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A VIDA EM ABRIGOS: UMS ESTUDO SOBRE PRÁTICAS SÓCIO-EDUCATIVAS ENTRE EDUCADORES E CRIANÇAS ABRIGADAS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM EDUCAÇÃO

PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO.

Mercedes Accorsi

A VIDA EM ABRIGOS: UM ESTUDO SOBRE PRÁTICAS

SÓCIO-EDUCATIVAS ENTRE EDUCADORES E CRIANÇAS

ABRIGADAS

(2)

MERCEDES ACCORSI

DOUTORADO EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

A VIDA EM ABRIGOS: UMS ESTUDO SOBRE PRÁTICAS

SÓCIO-EDUCATIVAS ENTRE EDUCADORES E CRIANÇAS

ABRIGADAS

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia da Educação.

Orientadora: Prof. Dra. Heloísa Szymanski.

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FOLHA DE APROVAÇÃO

MERCEDES ACCORSI

A Vida em Abrigos: um estudo sobre práticas sócio-educativas entre educadores e crianças abrigadas.

Tese apresentada a Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia da Educação sob orientação da Prof. Dra. Heloísa Szymanski

Aprovado em:

Banca Examinadora.

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RESUMO

Este estudo teve por finalidade investigar as práticas sócio-educativas implementadas por adultos cuidadores responsáveis pela educação de crianças e adolescentes em uma casa-lar da grande São Paulo e analisá-las como parte de um processo de socialização familiar. Autores como Hannah Arendt, Paulo Freire, Dulce Critelli, M.L. Marcilio, são os referenciais teóricos que possibilitaram um refletir sobre o sentido das trocas intersubjetivas, ações cotidianas e hábitos sociais que se desenvolvem no contexto das condições humanizadoras que o abrigo oferece. Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa inspirada na fenomenologia, nas modalidades de entrevistas e registro de observações que se constituíram em seis visitas ao local. As entrevistas visaram verificar como os adultos cuidadores compreendem suas práticas sócio-educativas no interagir com crianças abrigadas. Ocorreram por aproximadamente uma hora. As devolutivas foram apresentadas como parte do processo de reflexão entre pesquisadora e entrevistados e tiveram a duração de cerca de duas horas. Concebe-se essa prática como um desdobramento da entrevista reflexiva desenvolvida por Szymanski destinando a oferecer um espaço de atenção e valorização do diálogo, como modo de reflexão sobre as práticas educativas exercidas no dia-a-dia.

Os entrevistados compreenderam os momentos vividos como um espaço de livre expressão de suas idéias, de suas concepções de vida e trabalho e, como oportunidade de repensarem sobre as condições de cuidadores, educadores e guardiães responsáveis pelas crianças e adolescentes que estão sob seus cuidados, mesmo que provisoriamente.

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Abstract

This study aimed to investigate the socio-educational practices implemented by caring adults responsible for children and adolescents’ education in a House-Home of the Greater São Paulo, Brazil, and to analyze those practices as part of a process of family socialization.

Authors such as Hannah Arendt, Paulo Freire, Dulce Critelli, M. L. Marcilio are theoretical references that allowed to reflect on the meaning of intersubjective exchanges, daily actions and social habits that develop in its context under which the humanizing conditions offers.

It was developed a qualitative research inspired by phenomenology, in terms of interviews that formed six visits. The interviews were to verify the caring adults’ understanding about their social and educational practices when interacting with children in shelters, and took place in approximately one hour. The fed back were presented as part of the process of consultation between the researcher and interviewee and lasted two hours. This practice is conceived as an offshoot of the reflexive interview developed by Szymanski which designed to offer a span of attention and appreciation of the dialogue as a way of reflecting on educational practice activities in day-to-day.

Respondents understood the moments experienced as a space for free expression of their ideas, their concepts of life, work and also, as opportunity to rethink the conditions for caregivers, educators and guardians responsible for children and adolescents who are under their care, even provisionally.

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Dedico esse trabalho a

São Francisco de Assis,

pelo Amor Incondicional dedicado ao Filho do Homem

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O Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis*

“Altíssimo, onnipotente, bom Signore, Tue so ‘ le laude, La gloria e l’honorre et onne benedddictione. Ad te solo, Altissimo, se confano e nullu homo ène dignu te mentovare. Laudato sie, mi’ Signore, cum tucte Le tue criature, specialmente messer lo frate sole,’lo qual’è iorno, et allumini noi per lui et ellu è bellu e radiante cum grande splendore; de te, Altissmo, porta significatione. Laudato si’, mi’Signore per frate vento E per aere nubilo e sereno et onne tempo, per lo quale a Le tue creature dài sostentamento. Laudato si’, mi Signore, per sor’ acqua, la quale è molto utile et humile et preciosa e casta. Laudato si’, mi’ Signore, per frate focu, Per lo qualle ennallumini la nocte: et ello è bello et iocondo e robustoso e forte. Laudato si’’ mi’ Signore, per sora nostra madre terra, la quale ne sustenta et governa, e produce diversi frutti com coloriti fiori e herba. Laudato si’, mi’Signore, per quelli ke perdonano per lo tuo amore e sostengono infirmitate e tribulatione. Beati quelli ke’l sosterranno in pace ca da te, Altissimo, sirano incoronati. Laudato si’, mi Signore, per sora nostra morte corporale

da La quale nullu homo vivente po’scappare; guai a quelli ke morrano NE le pecatta mortali; beati quelli ke trovarà ne le tue sanctissime voluntati”.

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Agradecimentos

Ao Programa de Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e a Agência Financiadora CAPES, que me proporcionaram condições de continuidade de estudos junto a esta Universidade, desde o período de graduação.

À profa. Dra. Heloisa Szymanski, pelo respeito e paciência com minha imaturidade acadêmica e pela importantíssima colaboração e atenção nesse longo processo de doutorado. Suas leituras atentas e dedicadas, me ajudaram a seguir em frente com esse trabalho.

À Profa. Dra. Dulce Critelli, pela poesia e iluminação de suas palavras, ampliando minha visão e compreensão de mundo no universo da Filosofia. Está dentre os professores que marcaram minha vida.

À Profa. Dra. Vera Placco, digníssima coordenadora do Programa de Psicologia da Educação da PUCSP., minha sincera gratidão pelos encaminhamentos propiciados.

Ao Prof. Dr. Antonio Carlos Caruzo Ronca, pelo acolhimento, leitura cuidadosa e contribuições pertinentes

À Profa. Dra. Henriette Morato, pelas colaborações interessadas por ocasião do exame de qualificação, que me ajudaram a caminhar por perspectivas mais claras e definidas.

À Profa. Dra. Maria Cristina Vicentin, pelo apoio e consideração, além da ajuda com tantas e ricas informações pertinentes aos estudos e abordagens mais atuais sobre o tema escolhido.

À Prof. Livre Docente Maria Garcia e aos colegas do grupo de estudos do NEDUC; discutir e pensar juntos sobre as questões que envolvem a problemática familiar e as crianças e adolescentes que vivem situações de risco, me motivaram a buscar compreender e participar da dinâmica de vida no interior dos abrigos. Aos colegas do grupo de orientação, pelo apoio importante e interessado, as ajudas e conversas esclarecedoras sobre os procedimentos da pesquisa; companhias carinhosas que marcaram esse percurso.

