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1.10 – A LEGISLAÇÃO DOS CONSELHOS, A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL E ACADÊMICA

A Vida em Abrigo: um estudo sobre práticas sócio-educativas entre educadores e crianças abrigadas

1.10 – A LEGISLAÇÃO DOS CONSELHOS, A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL E ACADÊMICA

A Lei 8069 que inspirou a criação do ECA, estabeleceu garantia, promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, dando um sentido de mudança de ações: a adoção de novos princípios nas políticas de atendimento (Art. 86); a especificação das diretrizes dessa política de atendimento e na criação de instrumentos de controle e participação social; a criação dos Conselhos de Direitos, dos Conselhos Tutelares, entre outras disposições..

Os Conselhos, de âmbito Federal, Estadual e Municipal, têm as atribuições de formular, propor, supervisionar, avaliar, fiscalizar e controlar as Políticas Públicas. Por se constituírem de igual número de membros da sociedade civil e do poder público, são chamados também de órgãos paritários.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA –34, foi criado à promulgação da Lei Federal n.o 8.242 de 12 de outubro de 1991. Compete ao CONANDA, entre outras providências:

- elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, fiscalizando as ações de execução e as diretrizes estabelecidas nos arts. 87 e 88 da Lei 8.069 – ECA – (par. I).

Segundo as atribuições do artigo 87, a política de atendimento diz respeito a um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. As linhas de ação se referem a políticas sociais básicas, serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos; proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente (ECA - art. 87). São diretrizes da política de atendimento: municipalização do atendimento; criação de conselhos municipais, estaduais e nacional, órgãos deliberativos e controladores de ações, criação e manutenção de programas específicos;

manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos de direitos da criança e do adolescente; integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Segurança Pública, entre outros; mobilização da opinião pública no sentido da participação dos diversos segmentos da sociedade (ECA – art. 87).

Ao CONANDA compete, ainda:

- zelar pela aplicação da política nacional de atendimento da criança e do adolescente (par. II);

- dar apoioaos Conselhos e aos órgãos Estaduais e Municipais e entidades não governamentais para tornar efetivos os princípios, as diretrizes e os direitos estabelecidos pelo ECA;

- avaliar a política e a atuação dos Conselhos Estaduais e Municipais da Criança e do adolescente;

- acompanhar o reordenamento institucional, propondo modificações nas estruturas públicas e privadas destinadas ao atendimento da criança;

- apoiar a promoção de campanhas educativas;

- acompanhar a elaboração e a execução da proposta orçamentária da União, indicando modificações necessárias à consecução da política formulada para a promoção dos direitos da criança e do adolescente.

Segundo o estabelecido no Art. 3.o, o CONANDA deve ser integrado por representantes do poder Executivo, assegurando a participação de órgãos na área de Ação Social, Justiça, Educação, Saúde, Economia, Trabalho, Previdência Social e por representantes de entidades não-governamentais, em igual número.

A Resolução n.o 75 (de 22/10/2001) do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes – CONANDA – dispõe sobre os parâmetros para a criação e funcionamento dos Conselhos Tutelares (CT) em todo o território nacional.

O Conselho Tutelar, na verdade, instituiu-se por meio do Artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente, como “um órgão permanente e autônomo,

não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nessa lei”.

É um órgão público não jurisdicional, que desempenha funções administrativas direcionadas ao cumprimento dos direitos da Criança e do Adolescente.

Em cada Município, deve haver no mínimo um Conselho Tutelar, composto por cinco membros escolhidos pela comunidade local para um mandato de três anos. O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar é estabelecido em lei municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, sob a fiscalização do Ministério Público.

Cabe à legislação Municipal explicitar a estrutura administrativa e institucional necessária ao adequado funcionamento do Conselho Tutelar35

Tendo sua origem na lei, como órgão público Municipal, deverá estar integrado ao conjunto de instituições nacionais e subordinado ao ordenamento jurídico brasileiro. Como órgão público Municipal e criado pelas leis do Município, sendo efetivamente implantado, deverá desenvolver uma ação contínua e ininterrupta, sem depender de autorização de prefeitos ou juízes. Isto é: suas funções são exercidas com independência, podendo realizar denúncias, corrigir distorções existentes na própria administração municipal, relativas ao atendimento ou acolhimento às crianças e adolescentes.

