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CAPÍTULO 2 – EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA DE QUALIDADE SOCIAL PARA A

2.4 Escola pública de qualidade social para a formação humana: dando continuidade ao

Em vez de um currículo mínimo, básico, voltado aos testes padronizados e, portanto, uma formação unilateral, centrado em apenas uma dimensão, entendemos que os processos formativos precisam contemplar uma perspectiva ampliada, de modo a abarcar múltiplas dimensões. Desse modo, a fim de continuar o diálogo e aprofundar a discussão acerca da formação humana, entendemos ser necessário debater um pouco mais sobre a escola que temos e a escola que queremos; o que não ocorre se não refletirmos sobre a sociedade que temos e a que queremos. Nesse sentido, vale lembrar que,

Por um lado, é necessário modificar as condições sociais para criar um novo sistema de ensino; por outro, falta um sistema de ensino novo para poder modificar as condições sociais. Consequentemente é necessário partir da situação atual42

(MARX; ENGELS, 2011, p. 138).

Iniciamos, assim, pela sociedade que temos. Vivemos em uma sociedade constituída, historicamente, pelas contradições de classe. Numa realidade em que ocorre a centralização dos meios de produção e a concentração da propriedade em poucas mãos; os trabalhadores, diariamente, são forçados a vender sua força de trabalho. Uma venda pela qual recebem, somente, aquilo que lhes possibilita prover sua subsistência. Vivemos, portanto, em uma sociedade marcada pela exploração de uma classe por outra (MARX; ENGELS, 2008).

Por conseguinte, a escola que temos adquire os contornos da sociedade que a cerca (FREITAS, 1995). Nesse sentido, como descreve Freitas (2010), uma das características da atual forma escola, configurada segundo as regras do capital, está no distanciamento do que se passa fora dela. Tal distanciamento tem por objetivo impedir que novas aprendizagens ocorram, motivadas pelas contradições de seu contexto. Ao afastar-se dessas contradições, a escola impede que seus estudantes mergulhem nas lutas sociais que permeiam a dinâmica social da qual fazem parte. A eles resta a “artificialidade de uma sala de aula sem significado” (FREITAS, 2010, p. 93).

Distanciada dos ensinamentos que a vida cotidiana e seus enfrentamentos proporcionam, a escola tem seus processos formativos subordinados “às leis do mercado e à sua adaptabilidade e funcionalidade” (FRIGOTTO, 2003, p. 31). Como consequência, a partir da nova configuração do capitalismo, as práticas educativas são induzidas a ajustar-se às competências e habilidades, aferidas em testes padronizados, a partir das quais será possível identificar se as demandas do sistema produtivo foram atendidas. Exige-se, portanto, a “instrução do saber-fazer, em detrimento do saber-fazer-pensando” (PEREIRA, 2016, p. 165). Logo, corrobora-se a função social da escola capitalista que, desde sua gênese, se volta à exclusão e conformidade ao sistema (FREITAS, 2010).

Na contramão, a escola que queremos, de qualidade social e para a formação humana, rompe com os “muros culturais que a isolam da sua comunidade” (AZEVEDO, 2007, p. 20, grifos do original), e considera o educando

[...] como sujeito real, concreto, histórico, portador de cultura e de saberes que não podem ser abstraídos artificialmente no processo de construção do conhecimento. Isso implica a superação da concepção do conhecimento coisificado, pronto, acabado, alheio ao contexto cultural, à vida do sujeito educando, que pode ser transferido dos que sabem para os que não sabem (AZEVEDO, 2007, p. 20, grifos nossos).

Nesse sentido, a escola de qualidade social se constitui em lócus de apropriação de cultura, conhecimentos, informações, arte, tecnologia, enfim, dos saberes produzidos

historicamente pela humanidade que possibilitam ao estudante desvelar a dinâmica social que o cerca (PARO, 2011). A problematização das situações de vida, assim, ganha espaço e a práxis educativa se realiza de modo entrelaçado com a sociedade que a circunda (MANACORDA, 2007). Como afirma Caldart (2000, p. 332), as ações voltadas à formação humana têm como sustentação “o movimento da realidade, construído basicamente [das] relações que precisam ser compreendidas, produzidas ou transformadas”.

Nessa direção, as contradições de seu contexto compõem os ingredientes dos processos educativos que ocorrem tanto dentro como fora da escola. A escola, um dos espaços de formação humana, busca, nessas contradições, os meios com os quais pode contribuir com o rompimento da lógica injusta e opressiva que opera para padronizar modos de pensar e, consequentemente, discriminar formas de viver que fogem ao modelo impresso pela sociabilidade burguesa.

A escola com qualidade social, ligada à vida, voltada para a formação humana, não tem sua prática reduzida a treinos e aos poucos componentes curriculares, guiados por pressupostos individuais e competitivos. O trabalho pedagógico deixa de ser artificial, fragmentado e unilateral, a fim de alcançar bons resultados nos testes padronizados. Ao contrário, suas ações sustentam-se no trabalho socialmente útil, na conexão entre prática e teoria, a partir de ações variadas, como pesquisa, trabalho em oficinas, laboratórios para ensinos específicos e demais instrumentos (FREITAS, 2010; BERTAGNA; OLIVEIRA; MIRANDA, 2014).

Dito de outro modo, o trabalho – enquanto atividade orientada para um fim que permite ao ser humano produzir seus meios de existência, bem como possibilita sua própria transformação ao desenvolver todas as suas potencialidades (MARX; ENGELS, 1998) – constitui o fazer pedagógico. Assim, pelo trabalho – uma atividade humana vital, realizada “não só com o seu cérebro, mas também com suas mãos” (MARX; ENGELS, 2011, p. 83) –, a formação humana se dá em sentido omnilateral. Trata-se, portanto, de compreender o ser humano em sua plenitude, ou seja, em suas diversas dimensões.

Manacorda (2007) explica que a omnilateralidade compreende o desenvolvimento total das faculdades, das forças produtivas e da capacidade de satisfazer as necessidades humanas. Por ela, homens e mulheres se humanizam, se constituem em seres sociais e atingem o prazer dos “bens espirituais, além dos materiais”, “dos quais o trabalhador tem estado excluído em consequência da divisão [capitalista] do trabalho” (MANACORDA, 2007, p. 89-90). Ainda sobre a formação humana, em sentido omnilateral, o autor destaca que

corresponde ao conhecimento de fundo, “isto é, as bases científicas e tecnológicas da produção e a capacidade de manejar os instrumentos essenciais das várias profissões” (MANACORDA, 2007, p. 101). Destarte, o ser humano completo possui a consciência do processo que desenvolve, de modo a dominá-lo e não por ele ser dominado (MANACORDA, 2007).

A formação humana, assim, ao compreender o ser humano enquanto “sujeito histórico e social, formado pelas circunstâncias sociais e também (trans)formador de tais circunstâncias, apropriador e produtor de cultura e de conhecimento” (OLIVEIRA, 2017, p. 131), caminha em oposição a uma formação guiada para atender aos interesses dos setores empresariais que almejam lucro e intensificação de seus privilégios pela exploração dos demais. Em poucas palavras, a formação humana, na perspectiva omnilateral, trilha a construção da sociedade que queremos, voltada à “sustentabilidade do progresso humano, à emancipação, ao combate de todo o tipo de descriminação, de opressão e de violência” (AZEVEDO, 2007, p. 16).

CAPÍTULO 3 – A AIP NA RMEC: UMA ALTERNATIVA EM DIREÇÃO À