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contexto do Lar, tendo a reflexividade, a inovação e a crítica como princípios norteadores.

Às alunas da Universidade Brás Cubas, por comporem uma equipe extraordinária de trabalho junto às crianças e adolescentes que vivem situações de risco, sob a égide do respeito, compromisso, criatividade, cuidado e afetividade.

Ao Sr. Fernando e Dna. Helma, que a cada dia que passa tornam os espaços da Casa de Acolhimento cada vez mais familiares e cheios de sorrisos. Verdadeiros referenciais de adultos cuidadores, facilitaram, apoiaram e viabilizaram esta pesquisa, mostrando e demonstrando enorme competência naquilo que fazem: viver e ‘com-viver’ com crianças em situação de risco, num ambiente com Cara, Tamanho e Jeito de Casa.

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Não posso deixar de registrar minha profunda admiração pela jovem Hannah Arendt que, inspirada em Santo Agostinho, ousou dedicar-se, por um período importante em sua vida, ao estudo do Amor como Princípio e Início.

Agradecimentos eternos aos amados:

Meus Pais, Necker e Barbara (in memorium) filhos dos filhos de imigrantes, me ensinaram a Fé, a acreditar no novo, a esperança na multiplicidade da vida. Devo-lhes mais que a existência e ‘princípios’.

Tia Cidinha, Dindinha, elo e exemplo sábio intra e extra familiar, orientadora de muitas vidas. Nos ensinou que vale a pena sonhar e ser “utópicos”...

Ronaldo, o amor compartilhado transcende, supera, sonha, realiza e... compreende as ‘ausências’ dos períodos de “doutorados”.

Meus filhos, Luciana (Lili doutora), Wanderley (Pi ‘acode tudo’), Georgia (amada mandona). “Caixinhas de surpresas” inesperadas; erigimos muitas coisas juntos nos protegendo e cuidando, mutuamente.

Sergio, Flavia, José Roberto, os “aderentes”mais acolhedores que aprendi a amar. A certeza da continuidade: Carol, a N.o 1, Pilili; Nathalie, minha Princesa Yasmin; Gabriel meu Pequeno Príncipe; Brenda (Dadá) e Pietra (Pipi), minhas ansiosamente esperadas ‘twin sets’: o amor se desvelando, se renovando a cada sorriso, a cada lágrima, a cada novo dia.

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“Tocar na criança significa tocar no ponto mais sensível de um todo que tem raízes no passado mais remoto e se dirige para o infinito do futuro. Tocar na criança significa tocar no ponto mais delicado e vital, onde tudo se pode decidir e renovar, onde tudo redunda na vida, onde estão trancados os segredos da alma, porque ali se elabora a educação do homem. Trabalhar conscientemente em favor da infância e preservar a fundo nesse trabalho com a prodigiosa intenção de salvá-la equivaleria a conquistar o segredo da humanidade, como já foram conquistados tantos segredos da natureza”.

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SIGLAS

AASPTJ – Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

CAAG – Companhia dos Aprendizes do Arsenal de Guerra. CAAM – Companhia dos Aprendizes de Marinheiros. CASA – Centro de Apoio Social e de Atendimento CD – Código de Menores.

CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos das Criança e do Adolescente. CONANDA – Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente. CT – Conselho Tutelar.

CEUS – Centros Educacionais Unificados.

FCBIA – Centro Brasileiro da Infância e do Adolescente. FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor.

FUMCAD – Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor.

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

NECA – Núcleo de Estudos e Pesquisas da Criança e do Adolescente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

NEDUC – Núcleo de Estudos de Direito Educacional. NUDI – Núcleo de Desenvolvimento Infantil.

PNBEM – Política Nacional de Bem Estar do Menor. REDE SAC – Rede de Sistemas de Ação Continuada SAM – Serviço de Assistência ao Menor.

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SE – Sistema Educacional.

SEADS – Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social SEDEST – Secretaria do Estado de Desenvolvimento Social SEDH – Secretaria Especial de Direitos Humanos.

SIABRIGOS – Sistema de Informações sobre a Criança e o Adolescente em Abrigos. SUS – Sistema Único de Saude.

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GLOSSÁRIO

Abrigo: entidade que desenvolve programa específico de abrigo. Modalidade de acolhimento Institucional. Atende a crianças e adolescentes em grupo, em regime integral, por meio de normas e regras estipuladas por entidade ou órgão governamental ou não-governamental. Segue parâmetros estabelecidos em lei.

Acolhimento Institucional: termo utilizado para designar os programas de abrigo em entidade, definidos no Art. 90, inciso no Parágrafo IV, do ECA, como aqueles que atendem crianças e adolescentes que se encontram sob medida protetiva de abrigo, aplicadas nas situações dispostas no Art. 98. Segundo o Art. 101, Parágrafo Único, o abrigo é medida provisória e excepcional, não implicando privação de liberdade. O acolhimento Institucional para crianças e adolescentes pode ser oferecido em diferentes modalidades como: Abrigo Institucional para pequenos grupos, Casa-Lar e Casa de Passagem.

Adoção: Medida Judicial de colocação, em caráter irrevogável, de uma criança ou adolescente em outra família que não seja aquela onde nasceu, conferindo vínculo de filiação definitivo, com os mesmos direitos e deveres da filiação biológica.

Apadrinhamento: Programa, por meio do qual, pessoas da comunidade contribuem para

o desenvolvimento de crianças e adolescentes em Acolhimento Institucional, seja por meio do estabelecimento de vínculos afetivos significativos, seja por meio de contribuição financeira. \os programas de apadrinhamento afetivo têm como objetivo desenvolver estratégias e ações que possibilitem e estimulem a construção e manutenção de vínculos afetivos individualizados e duradouros entre crianças e/ou adolescentes abrigados e padrinhos/madrinhas voluntários, previamente selecionados e preparados, ampliando, assim, a rede de apoio afetivo, social e comunitário para além do abrigo. Não se trata, portanto, de modalidade de acolhimento.

Arranjo familiar: Formas de organização interna à família, incluindo os papéis e funções familiares, modos de representar e viver as relações de gênero e de geração, de autoridade e afeto. Os arranjos familiares podem ser compreendidos em torno da relação de parentalidade (famílias com ou sem filhos, filhos conjuntos do casal, filhos de diferentes uniões, etc.) e em relação à conjugalidade (famílias nucleares, famílias monoparentais, etc.) e também em relação à presença de demais parentes e agregados (famílias nucleares e famílias com relações extensas).

Busca ativa: no contesto deste trabalho, esse termo é utilizado para designar o ato de buscar famílias para crianças e adolescentes em condições legais de adoção, visando garantir-lhes o direito de integração a uma nova família, quando esgotadas as possibilidades de retorno ao convívio familiar de origem.

Casa de Passagem: Acolhimento Institucional de curtíssima duração, onde se realiza diagnóstico eficiente, com vista à reintegração à família de origem ou encaminhamento para Acolhimento Institucional ou Familiar, que são medidas provisórias e excepcionais.