Apenas ao juiz da Vara da Infância e Adolescência é dado o poder de rever as decisões do Conselho a partir da apresentação de requerimento daquele que se sentir lesado.

Com a promulgação da Lei nº 12.010 de 29 de julho de 2009 ( entrou em vigor em novembro/2009), ao Conselho Tutelar não mais compete o encaminhamento de crianças e adolescentes junto a entidades que mantenham acolhimento institucional (como ocorria em período anterior a essa lei), com exceção de casos graves ou emergenciais. A Lei n.o 12.010 estabelece que: as

35 “Par. Único: A lei Orçmentária Municipal deverá prever dotação para o custeio das atividades

desempenhadas pelo Conselho Tutelar,,,, inclusive para as despesas com subsídios e capacitação dos Conselheiros, aquisição de bens móveis e imóveis, pagamentos de serviços de terceiros e encargos, diárias, material de consumo, passagens e outras despesas.” (CONANDA, Resolução n.o 75 de 22/10/2001).

entidades acima citadas só poderão acolher crianças e adolescentes sem prévia determinação da autoridade competente, “em caráter de urgência, fazendo comunicação do fato em até 24 horas ao Juiz da Infância e da Juventude, sob pena de responsabilidade” (Artigo 93).

O artigo 101 da referida lei define o acolhimento institucional e o acolhimento familiar como medidas provisórias e excepcionais e estabelece no parágrafo 3º que “crianças e adolescentes somente poderão ser encaminhados às instituições que executam programas de acolhimento institucional, governamentais ou não, por meio de uma Guia de Acolhimento, expedida pela autoridade judiciária”. Assim, hoje, cabe ao juiz e somente a ele, a determinação do encaminhamento da criança às referidas instituições.

O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA - entre outros Conselhos, instituiu-se graças aos mecanismos introduzidos pelo ECA, de garantir, promover e defender os direitos estabelecidos à criança. Está subordinado à Secretaria Especial para Participação e Parceria – SEPP -, com a função de propor, deliberar e acompanhar as políticas públicas em prol da criança e do adolescente. Foi instituído pela Lei n.o 11.123 de 22/11/1991 e regulamentado pelo Decreto n.o 31.319/1992. Recebeu alterações promulgadas no Decreto n.o 44.728/2004. Trata-se de um órgão paritário, composto por trinta e dois (32) membros, com igual número de representantes do Poder público e da Sociedade Civil Organizada (Ver cronograma anexo III).

O CMDCA, além dos cargos de diretoria e administrativos, tem cinco comissões permanentes (Ver anexo IV).

O Art. 260 do ECA, permitiu aos contribuintes do Imposto de Renda deduzir da renda bruta um total de doações efetuadas aos Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente .

Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente são recursos públicos mantidos em contas bancárias específicas. Essas contas têm a finalidade de receber repasses orçamentários e depósitos de doações efetuadas por pessoas físicas e jurídicas. Cada Município deve manter uma única conta/Fundo, como também, cada Estado deve manter uma única conta/Fundo.

A responsabilidade pela captação e aplicação dos recursos dos Fundos Municipais de Direitos compete aos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente; em relação aos Fundos Estaduais, compete aos Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Na cidade de São Paulo, o FUMCAD (Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente) foi criado pela Lei 11.247. Busca congregar esforços, mediante a participação voluntária no desenvolvimento de programas aprovados pelos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Em setembro de 2009, participei de um seminário organizado pela Associação de Pesquisadores de Núcleos de Estudos e pesquisas sobre a Criança e o Adolescente – NECA36 - e pela Secretaria de Inclusão Social, que

teve por finalidade discutir com os gestores de abrigos regionais, novas perspectivas de acolhimento e a agregação de novos profissionais ao trabalho junto aos abrigos. A partir desse seminário, foi possível inteirar-me de novos projetos educacionais e programas que o NECA vem realizando nesses últimos meses.

