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CAPÍTULO 3 – A AIP NA RMEC: UMA ALTERNATIVA EM DIREÇÃO À

3.1 Percurso histórico da RMEC: caminho em direção à AIP

A AIP atribui à comunidade escolar o protagonismo da avaliação da e na escola pública. Seus integrantes, enquanto avaliadores e avaliados de um processo interno autorreferenciado, tem por objetivo evidenciar as potencialidades da instituição e identificar os pontos fracos para promover a melhoria de sua qualidade, em uma perspectiva cooperativa e de aprendizagem democrática (LEITE, 2008).

Para tanto, o PPP –instrumento vivo e dinâmico, fruto da construção coletiva de diversos atores da comunidade escolar, com olhar para seu contexto e sem esquecer as questões macro que incidem sobre a escola (FREITAS et al., 2009, BETINI, 2009) –, é tomado como referência. Nele está a história da escola, bem como suas necessidades e

conquistas, e é nele que estão os pactos firmados, coletivamente e em decorrência da autoavaliação, para a construção da qualidade social.

No entanto, vale ressaltar que, na perspectiva da AIP, as ações acordadas não se esgotam em nível local. A realização de demandas ascendentes, em um sentido de partilha de responsabilidades com o poder público, compõe seu movimento. Comunidade escolar e poder público, portanto, são corresponsáveis pela qualidade social da escola pública, com vistas à formação humana de seus estudantes (BETINI, 2009; MENDES, 2011; SORDI 2012). Assim, o que se espera com a AIP é “gerar um movimento de demanda para cima e para baixo simultaneamente, para que as pessoas [assumam] responsabilidades; [assumam] o direito/dever de demandar e serem demandadas” (BARRETTO; GIMENES, 2016, p. 476)43.

Por essa via, a AIP constitui-se em uma alternativa contrarregulatória às políticas de responsabilização vertical. Construir e implementar uma política educacional com esse formato e conteúdo significa caminhar na contramão da cultura avaliativa ranqueadora, que culpabiliza a escola e seus professores pelos resultados obtidos nos testes padronizados, tidos como a própria qualidade da instituição.

Na RMEC, a AIP tornou-se política pública em 6 de maio de 2008, com a Resolução 05/2008. No projeto que antecede a referida resolução, denominado Avaliação Institucional Participativa: Uma Alternativa para a Educação Básica de Qualidade da Rede Municipal de Ensino de Campinas e Fundação Municipal para Educação Comunitária, a instituição da AIP na RMEC é assim justificada:

De há muito a Rede Municipal de Ensino de Campinas e FUMEC44 precisam

desenvolver e implantar um sistema avaliativo participativo que lhes permitam obter dados confiáveis sobre seu desempenho com o objetivo de qualificar as suas ações de planejamento. E participar aqui significa favorecer uma interlocução entre os atores da administração nas diferentes instâncias do sistema, considerando tempos pedagógicos remunerados, espaços e autonomia (pedagógica e financeira), de modo que: a) o aprendizado do aluno não repouse exclusivamente sobre a ação individual de cada professor e, portanto, b) cada um de nós, nas diferentes instâncias do sistema público da educação municipal, revisite a responsabilidade que assumimos ao aderirmos profissionalmente ao contrato social que instituiu a escola como o local onde se dá a aprendizagem de conteúdos e de atitudes em prol do bem comum (PMC-SME, 2007, p. 4, grifos nossos).

O compartilhamento de responsabilidades é evidenciado na proposta de avaliação e direciona a implementação da AIP na RMEC, conforme descrição feita nos objetivos e na metodologia do projeto citado. Todavia, na RMEC, mesmo antes de a AIP se constituir em

43 Trecho da entrevista realizada por Barretto e Gimenes (2016) com a Profa. Dra. Mara Regina Lemes de Sordi. 44 Fundação Municipal para Educação Comunitária.

política pública, já existiam atos normativos que se referiam à construção coletiva das ações a serem realizadas na rede. Neles, encontramos elementos consoantes aos princípios da AIP, os quais sinalizam que

[...] a rede municipal possui um longo percurso histórico de constituição de espaços/tempos pedagógicos, autonomia (financeira e pedagógica) e desenvolvimento de Projetos Pedagógicos (PP) que são condições necessárias ao modelo de AIP [...] (PMC-SME, 2007, p. 4).

A seguir, elencamos algumas normatizações que podem auxiliar na compreensão do percurso histórico antes enfatizado.

• Portaria 1.163/90: Descreve o PP45 enquanto movimento reflexivo de avaliação e (re)planejamento, com a participação dos diversos atores vinculados ao processo educativo da escola pública, a saber: “os alunos, a família, a comunidade e sua cultura, professores, funcionários, pessoal administrativo, pedagógico e especialistas da Saúde e Serviço Social” (PMC- SME, 2007, p. 4). Tratava-se de “proposta de vanguarda, pois nacionalmente o PP foi consagrado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9394/96 somente seis anos depois de a iniciativa local tê-lo elegido como

uma tecnologia que abrigasse o planejamento e a avaliação das diferentes facetas da instituição escolar” (PMC-SME, 2007, p. 4).