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casas-lares têm a estrutura de residências privadas, podendo estar distribuídas tanto em um terreno comum, quanto inseridas, separadamente, em bairros residenciais. As casas-lares são definidas pela Lei nº 7.644 de 18 de dezembro de 1987, devendo estar submetidas a todas as determinações do ECA relativas às entidades que oferecem programas de abrigo.

Centro de Referência da Assistência Social (CRAS): unidade pública estatal de base territorial, localizada em áreas de maior vulnerabilidade social. Executa serviços de proteção básica, organiza e coordena a rede de serviços socioassistenciais local da política de assistência social. É “porta de entrada” para a rede de serviços socioassistenciais da Proteção Básica do Sistema Único de Assistência Social.

Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS): unidade pública

estatal de prestação de serviços especializados e continuados a indivíduos e famílias com seus direitos violados. Deve articular os serviços de média complexidade do SUAS e operar a referência e a contra-referência com a rede de serviços socioassistenciais de Proteção Básica e Especial, com as demais políticas públicas e instituições que compõem o Sistema de Garantia de Direitos, bem como com os movimentos sociais.

Família: A família pode ser pensada como um grupo de pessoas que são unidas por laços de consangüinidade, de aliança e de afinidade. Esses laços são constituídos de representações, práticas e relações de obrigações mútuas. Por sua vez, essas obrigações são organizadas de acordo com a faixa etária, as relações de geração e gênero, que definem o status da pessoa dentro do sistema de relações familiares.

Família Acolhedora: nomenclatura dada à família que participa do programa de Famílias Acolhedoras, recebendo crianças e adolescentes sob sua guarda, de forma temporária, até a reintegração da criança com a sua própria família ou seu encaminhamento para família substituta. Também é denominada de “Família de Apoio,”Família Cuidadora”, Família Solidária”, Família Guardiã”, entre outros.

Família Extensa: Além da relação parentalidade/filiação, diversas outras relações de parentesco compõem uma “família extensa”, isto é, uma família que se extende para além da unidade pais/filhos e/ou da unidade do casal, estando ou não dentro de mesmo domicílio: irmãos, meio-irmãos, avós, tios e primos de diversos graus.

Família de origem: família com a qual a criança e o adolescente viviam no momento em que houve a intervenção dos operadores ou operadoras sociais ou do direito.

Família natural: A Constituição Brasileira de 1988 define, no Artigo 226, parágrafo 4: “entende-se como unidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes” Também o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu Art. 25, define como família natural “a continuidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”.

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Instituição Total: o termo foi utilizado inicialmente por Erwin Goffmann, em seu livro “Manicômios, Prisões e Conventos”, para indicar instituições nas quais os indivíduos internados eram proibidos de sair de suas dependências, devendo ali realizar todas as suas atividades e trocas afetivas e comunicacionais. O pertencimento a uma instituição total tinha como conseqüência o desenvolvimento de um alto grau de dependência social e psicológica dos indivíduos às regras e limites institucionais, o sentimento de despersonalização e o rebaixamento de sua auto-estima. Mais tarde, com os autores institucionalistas da década de 1980, o termo passou a ser utilizado não apenas para as instituições com fechamento físico e material mas também para aquelas que apresentam um alto grau de inflexibilidade em suas regras grupais e simbolismo, promovendo um “fechamento” dos sujeitos dentro de seus limites simbólicos e, da mesma maneira, afetando o seu sentimento de identidade, a sua auto-estima e as suas possibilidades de torças afetivas e simbólicas na sociedade.

Programa de Famílias Acolhedoras: Modalidade de atendimento que oferece

acolhimento na residência de famílias cadastradas, selecionadas, capacitadas e acompanhadas para receber crianças e/ou adolescentes com medida de proteção, que necessitem de acolhimento fora da família de origem até que seja possível sua reintegração familiar ou encaminhamento para família substituta.

Redinfa: Rede Brasileira de Informação sobre Infância, Adolescência e Família; implementada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos e visa coletar, sistematizar e difundir informações sobre instituições, Projetos e Documentos pertinentes às áreas da criança, do adolescente e da Família, coordenada pelo Instituto Interamericano da Criança e do Adolescente (IIN), da Organização dos Estados Americanos (OEA), numa base de dados comum, alimentada por 21 países do sistema interamericano.

Rede Social de Apoio: vínculos vividos no cotidiano das famílias que pressupõem apoio mútuo, não de caráter legal, mas sim de caráter simbólico e afetivo. São relações de apadrinhamento, amizade, vizinhança e outras correlatas. Constam dentre elas, relações de cuidado estabelecidas por acordos espontâneos e que não raramente se revelam mais fortes e importantes para a sobrevivência cotidiana do que muitas relações de parentesco.

Reintegração Familiar: retorno da criança e adolescente ao contexto da família de origem da qual se separou. Reunião dos membros de uma mesma família.

Reordenamento institucional: reorganização da estrutura e funcionamento de uma instituição para se adequar a novos princípios e diretrizes estabelecidas pelo ordenamento jurídico e/ou pelos Conselhos de Direitos e Setoriais; reordenamento de toda a política municipal de atendimento à criança e adolescente para adequar a rede aos princípios legais e normativos vigentes.

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Sistema de Garantia de Direitos (SGD): Conjunto de órgãos, entidades, autoridades, programas e serviços de atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, que devem atuar de forma articulada e integrada, na busca de sua proteção integral, nos moldes do previsto pelo ECA e pela Constituição Federal. A Constituição Federal e o ECA, ao enumerar direitos, estabelecer princípios e diretrizes da política de atendimento, definir competências e atribuições, instalaram um sistema de “proteção geral de direitos” de crianças e adolescentes cujo intuito é a efetiva implementação da Doutrina da Proteção Integral. Esse sistema convencionou-se chamar de Sistema de Garantia de Direitos (SGD). Nele incluem-se princípios e normas que regem a política de atenção a crianças e adolescentes cujas ações são promovidas pelo Poder Público (em suas esferas – União, Estados, Distrito Federal e Municípios - e Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário) e pela sociedade civil, sob três eixos: Promoção, Defesa e Controle Social.

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SUMÁRIO

GLOSSÁRIO....

SIGLAS ...

