental da RMEC e compreender suas relações com a política de AIP quanto às aproximações e/ou distanciamentos dos princípios da responsabilização participativa.

De modo específico, pretendemos:

i. identificar, descrever e analisar as concepções dos atores das escolas de EF da RMEC quanto às avaliações externas em larga escala;

ii. conhecer, descrever e analisar a utilização dos resultados das avaliações externas em larga escala pelas escolas de EF da RMEC;

iii. descrever e analisar a relação entre as CPAs e a utilização dos resultados das avaliações externas em larga escala pelas escolas de EF da RMEC;

iv. descrever e analisar a relação entre a política de AIP e a utilização dos resultados das avaliações externas em larga escala pelas escolas de EF da RMEC,

quanto às aproximações e aos distanciamentos dos princípios da responsabilização participativa.

Apesar de existirem diversos estudos acerca das avaliações externas em larga escala, entendemos ser necessário aprofundar a reflexão quanto à experiência da RMEC para, a partir de seus processos avaliativos, vislumbrar possibilidades de superação das iniciativas de responsabilização vertical que acompanham grande parte das políticas públicas cujo fio condutor é a avaliação.

Concordamos com Freitas et al. (2009, p. 09) quando afirmam que a avaliação não é um “jogo inevitável de cartas marcadas”, estabelecido a priori. A avaliação espelha contradições, enquanto “parte constituinte da realidade concreta” (FREITAS, 2011b, p. 7), que precisam ser desveladas, de modo a potencializar a construção coletiva de uma escola referenciada na qualidade social. Assim, é preciso pensar em outras iniciativas e alternativas ao que está posto como padrão e edificar nova relação com a avaliação, na qual seja promotora de aprendizagens na comunidade escolar, em um sentido oposto à utilização dos seus resultados como forma de subordinar a prática pedagógica e a formação dos estudantes aos interesses dos “reformadores empresariais” (FREITAS, 2012, p. 380).