• Regimento Comum das Escolas Municipais de Ensino Fundamental/1992: Em seu Artigo 29, menciona que “a avaliação institucional é realizada, pelo menos, anualmente, através de procedimentos internos e externos, objetivando a observação, a análise, orientação e correção, quando for o caso, dos procedimentos didáticos, pedagógicos, administrativos e financeiros da escola” (PMC-SME, 2007, p. 4-5).

• Lei 6.894/1991: A fim de garantir as condições de trabalho que possibilitassem a presença dos professores na discussão acerca das ações escolares e do PP, foi instituído o Trabalho Docente (TD) de duas horas-aula a ser desenvolvido na escola e, ainda, três horas-aula de trabalho em local de livre escolha do docente

45 Na RMEC, o Projeto Político-Pedagógico (PPP) é chamado de Projeto Pedagógico (PP). No entanto, optamos

por empregar, em nossa escrita, o termo Projeto Político-Pedagógico por acreditarmos que todo ato pedagógico é político. Na defesa pela qualidade social da escola pública, seu caráter político é emancipatório e, portanto, caminha em direção ao rompimento com concepções e ações que colocam a educação a serviço do capital.

para demais atividades relacionadas ao planejamento do fazer pedagógico em sala de aula (PMC-SME, 2007).

• Portaria 98/1997: Reelaborou o TD e definiu que as reuniões dos professores com a equipe gestora deveriam ser semanais para que houvesse a avaliação do trabalho realizado, de modo a contribuir com as tomadas de decisões do processo educacional (PMC-SME, 2007).

• Resolução 03/2003: Reforçou o caráter coletivo do TD, denominando-o de Trabalho Docente Coletivo (TDC) e, ao retomar a Lei 6.894/1991, instituiu o Trabalho Docente de Atendimento Individual, com uma ou duas horas-aula semanais, para atendimento ao aluno, às famílias e/ou outras atividades acordadas coletivamente. Ainda nesse momento, foram colocados, nos calendários institucionais, sete encontros coletivos anuais nos quais as comunidades interna e externa deveriam discutir seu PP, na intenção de recuperar os pressupostos participativos assumidos em 1990 (PMC-SME, 2007).

• Lei 12.012/2004: Normatizou o Trabalho Docente em Projetos e o Trabalho Docente em Preparação de Aulas que, por sua vez, já estava previsto em 1991, porém denominado de tempo extraclasse. Desse modo, “em uma jornada completa do professor (24/36), doze horas-aula de tempos pedagógicos [destinam-se] para dar alento ao PP” (PMC-SME, 2007, p. 6).

Configuraram-se, assim, os tempos e espaços dedicados ao encontro da comunidade escolar para avaliar e debater seu PPP, somados aos já existentes momentos de discussão coletiva proporcionada por outros dois colegiados: o Conselho de Escola, em que ocorrem “debates de articulação entre os vários setores da escola, tendo em vista o atendimento das necessidades comuns e a solução dos conflitos que possam interferir no funcionamento da escola e dos problemas administrativos e pedagógicos que esta enfrenta”

(Lei 6.662/1991); e o Conselho de Classe, Série e Termo, cujas discussões trimestrais sobre o desenvolvimento do estudante, embora já ocorressem, passam a fazer parte do calendário da SME, por meio da Resolução SME 01/2001 (PMC-SME, 2007).

Logo, no decorrer dos anos, “foram instituídos, no mínimo, quinze encontros anuais para avaliação de um mesmo documento/compromisso (4 para Conselho de Escola, 4 para Conselho de Classe, Série e Termo, e 7 destinados exclusivamente ao PP)” (PMC-SME,

2007, p. 6). Esses tempos e espaços para a reflexão e construção do PPP, sinalizam as conquistas obtidas, historicamente, pelos educadores profissionais da RMEC que, nos diferentes momentos políticos do município, reivindicaram melhores condições de trabalho, de modo a possibilitar a construção coletiva da educação municipal (PMC-SME, 2007).

Percebemos, nesse sentido, que a “narrativa do estabelecimento de condições para a implantação de uma Avaliação Institucional Participativa (AIP) iniciou-se muito antes” das ações programadas para tal, realizadas a partir de 2003 (PMC-SME, 2007, p. 4). Assim, ao olharmos para a AIP na RMEC, entendemos que é preciso considerar o seu percurso histórico, ou seja, a via percorrida até a sua instituição, e compreender a AIP enquanto processo que não se efetiva do dia para noite e através, apenas, de um ato normativo.

Como veremos nas próximas seções, apesar da resolução ser imprescindível – uma vez que garante condições e recursos para o encontro dos diversos atores institucionais – o contexto anteriormente apresentado, bem como a trajetória da sua construção, foram/são elementos-chave para a concretização e legitimidade da política. Uma política pública de caráter contrarregulatório que afeta e é afetada pelas diferentes concepções de educação e sociedade em disputa pelos caminhos trilhados pela RMEC.