INTRODUÇÃO 01

O que vi e vivenciei em Casas de Acolhimento ... 09

CAPITULO 1 – O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ABRIGO: BREVE HISTÓRICO 1.1 - O Abrigamento: da Europa ao Brasil... 24

1.2 - O abrigamento no Brasil ... 29

1.3 - O Advento dos termos legais ... 33

1.4 - O referencial do adulto cuidador : suas origens... 35

1.5– As Famílias Criadeiras ... 40

1.6 - Abrindo parênteses: a distinção de termos ... 42

1.7 - Medidas legais relativas ao abrigamento ... 43

1.8- Do Estatuto da Criança – ECA - à Lei 12.010; subsidiando mudanças ... 51

1.9 – As Ações dos Órgãos Municipais ... 55

1.10 – Legitimação dos Conselhos, a Participação da Sociedade Civil e Acadêmica ... 57

1.11 – Sobre “OEspírito da Leis” ... ... 66

CAPÍTULO 2 – O PROCESSO TEÓRICO Á LUZ DAS REFLEXÕES DE HANNAH ARENDT 2.1- O Espírito das Leis e a Condição Humana... 77

2.2 – As Condições Humanizadoras do Acolhimento: ação & Diálogo ... 85

2.3 – Filosofar & Compreender ... 93

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2.5 – Práticas sócio-educativas entre adultos cuidadores e

Crianças abrigadas ... 107

2.6 – Síntese dos Estudos empreendidos ... 114

CAPÍTULO 3 – DO EMBASAMENTO TEÓRICO À CONSTITUIÇÃO DA PESQUISA 118

3.1 - O Método da Pesquisa e seus Participantes ... 119

3.2. – Procedimentos ... 124

3.2 – Sobre os dados Coletados ... 125

CAPÍTUL0 4 O ACOLHIMENTO SÓCIO-EDUCATIVO DA CASA-LAR 128

4.1 – Adentrando na Casa-lar: novos espaços, novos modos de Ser, na vida ... 131

4.2 – Conhecendo a dinâmica da casa de acolhimento e seus profissionais ... 132

4.3 – Ações dos Profissionais ... ... 136

4.4 – A Casa-Lar e os embricamentos dos Direitos à Convivência Familiar (ppp?) ... 140

4.5 – As Estatísticas da Casa-Lar e a Questão da “Reintegração Familiar” ... 144

4.6 – Dos Conflitos à Afetividade ... ... 148

4.7 – O Cuidar que se mostra ... ... 152

4.8 – O Cuidar: Educando e Reeducando ... ... 158

4.9 – O Abrigo: um “caldeirão de problemas”? ... 159

4.10 – Troca de Confiança & ‘Liberdade Vigiada’ ... 160

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expressão dos sonhos de uma criança ... .... 167

4.13 – A Política do Acolhimento se Desvelando: os cuidados Com irmãos ... 168

4. 14 – As Condições Humanas e a Educação das Crianças 170

4.15 - A Família Acolhedora como ela é: possibilidade de adoção tardia? ... 172

4.16 – A devolutiva de d. Alice ... 174

4.17 – A Casa-lar e a Política da Participação ... 179

4.18 – Projetando Sonhos: A História de Vida de D. Alice contada por ela mesma ... 182

4.19 – Os impasses da Lei frente a realidade desvelada. 185

4.20 – A devolutiva do Sr. Nelson ... 188

4.21 – Como se mostra a Ação do Acolhimento ... 188

4.22 – A ação dos Profissionais ... 190

4.23 - Os motivos do Acolhimento ... 191

4.24 – O Trabalho Sócio-Educativo co Educador & a Rede Externa de Acolhimento ... 192

- As Funções da Casa-Lar para com o Judiciário .. 192

- As Ações realizadas pelo sócio-educador & Associação dos Magistrados ... 194

- Da crítica à Rede Púbica às sugestões Ao Conselho Tutelar. 195

- A Problemática familiar X Abrigamento ... 196

4. 25 – As duas visitas subseqüentes ao Lar: “com-textualizando” novos registros e ações ... 201

CAPÍTULO 5 COMO OS ADULTOS CUIDADORES COMPREENDEM SUAS PRÁTICAS SÓCIO-EDUCATIVAS (?) ... ... 204

5. 1 – Os condicionantes da vida em abrigos ... 205

5.2 – Um olhar compreensivo ao que se mostra... 206

(20)

5.4 – A compreensão das experiências vividas... 211

5.5 – “Re-leitura” do que se mostra em primazia ... 212

5.6 – O compromisso dos adultos-cuidadores refletindo-se nas Atitudes dos demais ... 212

5.7 – “Re-leitura”dos dados embasada em referenciais teórico/documentais ... 215

- A preservação dos vínculos com a família de origem 216

- A questão do apoio à reestruturação familiar 217

- O incentivo à convivência com outras famílias X o problema da “devolução” de crianças ... 220

- A estrutura residencial do Abrigo ... 223

- A participação das crianças abrigadas na vida da comunidade local ... 225

CONSIDERAÇÕES ... ... 229

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 234

ANEXOS ... 246

Anexo I : Lei 560 de 27/12/1949 ... 246

Anexo II : Lei 12.010 de 29/07/2009 ... 249

Anexo III ; Conselho Municipais (organograma) ... 263

Anexo IV : Comissões Permanentes do CMDCA ... 264

Anexo V : Planejamento da Entrevista com o Ad./cuidador... 265

Anexo VI : Termo de consentimento da entrevista ... 267

Anexo VII : Análise de dados ... 269

Anexo VIII : Análise de dados: reordenamento ... 278

Anexo IX : Resolução n.o 53 do CMDCA ... 288

Anexo X : Resolução n.o 40 do Conselho Municipal ... 292

Anexo XI: Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes ... 298

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A Vida em Abrigo: um estudo sobre práticas sócio-educativas

entre educadores e crianças abrigadas

INTRODUÇÃO

“Se procurar bem, você acaba encontrando não a explicação (duvidosa) da vida, mas, a poesia (inexplicável) da vida.” Carlos Drummond de Andrade.

Este poema de Drummond está anotado nas folhas amareladas pelo tempo de um pequeno caderno relíquia que guardo comigo, caminha comigo, desde o período da graduação; e, embora fosse esse um momento histórico de repressão, vivia na intimidade de meu coração o “proibido proibir”.

Talvez tenha ele (o poema) me inspirado para abraçar esta pesquisa, não sei. Mas ele é ontem, é hoje, é amanhã; expressa com poder e sensibilidade o que tenho procurado conhecer em minha vida: não uma explicação da vida, mas a vida em suas diferentes formas, e encontrar a poesia existente nela.

Há algum tempo, fazendo uma leitura de um trabalho de dissertação de mestrado, com reverência e simpatia, verifico que a autora Stucchi, M.P. (2008) introduz ‘minha relíquia’ em sua obra. Não foi com surpresa que encontrei outra “coincidência”: sua pesquisa aconteceu entre pessoas que vivem situações adversas mas com insistência não desistem de valorizar as pequenas coisas que acontecem, por maior que sejam as dificuldades encontradas no decorrer de suas vidas. Muitas vezes presenciei e compartilhei de verdadeiras lições de vida no interior de abrigos. O nome do trabalho? ... “Artes de viver em mulheres de camadas populares: o cotidiano de mães da comunidade São Remo”.

Em minha trajetória de vida, muitas pessoas me dizem “mas se você é educadora, trabalha em escola, como foi enveredar com questões de abrigo?”

(22)

Nas palavras de Fernando Pessoa:

“Há um tempo em que é preciso

abandonar as roupas usadas,

que já tem a forma de nosso corpo,

e esquecer os nossos caminhos,

que nos levam sempre

aos mesmos lugares.

É o tempo da travessia:

E, se não ousarmos fazê-la,

Teremos ficado, para sempre,

À margem de nós mesmos”.

