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A Vida em Abrigo: um estudo sobre práticas sócio-educativas entre educadores e crianças abrigadas

4.3 – AÇÕES DOS PROFISSIONAIS DO ABRIGO:

O atendimento das crianças abrigadas conta com alguns responsáveis técnicos como: uma assistente social e duas estagiárias da área, que se

intercalam nos dias da semana; uma psicóloga67, um pedagogo, um psicopedagogo, além do casal gestor, segundo informações obtidas. Esses profissionais promovem situações interdisciplinares, interagindo com as crianças. Há sempre “um estudo de caso” acontecendo, um registro de fatos ou de atitudes comportamentais convencionais ou diferenciadas.

Há a atuação de outros profissionais internos e externos: uma diarista, uma auxiliar de limpeza com frequência diária e três auxiliares de enfermagem que se revezam no decorrer do dia, para auxiliar D. Alice no cuidado com os bebês. Há muita incidência, principalmente de bebês com problemas cardiológicos em função das mães serem dependentes de drogas. No dia em que faço esse registro, encontram-se abrigadas 23 (vinte e duas) crianças, dentre as quais, 15 (quinze) são bebês: cinco têm problemas cardíacos.

Uma vez por mês, acontece na instituição a presença de uma médica pediatra e de uma cardiologista, ambas voluntárias. Há outros profissionais externos, que são voluntários; são da região e fazem atendimento dentário, fonoaudiológico, dermatológico, ginecológico quando necessário.

Todos esses movimentos e atividades profissionais em torno de cada criança abrigada são detalhados em relatórios erigidos pelo entrevistado e encaminhados, sistematicamente, para a Vara da Infância e da Juventude. Esta dinâmica já se inicia a partir das primeiras horas após a criança chegar ao abrigo. O primeiro relatório já acontece quarenta e oito horas após a chegada da criança, quando, então, é feita uma descrição do seu comportamento, como se relacionou, alimentou, se houve ou não entrosamento, mínima abertura e participação nas atividades cotidianas e demais atividades propostas pela instituição.

O segundo relatório é enviado quinze dias depois. Considerado o “relatório de apuramento”; neste, é feito um relato de tudo o que os cuidadores e demais profissionais puderam ‘apurar’, ‘ouvir’ sobre a criança nesse espaço de tempo: melhorias percebidas, seus hábitos, costumes, sua história de vida, contada por

67

No dia do registro desta entrevista, a psicóloga estava defendendo uma tese de doutorado na USP titulada

Consultas Terapêuticas de Crianças Abrigadas e seus pais: uma investigação dos vínculos familiares. A

pesquisa foi realizada no Lar das Palmeiras, com 5 famílias de origem das crianças. Teve apoio do INSTITUTO APOIAR - USP

ela mesma ou por pessoas à ela relacionadas. Nesse sentido, é muito comum, por exemplo, pessoas procurarem a instituição logo após o abrigamento, com denúncias manifestas sobre o abuso e situações de risco vividas pelas crianças em momentos anteriores ao acolhimento. Acompanham esses casos o pedido de sigilo dos depoimentos.

Outros relatórios se sucedem a cada mês, esgotando-se, apenas, quando a criança deixa o abrigo.

O entrevistado frisou várias vezes que o abrigo não faz restrições a crianças portadoras de deficiências. Eles as recebem, inclusive em casos emergenciais; mas, os casos mais graves são geralmente encaminhados a outras instituições especializadas pela própria Vara da Infância.

Outras tarefas assumidas pelo abrigo, descritas pelo entrevistado, são aqui registradas:

- promovem o encaminhamento da inclusão da família de origem em programas governamentais, principalmente, os envolvidos com problemas de saúde.

- desenvolvem projetos e programas – aqui o esforço maior da instituição -, focando diferentes atividades grupais, dinâmicas de sensibilização, encontros, passeios programados e vivências de cunho educativo, acompanhamento pedagógico, assistencial, psicopedagógico e psicológico.

- pleiteiam, junto ao judiciário, a adoção de crianças e adolescentes, encaminham -nas a “famílias substitutas”. Estas são medidas de última instância, quando os recursos de manutenção na família de origem forem esgotados.