O NECA é uma organização não governamental que tem por objetivos, pesquisar, desenvolver tecnologias, metodologias, produzir e divulgar informações ou conhecimentos técnicos e científicos referentes à promoção, garantia e defesa dos direitos da criança, adolescente e suas famílias.

Esta organização já havia sediado o Programa Abrigar no período de 2005 a 2007, Programa criado pelo Instituto Camargo Correa em 2003.

O Programa Abrigar criou e desenvolveu programas e processos de formação de educadores, coordenadores de abrigos e agentes responsáveis pela execução dos programas de proteção especial à criança e famílias de origem. Expandiu-se por entre vários abrigos, direcionando aos mesmos, recursos financeiros e técnicos com a finalidade de se desenvolver ações e mudanças educacionais e sociais à favor da criança e seu contexto familiar.

Dentre outras instituições, esse Programa envolveu o supra referido Lar Encantado, subsidiando com recursos financeiros alguns projetos que envolveram e propiciaram melhor qualidade de vida às crianças abrigadas e os familiares biológicos. Como professora e educadora tive participação ativa na elaboração e aplicabilidade de tais projetos, como já referenciei na Introdução desse trabalho.

O NECA tem como princípios a construção de conhecimentos, a participação e envolvimento em discussões nos diversos espaços: Universidade, Centros de Pesquisas, Organizações da sociedade civil, governamentais ou não- governamentais. Fornece, também, apoio à construção de propostas técnico- metodológicas e a criação de instrumentos nas ações da sociedade civil: fóruns, conselhos e demais movimentos sociais.

Mais recentemente, o NECA, em convênio com a Secretaria Especial de Direitos humanos da Presidência da República – SEDH -, tem desenvolvido um projeto (entre outros) de desenvolvimento de metodologias para formação e informação sobre Convivência Familiar e Comunitária.

Um dos eixos desse projeto está voltado ao desenvolvimento de metodologias e formação de multiplicadores do Sistema de Informações sobre a Criança e o Adolescente em Abrigos, o SIABRIGOS.

Em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos e o CONANDA, o SIABRIGOS é um sistema de gestão de abrigos que permite armazenar e tratar dados referentes aos serviços de acolhimento institucional e às crianças e adolescentes abrigados, contribuindo para a organização e desenvolvimento do projeto político-pedagógico do abrigo, para a gestão técnico- política e, principalmente, para o planejamento e execução das atividades de acolhimento e sócio-educação das crianças, dos adolescentes abrigados e de suas famílias.

Atualmente, esse sistema está disponibilizado para oito (8) municípios-pólo do Pais, com a pretensão de se expandir a outros: Campinas, Guarulhos, Diadema, Santo André, Duque de Caxias (R.S.), Florianópolis (S.C.) Joinvile (S.C.) e Uberlândia (M.G.).

No dia 22 de fevereiro de 2010, a Secretaria do Estado de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda - SEDEST – representando o Distrito Federal, lançou oficialmente o SIABRIGOS como instrumento tecnológico de apoio à nova metodologia de gestão de abrigos, no intuito de: facilitar a organização do planejamento; facilitar as atividades relativas ao acolhimento dos abrigados; qualificar o monitoramento e a avaliação de programas de abrigos, adequando-os aos parâmetros legais e aos novos paradigmas de acolhimento.

No adentrar histórico desenvolvido até aqui, percebi que muitos avanços ocorreram referentes à questão do abrigamento. Esta evolução tem adquirido múltiplos sentidos, que perpassam do pensamento educacional e assistencial brasileiro; tem refletido o avanço da consciência humanística, particularmente advinda da Europa; tem sido acompanhada no Brasil, também, pela evolução do pensamento jurídico, no que diz respeito à criança não assistida.