Para mim, o abrigo não é uma “instituição fechada”, “prisional” com quatro muros fechados, instransponíveis, com paredes forradas de sofrimentos. Muitos assim o veem, por questões culturais. Guardam no bolso a ideia de que lá é lugar prá filho de pobre ter chance de estudar. Mas ali, “só não entra quem não quer, e ver, por si”. No abrigo vivem jovens/crianças que choram, brincam, fazem algazarra, teimosia, escolhas, se agridem, ficam doentes, reclamam por afeto, dão carinho, dizem “não” querendo dizer “sim”, dizem “sim”, dizendo “sim” e “não”; quebram a vidraça do vizinho; se escondem, se insinuam, tentam nos pôr à prova, escondem os nossos sapatos...E isso é vida.

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Convivendo com as crianças “especiais difíceis”, entre preconceitos e discriminações, fui, aos poucos, percebendo que suas diferentes condições de vida intra e extra-muros escolares, acabavam por encaminhá-las para distintas formas de interação familiar, de valores, de trajetórias de vida e sentidos contrastantes, que refletiam em seus modos de ser e viver.

No ambiente escolar, há quem acredite na manutenção de algo que está selado e sacramentado nos livros que podem ser utilizados de ano a ano, ou na mesmice dos planos de disciplina, para um público sem rosto, sem distinção. Para esses, a presença de um outro significaria não ter vida íntima, nem desejos, nem vontades, nem aspirações, nem aversões pessoais. Bem no estilo colocado por Macdonald (1962. In: Bosi, 1977:67): “Ser alguém cuja conduta fosse inteiramente previsível, como uma peça de carvão-de-pedra: assim, finalmente, os sociólogos

poderiam fazer os seus quadros sem o receio de errar”.

Mas há quem não aprecie esse tipo de “arte”, linear, rígida, limítrofe e, queiram construir um ‘círculo’ talvez, para não perder o cenário das voltas que o mundo dá. O importante é traçar um caminho mais humano, não com carvão, mas com cor, música, poesia, risos, festas, bandeiras e fantasias; com histórias de vida; trocas culturais e interculturais; avançar limites e transposições; emancipar-se.

O testemunho desse momento como possibilidade de uma nova proposta educativa está registrado em “A Lógica que Preside o trabalho do Professor nas séries iniciais do 1º grau”, estudo e pesquisa realizada com crianças e pré-adolescentes - “difíceis” e “normais”. Este trabalho de dissertação de minha autoria teve a participação e colaboração de mais três professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental. Trata-se de um relato parcial de uma experiência que deu certo em sala de aula, a participação de vidas conjuntas na construção do conhecimento e de um novo aprender e ensinar.

No exercício do diálogo e na valorização “do que deu certo”, “nós1” professores, tivemos a grata satisfação de, poucos anos depois, colher

1 Este trabalho aconteceu em quatro classes do ensino fundamental. Formamos uma equipe de quatro

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depoimentos de professores que se sucederam na linha do tempo com a maioria das “nossas crianças” que “muito interessadas”, “não aceitam qualquer aula”, porque “muito exigentes”!

Este trabalho não se concretizou apenas por “intuição” ou por estudos e pesquisas. Teve a “presença” e inspiração de grandes mestres que marcaram a minha vida:

Frei Mansuetto, nos bancos do ensino médio e graduação. Formado em Roma, introduziu-me no mundo da Filosofia, cujos personagens interagiam com o nosso pensar, enquanto mudavam a história. Fundou cidade no Paraná, plantou e semeou um novo alvorecer em nossas vidas de estudantes.

Gadotti, no período de graduação e pós. Contava-nos a “História das Ideias Pedagógicas” (Gadotti, 1997) e nos fazia viajar no tempo, da Antiguidade aos dias de hoje: “qual foi a primeira filosofia da vida?”...”a virtude pode ser ensinada se as idéias são inatas?”... íamos, aos poucos, deslumbrando o cenário de ilustres personagens, em contrapontos entre estudos teológicos e materialistas, entre princípios para uma educação realista, porque “não existem ideias inatas”...”se o homem nasce bom e a sociedade o perverte, então, professores para quê? Para

que a escola?” Educação deve ser útil ou dada com prazer?” “Que função tem a

educação popular?... E, afinal... qual é a especificidade da prática pedagógica?... Professor Gadotti nos ensinou o compromisso pela vida, pela educação. Em sala, se sentia responsável por suas palavras, sua conduta, por nós mesmas, suas alunas e nossa formação. Deixou-nos um legado inesquecível, através de uma carta direcionada às suas alunas do curso de Pedagogia da PUCSP. Nela, o registro histórico de seu “protesto” por uma tarefa descumprida por parte de suas alunas, mas a última palavra do Mestre é que, finalmente, havíamos aprendido a nos ‘posicionar’: “educar-se é aprender a se assumir, saber o que se quer e para onde se vai”.2

Paulo Freire. Suas esporádicas passagens pelos corredores da PUC/SP, em conversas ou palestras, diálogo suficiente para estimular situações e dinâmicas renovadoras nas salas de aula dos alunos/aprendizes. Era o maior

2 _____________ “Carta às Alunas de “Relações Sociais da Escola” do Curso de Pedagogia da PUC/SP”

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alvoroço. Suas palavras circulavam por ali sem paredes, abria-nos horizontes num convite a “pensar sobre nossas práticas” e valorizar a ousadia pedagógica, por ‘menor’ que fosse aos nossos olhos, no intuito de transpor e concretizar alternativas em nosso trabalho didático-pedagógico. Com humildade, sabia ouvir, fluindo o diálogo entre Mestre e aprendizes. Em minha memória, registrou-se - dentre outros relatos de sua história de vida que nos fazia (estudantes) à viva-voz - , os chamados “Círculos de Cultura”; termo criado pelo Mestre, quando coordenou o Movimento de Cultura Popular do Recife (MCP), no final da década de 50. Esses círculos, segundo nos relatava, eram espaços em que circundavam dialogicamente o ensinar e aprender. Espaços... “em que se conhecia em lugar de se fazer transferência de conhecimento. Em que se produzia conhecimento em

lugar da justaposição ou da superposição de conhecimentos feitos pelo educador

ou sobre o educando. Em que se construíam novas hipóteses de leitura do

mundo” (Freire, 1994, p.155).

Para Freire, a sala de aula é um verdadeiro ‘círculo vivo”, onde acontecem as expressões pessoais, trocas de idéias, de conhecimentos e experiências, através do diálogo.

Mas aos seus discípulos/educadores afirmava, também, que a influência do lar se alonga na experiência da escola. Tanto, que registrou:

“Crianças deformadas num ambiente de desamor,opressivo,

frustradas na sua potência, se não conseguem, na juventude,

endereçar-se no sentido da rebelião autêntica, ou se

acomodam numa demissão total do seu querer, alienados às

autoridades e aos mitos de que lança mão esta autoridade

para formá-las, ou poderão vir a assumir formas de ação

destrutiva. (Freire, 2005, p. 176)

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Com ele, o encaminhamento para se assumir uma nova “cadeira” profissional: a de pesquisador. Mas como é ser um pesquisador fenomenológico?