Essas atividades descritas acima envolvem o trabalho participativo e interdisciplinar de profissionais internos e externos, voltados para atender a criança/adolescente.

Quando necessário, as crianças são encaminhadas ao hospital da região, ao Poder Judiciário, ao posto de saúde.

“Os resultados obtidos desse trabalho?” Várias vezes, durante a entrevista, o Sr. Nelson apontou para o mesmo quadro demonstrativo dos ‘destinos’ das crianças que passaram pela instituição. Não deixava de comentar sobre o orgulho

em ter “entre os adotados por famílias substitutas, um número razoável de adoção tardia” 68, e não ter em seus registros, “devoluções de crianças por parte das famílias substitutas”.

Senti ser este um dado significativo. Em meus pensamentos, porém, questionava-me “como imaginar os sentimentos de uma criança sob tal ameaça, a de ser “devolvida”? Talvez valeria a pena investigar em outra situação. Precisaria refletir sobre isso. Retorno ao nosso objeto de estudos, conduzindo o entrevistado ao relato de como compreende sua condição de sócio educador, nos modos de cuidar das crianças acolhidas.

As crianças passam por um processo de avaliação dos profissionais internos para serem, quando necessário, encaminhadas, também, para órgãos externos (referidos acima) que mantém parceria com a instituição. O entrevistado comenta sobre a sequência dos primeiros momentos de acolhimento da criança:

“As primeiras avaliações são feitas pela assistente social e pela psicóloga. Dependendo das necessidades, a criança passa por um neurologista lá no CAPS69, onde elas passam por tudo quanto é exame pra verificar se existe algum problema que esteja prejudicando seus estudos. Passa por um exame de vista. Se é problema neurológico, as crianças passam pelo Dr. Roberto no CAPS. Alguns encaminhamentos são feitos também na Vista Média. A Vista Média tem uma parceria também conosco, todos os exames são gratuitos, feitos pelo Dr. José Ricardo.”

É o Sr. Nelson o maior responsável por cumprir os objetivos, as metas e obter bons resultados previstos de cuidar e zelar pela educação das crianças do abrigo, enquanto sob seus cuidados, mas reconhece que, sem a colaboração dos outros profissionais que ali atuam, esse trabalho seria impossível.

Sobre a psicóloga, por exemplo, ele tece os comentários:

“Eu admiro muito o trabalho de Zuleika. Ela é voluntária e está aqui há mais de cinco anos! Vem duas vezes por semana,

68 Entenda-se por adoção tardia a adoção que envolve crianças em idade superior à fase maternal. 69 Centro de Assistência Psicossocial.

não falta de jeito nenhum! Ela atende crianças. É da USP, seu trabalho visa ao fortalecimento dos vínculos familiares”.

- “Como o Senhor sente o trabalho dela junto às crianças?”, perguntei-lhe:

“Nooossa!!! Ainda antes de você chegar eu estava conversando com o Paulo” (o pedagogo) “às vezes eu discordo muito, talvez por eu não ser da área de psicologia, mas sou formado em administração, eu às vezes discordo, porque tenho o lado prático, tanto eu como minha esposa. Esse lado mais acadêmico, eu não sei nada”.

Descreve a importância do convívio constante da profissional no atendimento das crianças, sua evolução e a necessidade de “teoria e prática” estarem juntas:

“Mas o que eu notei nesses anos todos do trabalho dela é de que a maneira dela pensar mudou muito a partir do momento em que ela passou a conviver com os problemas de forma mais direta. É bem diferente no seu consultório fazer lá o atendimento de uma hora e ficar dentro do abrigo vivendo situações totalmente diferentes. Ela se envolve bastante, faz milagre com as crianças, porque entende o seu problema, vê mais de perto o que elas passam, fala o que eles precisam ouvir, dá bronca, está mais junto, mesmo”.

Intimamente, concordei com suas palavras, por já ter vivido experiências no interior de abrigos, com crianças. Mas não me manifestei nesse sentido.

4. 4 – A CASA LAR E OS EMBRICAMENTOS DOS DIREITOS À