Nesse esforço de sistematização de vários trabalhos e bibliografias consultadas, foi possível perceber que, a partir do final do Século XIX e século XX, se intensificaram movimentos, discussões, programas, serviços, semanas de estudos em prol da criança e do adolescente, culminando com a criação e normatização de novos Códigos, novas políticas públicas e novas leis que, também, foram se modificando e se aperfeiçoando, conforme as mudanças de pensamentos educacionais e sociais ocorriam. Movimentos que, no decorrer dos anos, mobilizou a sociedade civil, a partir de núcleos familiares, desde outrora consideradas como o “verdadeiro lócus de ajustamento e reajustamento para o menor”. Foi possível compreender que, a cada mudança ocorrida, a cada fase de desenvolvimento do pensamento educacional e assistencial, sempre correspondeu uma nova postura político-científica e filosófica, que se traduziu, na edição de uma série de leis que, através do tempo, foram estabelecendo alguns parâmetros norteadores dos rumos da educação e assistência à infância no País.

Sobre a influência e importância dos núcleos familiares em relação às leis da Educação que recebemos e criamos Montesquieu (2002) assim se manifestou:

“As Leis da Educação são as primeiras que recebemos. E, como elas nos preparam para sermos cidadãos, cada família particular deve ser governada em conformidade com o plano da grande família que compreende todas as demais. Se um povo em geral tem um princípio, as partes que o compõem, isto é, as famílias, também o terão. As leis da educação serão, portanto, diferentes em cada tipo de governo. Nas monarquias, terão por objeto a honra; nas repúblicas, a virtude; no despotismo, o medo”. (Montesquieu, p. 44)37

Se as primeiras leis que recebemos advêm da família, ao abrigo sobrecai o imenso compromisso – mesmo em caráter provisório - de acolhimento, proteção e preparação da criança à uma vida adulta, de direito. Por outro lado, os planos da “grande família” (ou do Estado, compreendido aqui, como “grande família”) incluiriam em seu bojo os cuidados necessários e de direito que os adultos cuidadores necessitam para cumprirem com essa tarefa? Falar de “dever’ (ideia de compromisso) e de direito é falar de “Lei”.

Como ficou expresso e resumido neste capítulo, o tema escolhido: ‘A Vida em abrigos’ exigiu-me investigar a evolução histórica desta instituição, para melhor compreender a sua presença e dinâmica em nossos meios sociais e institucionais. Tal empreendimento permitiu-me compreender “quem é a criança” que necessita de cuidados institucionais, educacionais e assistenciais; como surgiu a figura (necessária) do adulto cuidador e suas múltiplas atribuições, através dos tempos. Permitiu-me, também, conhecer os aportes legais, que foram se modificando com o tempo, de acordo com as transformações da visão social e educacional de cada época; e, consequentemente, a dinâmica e atuação de órgãos públicos voltados a atender e assegurar melhor qualidade de vida, direitos, relacionamentos e destinos humanos, tendo como foco a criança e o adolescente em situação de risco.

Adentrar na historicidade do abrigo permitiu-me perceber que passamos por um processo evolutivo de concepções e de leis consideradas normativas e que vieram a desencadear diferentes atitudes humanas, no tempo. Nesse universo,

37 Ver Livro Quarto, Das Leis da Educação. In: Do Espírito das Leis. A primeira edição da obra foi publicada

outras surgem que regem vidas; que asseguram direitos e deveres; que modificam modos de pensar; que enveredam por filosofias novas de vida; leis, violáveis, insustentáveis; leis que, embora em vigor, nem sempre são cumpridas; ou aquelas que sustentam e garantem o cumprimento de novas ações; leis, enfim, que entram em desuso, protegem ou defendem...

- Afinal, o que é a lei? Que sentido podemos atribuir a esse termo?

Uma postura fenomenológica exige do pesquisador um adentrar nas raízes da problemática, para se entender o sentido do fenômeno, neste momento considerado “a Lei”, o “espírito da Lei”.