Dizia-nos o Mestre que a ideia do fenômeno “encontra suporte nas visões idealistas, neo-idealistas, sem ter um olhar ingênuo sobre ele (o fenômeno), mas um olhar existencial e fenomenológico. A atitude do pesquisador, o caminho metodológico a ser abraçado, dependia da ‘intuitividade’ e habilidade do pesquisador, dizia-nos, para se chegar às qualidades essenciais do fenômeno estudado.

Mas, como saber que estamos tendo essas habilidades, se o “como fazer”, não deveria partir de procedimentos pré-estabelecidos? Para tudo há um começo. As descrições individuais, as interpretações subjetivas até mesmo as correlações estatísticas são importantes, desde que oriundas de experiências de vida. “Olhem, portanto, para suas vidas! Descrevam! Relatem suas histórias!!” A partir daí, o registro de pensamentos, impressões, sentimentos, de interpretar o vivido em pequenos e particulares diários, no silêncio daquelas páginas viraram mania da classe. Mas o “silêncio também tem sentido”, dizia-nos o Mestre.

Nesse novo aprendizado, entrávamos com ele no mundo das interrogações: podíamos olhar e interrogar o mundo, interrogar as ideias que as pessoas têm do mundo a partir de nossas próprias, para entendê-las e compreender o fenômeno em sua contextualidade.

Deste momento vivido, a lembrança de suas palavras ainda presentes em minha memória: “O seu trabalho” (com crianças) “não pode ter ponto final!” Como se ele nada tivesse com isso! Saudades, Mestre, são marcas indestrutíveis existentes na alma!”

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Anos depois, adentro-me nos cursos de formação de professores, assumindo classes na graduação e pós-graduação. A leitura que fiz desses momentos vividos é caracterizada por mudanças em paradigmas, princípios, conceitos e valores, causando impactos em nosso agir educacional, pois eram muitas as dúvidas e contradições. E, dessas vivências, a constatação de que, por maior que seja o desejo de mudanças em nossas práticas pedagógicas, é difícil deixar para trás os próprios ranços. A tão desejada mudança tinha de partir de nossas próprias atitudes. Acompanho de perto os anseios e dificuldades dos meus alunos; abro espaços para a fala dos educandos/educadores em sala de aula, muitas queixas de “não saber o que fazer” no exercício da tarefa educativa, não só em relação ao processo de ensino aprendizagem, como também aos problemas de relacionamentos, da falta de diálogo, de valores conflitantes entre pais/filhos/educadores.

No intuito de investigar sobre algumas fontes de entendimento de condicionantes e problemáticas e possíveis alternativas, no ano de 2003, ingresso em um grupo de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, sob coordenação da Prof. Dra. Maria Garcia (PUC/SP), com a finalidade de desenvolver estudos e delimitar alguns problemas de investigação no campo de políticas públicas e da família como núcleo institucional e educacional. Dos nossos encontros, pesquisas foram emergindo, fundou-se o Núcleo de Estudos de Direito Educacional – o NEDUC3

De nossas discussões, questões que envolviam diretamente a família, como: da complexidade de suas novas estruturações nos dias de hoje; as mudanças organizacionais; a dinâmica interacional no grupo família; dos seus direitos e deveres”4 entre outras, foram emergindo como objeto de meu interesse e investigação, questões estas que têm clareado muitos dos questionamentos manifestados em minha prática docente.

3 NEDUC, vinculado à PUC/SP e ao CNPQ, foi fundado em 2003.

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De agosto de 2003 a dezembro de 2004, fui convidada a participar de um Projeto Piloto de Mediação de Conflitos5, junto à Vara da Infância e da Juventude de Guarulhos, em parceria com uma das Faculdades de Direito deste local. Neste projeto, um grupo interdisciplinar formado por professores, estudantes, psicólogos, educadores e assistentes sociais, atuam como mediadores de conflitos familiares. A grande maioria vivia em situação de pobreza.

Atuar como mediador implica, em primeira instância, estimular a solução de conflitos entre as famílias. Cada processo era atentamente analisado pela equipe e, no caso de pais separados (ou ausentes), provando-se a incapacidade de estarem inaptos pela guarda da criança, o encaminhamento recai a um dos membros das famílias (do pai ou da mãe), considerado mais capacitado. Havendo impedimentos, o mesmo é encaminhado, por última instância, a instituições adequadas.

Atuar como mediador implica, também, conviver com a difícil tarefa de intermediar conflitos, intervir em situações polêmicas de toda a ordem entre os membros das famílias, que, em um afã de “disputa de poder” e dominação de uns sobre os outros, visivelmente atingiam crianças e adolescentes nos aspectos vivenciais e emocionais. Tais atitudes acabaram por se tornar objeto de preocupação, pois, verificava que o bem estar da criança não era prioridade nem alvo de interesse por trás “daquelas falas”. Mais difícil era verificar o olhar, as atitudes e as reações das crianças.

Quando não havia muito o que fazer ou para onde encaminhar, o destino dessas crianças era o abrigo.

Teóricos de diferentes áreas do conhecimento têm-se voltado à família, como tema gerador de seus estudos e reflexões, enquanto instituição natural, da importância e influência da figura do “adulto cuidador” como referencial, seja da mãe e/ou do pai, tutor ou guardião, no desenvolvimento físico, mental e emocional da criança, principalmente na fase de seus primeiros anos de vida.

A partir dessas reflexões e vivências, surgiu o meu interesse em conhecer mais de perto algumas das instituições que recebem a criança ou o adolescente

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quando, por razões diversas, não podem retornar, definitiva ou temporariamente, ao lar de origem. Iniciei, então, minha trajetória em conhecer essas instituições tendo consciência, porém, de que não deveria apresentar-me nos locais simplesmente como observadora interessada em “olhar” o ambiente, para não correr o risco de ser interpretada como “alguém que estava ali para exercer um papel fiscalizador” ou “alguém interessado em bisbilhotar a casa alheia”. Já nos primeiros contatos, apresentava-me como uma educadora interessada em exercer algum trabalho de voluntariado nas instituições, no intuito de auxiliá-los nas tarefas educativas.

- O QUE VÍ E VIVENCIEI NAS CASAS DE ACOLHIMENTO.

“O que vemos das cousas são as cousas”.

“O que nós vemos das cousas são as cousas. Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra? Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos Se ver e ouvir são ver e ouvir?

O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar, Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vê Nem ver quando se pensa.

Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender...”

Fernando Pessoa

....Porque cada um tem uma maneira de ver...

“Lembro-me... e a memória é a consciência inserida no tempo”... (Fernando

Pessoa, 2006, p.30.)

Um dos primeiros abrigos que conheci foi o Lar Wallon6, localizado nas proximidades do bairro de Interlagos, na cidade de São Paulo. As primeiras

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informações sobre o referido Lar é que apresentava um “proposta diferenciada”, voltado a atender crianças em situação de risco e era dirigido por uma senhora estrangeira, bastante receptiva.

Após os primeiros contatos com a Sra. Walli, sua administradora, soubemos que este Lar fora fundado por um grupo de amigos e empresários de empresas multinacionais, por volta de 1980. A primeira presidência foi exercida pela Sra. Cramer, que dirigiu, anteriormente, um trabalho por mais de vinte anos junto a moradores de uma favela nas imediações, passando sua experiência para o grupo. A Sra. Walli assumiu em 1990.

Com o passar do tempo, algumas entidades como a Fundação Abrinq, Consulado Alemão, Escola Rudolf Steiner, Clínica Tobias7, Instituto Abrasso (entre outras), foram se associando ao projeto do Lar, que tinha por objetivo, “proporcionar um futuro melhor e mais seguro às crianças abrigadas, através da reintegração a um ambiente familiar”.

De 1990 a 1991 o Lar abrigava doze crianças, encaminhadas da FEBEM e do Conselho Tutelar.

No momento desses contatos (ano de 2003), havia trinta crianças abrigadas, de dois a dezoito anos.

A casa era ampla, de dois andares, comportando cinco quartos com banheiros, algumas salas, que eram utilizadas pela administração, uma pequena biblioteca e espaço para cursos complementares à educação das crianças como: flauta, marcenaria, computação, inglês, capoeira, pintura, atividades lúdicas dirigidas, como parte pedagógica proposta pelo Lar. Havia, também, um amplo refeitório, um outro de menor porte, com terraço e muitas plantas ao redor.

Aproveitando-se o espaço do salão de jogos, foi iniciado um trabalho de Jardim da Infância, o que favoreceu a interação entre as crianças do Lar e as da comunidade. Dez crianças da comunidade próxima passaram a freqüentá-lo, das 8;00 às 12:00h., todas as manhãs. Esta iniciativa propiciou um contato mais próximo com as famílias de origem dessas crianças, expandindo-se a ação social da entidade. Os professores do ‘Jardim’ eram contratados pela Prefeitura local,

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mas o Lar contava mais com a participação de alguns voluntários, estagiários e alguns professores de uma universidade das imediações. Isto porque, “a cada mudança política, havia muita burocracia por parte da prefeitura ou Estado para

suprir as necessidades mais imediatistas e necessárias ao bom funcionamento da

instituição”, segundo o depoimento da dirigente.

Durante um ano e meio, trabalhando uma ou duas vezes por semana, desenvolvi um trabalho pedagógico com as crianças que apresentavam dificuldades na escola. Percebi que entre as crianças e seus familiares de origem, a frequência à escola não era prioridade por múltiplas razões, de caráter social, psicológico, de saúde, etc. Por outro lado, graças ao trabalho em conjunto com uma psicóloga e assistente social da entidade, seis crianças puderam retornar às suas famílias de origem, ainda naquele ano, já contávamos com o apoio extremado da dirigente da instituição. Este trabalho constituiu-se em propiciar melhoria da própria moradia dos pais, organização, apoio alimentar, orientações de higiene e saúde via instituição, além do planejamento de atividades que motivassem o convívio entre pais e filhos. Havia, também, um acompanhamento dos pais em terapias , ora oferecidas no próprio Lar, ora em outros locais, para profissionais da área.

A visão educacional fundamentada na Antroposofia8 de Rudolf Steiner, era bastante significativa e vivida pela Sra. Walli, refletindo-se no seu modo de ser e de interagir com as crianças. Nesse sentido, havia um especial cuidado com as questões alimentares, o convívio com a natureza9 e o cultivo da saúde física e mental.

Esta visão incentivou-a a expandir o currículo pedagógico do Lar, introduzindo outros cursos como: eurritmia10, yoga, terapia artística11, reciclagem

8

A Antroposofia pode ser caracterizada por um método de conhecimento da natureza e do ser humano. Sua aplicabilidade pode ocorrer em praticamente todas as áreas do conhecimento humano. Rudolf Steiner foi o seu criador, que criou também a Pedagogia Waldorf. Esta pedagogia representou uma revolução em matéria de educação, foi aplicada em uma escola na cidade de Waldorf, daí o seu nome.

9 As crianças, duas vezes por mês eram encaminhadas a uma comunidade ou um sítio localizados nas

proximidades de São Paulo, para que pudessem desfrutar de momentos vividos em contato com a natureza. Ali passavam os feriados ou fins de semanas.

10 Eurritmia: terapia baseada em determinados movimentos corporais. 10 Para Rudolf Steiner, a “ eurritmia,

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de móveis, de objetos descartáveis, etc. O curso de culinária e de preparo de alimentos, também, era oferecido. Qualquer pessoa interessada da comunidade podia participar desses cursos. Acompanhei de perto o encaminhamento e organização do material de vários adolescentes ao mundo profissional da Arte da Culinária, pois no dizer de D. Walli, “acreditamos estar formando uma capacidade empresarial que, futuramente, deverá ser uma alternativa de sustento para eles”; dois deles ganharam bolsa de estudos para a França para se especializarem, outros dois tornaram-se auxiliares de cozinha na câmara Municipal de S. Paulo.

O trabalho do Lar Wallon foi várias vezes citado e elogiado pela mídia brasileira12. Em 2000, foi apontado como exemplo, pela televisão alemã, além de ser apresentado na Exposição Mundial de Tecnologia de Hannover (Alemanha). A França, também, se fez presente na história desta instituição: um grupo da televisão e governo francês se empenharam em financiar atividades artísticas das crianças, como um trabalho de incentivo. Este Lar foi escolhido por artistas plásticos como um incentivo à arte junto às crianças.

O abrigo, embora recebesse doações mais ou menos significativas, passava por dificuldades com recursos humanos. A Sra. Walli,já bastante idosa, sentia o peso dos anos para continuar este trabalho.

À convite da Sociedade Antroposófica, da qual fazia parte, acabou por mudar-se de São Paulo com algumas crianças que havia adotado, para uma pequena cidade nas proximidade da Capital, incorporando-se a outras casas-lares que esta sociedade mantém em comunidade e que está aberta à visitação.

Uma outra experiência de trabalho com abrigos foi com o Jardim Encantado que se localiza na região de Mogi das Cruzes.

Neste ambiente, uma nova visão de mundo sobre abrigos desvelou-se. Situado em um espaço de cinquenta alqueires, este Lar foi fundado por um casal

artes, bem como um fator educativo incalculável para a humanidade ainda em desenvolvimento. (...)” é uma nova arte que se introduziu, atuante, na vida cultural da atualidade”. In: O conhecimento Iniciático, Rudolf Steiner, Ed. Antroposófica, 2000 p.15.

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de ingleses13, em 1909. Compraram a propriedade com a finalidade de ali criar um orfanato. No local, havia muitas árvores nativas, frutos e flores, o que deu origem ao seu nome original.

Hoje, atende a um sistema de casa-Lar (4 casas) com a capacidade para trinta a quarenta e cinco crianças/adolescentes, encaminhados pela Vara da Infância e Juventude; o Projeto Degrau14; o Núcleo de Desenvolvimento Infantil – NUDI - que é uma creche e pré-escola. Neste, são atendidas cento e setenta crianças oriundas de famílias de baixa renda que recebem, além de ensino específico, alimentação, atendimentos médicos, odontológicos e psicológicos. Os

pequenos permanecem no ambiente nos períodos da manhã e da tarde. Meu interesse centrou-se nas casas-lares. Os “pais sociais”15 atendem as

crianças além de seus filhos biológicos. As crianças ficam sob a guarda da mulher (o marido tem vínculos empregatícios fora da Instituição) e ali são encaminhadas pela Vara da Infância e da Juventude ou pelo Conselho Tutelar. O objetivo é, justamente, proporcionar às crianças uma situação semelhante à convivência de “família social”.

Permaneci na instituição durante dois anos consecutivos16 em voluntariado,

realizando um trabalho pedagógico com as crianças e adolescentes. Participamos, também, da elaboração de projetos financiados por empresas da região, que visavam à promoção social das famílias de origem das crianças e benfeitorias à instituição de uma maneira geral. Esse Lar incluiu-se, também, entre outros, ao ‘Projeto Abrigar”.

Mas as dificuldades eram muitas. Do Estado, recebiam auxílio simbólico - quando recebiam-, tanto na contratação de funcionários para o funcionamento e organização da creche, como para cobrir as despesas de suas necessidades

13 Em 1945, por estarem em idade avançada, o casal doou o patrimônio a uma instituição internacional com

sede na Inglaterra,de caráter filantrópico e religioso, possui outras unidades de atendimento assistencial em diversos estados brasileiros e em outros países.

14

Curso profissionalizante de marcenaria e restauro, oferecido aos adolescentes de 13 a 17 anos, com certificado do SENAI.

15 “Pais sociais”, “famílias sociais”, termos utilizados por eles para definir o grupo doméstico constituído

pelos “adultos cuidadores”, crianças e adolescentes.

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básicas. Embora a instituição pertença a uma cadeia internacional, cada unidade tem como norma manter-se financeiramente.

As casas-lares são constituídas de varanda, sala com dois ambientes, e cozinha ampla, com uma mesa bem grande, para que todos tomem as refeições. Da sala de jantar, um corredor dá acesso a dois amplos quartos - um deles é para as meninas, outro, para os meninos -, contendo alguns beliches, além de um banheiro; no fundo, um quarto menor para o casal. Todos os cômodos são bem arejados e ensolarados, embora simples e necessitando certos reparos.

Há uma certa disciplina e organização nas “famílias sociais” em seu convívio cotidiano. Os serviços domésticos são compartilhados, embora as crianças não sejam rigorosamente cobradas para isto; cabe aos mais velhos colaborarem no cumprimento de certas tarefas cotidianas em sistema de “revezamento”: lavar louças, passar e lavar roupas, arrumar a casa, arrumar as camas e objetos das crianças menores, acompanharem os pequeninos ao seu destino escolar. Cada uma das crianças é responsável por seu material de escola, assim como por seus objetos pessoais. Em ocasiões festivas, a participação de alguns pais de origem e da comunidade nos cultos religiosos era complementada pela apresentação do coral ou de alguma peça de teatro encenada pelas crianças.

Parte das crianças vai para a escola no período da manhã, outra, vai à tarde. Os ‘pais’ trabalham nas imediações da região, para ajudar no orçamento; as mães dedicam-se ao lar e aos cuidados com as crianças. Recebem da instituição a moradia além de salário. Duas delas já trabalharam em escola pública da região.

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Marquei algumas entrevistas com as ‘mães sociais’ e logo de imediato a constatação, pelos seus depoimentos, que não sabiam o que fazer quanto ao desempenho escolar das crianças. Recebiam queixas dos professores; muitas das crianças adolescentes não estavam, inclusive, frequentando aulas, além de outras queixas com relação a questões pedagógicas. Reconheciam não estarem aptas a prestar auxílio às crianças nas questões pedagógicas, como também à resolução de problemas comportamentais ou inadaptação escolar. Propus-me, então, a verificar como poderia auxiliá-las.

Nas escolas que as crianças frequentavam, constatei as atitudes discriminadoras de certos professores, “porque são crianças/adolescentes advindas de abrigos”, “mal comportadas!..., “delinquentes”....

Na ocasião, estava administrando aulas no curso de pós-graduação em Psicopedagogia na Universidade Brás Cubas em Mogi das Cruzes. Levei esses fatos descritos às alunas do curso, houve algumas que se interessaram em prestar serviços a essas crianças: seria uma dupla oportunidade de exercerem a prática de atendimento pedagógico e psicopedagógico e de estarem cumprindo a carga horária dos estágios, atividades necessárias ao cumprimento da grade curricular do referido curso. Estas atividades culminaram na construção de projetos científicos de conclusão de curso.

Tal trabalho pedagógico transcorreu durante os anos de 2005 e 2006, após a realização dos devidos trâmites legais junto à coordenação da Universidade, Para algumas alunas do Pós, a informática foi um dos meios utilizados como instrumento metodológico junto às crianças com dificuldades de aprendizagem; verificamos ser o computador17 um recurso auxiliar e facilitador para a superação de muitos problemas.

A partir de abril de 2006, contei, também, com a colaboração de uma fonoaudióloga. Muitas das dificuldades das crianças foram vencidas, não só de ordem pedagógica como também, psicomotora, de atenção, de dicção,etc. As crianças, sentindo-se mais seguras, voltaram a frequentar e participar das aulas

17 Uma de nossas alunas/estagiárias é programadora de informática, dando-nos suporte técnico especializado

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mais ativamente, na medida em que puderam compartilhar conosco as dificuldades, ‘juntas’, em busca de ‘saídas”.

Algumas das ex-alunas estão dando continuidade a este trabalho, desenvolvendo projetos pedagógicos e psicopedagógicos, tendo a informática como instrumento auxiliar. Sem contar também, que conseguimos envolver outros programas da própria UBC: hoje as crianças do Lar recebem tratamento oftálmico e dentário gratuito, pois ali foram montados pequenos consultórios subsidiados pela Universidade e alunos, para atender não só as crianças/adolescentes do Lar como da creche. Ali, de uma a duas vezes por semana, as crianças são atendidas por profissionais/professores destas áreas citadas, com seus respectivos estagiários.

Dois abrigos, dois mundos, duas filosofias de vida, mas ambos tinham uma característica em comum: o veio religioso. Seus dirigentes procuravam incentivar as crianças aos preceitos da fé. Este último abrigo, por exemplo, motivava-as a participarem do ‘coral’, ou do teatro com apresentação garantida nos cultos religiosos dos finais de semana.

Dessas experiências vividas no interior das casas-lares, verifiquei que o cotidiano é permeado por acontecimentos, sentimentos, histórias de vida, desejos, solicitações, que fazem com que as pessoas, que ali convivem, lidem com sensações e experiências ora agradáveis ou não, que interferem e modificam suas histórias de vida, o seu pensar e agir. Verifiquei, também, que as relações não são unicamente formais e lineares, mas o que ocorre é um interrelacionamento de vivências, sentimentos, paixões, ideias, ideologias.

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sempre respeitando a individualidade dos mesmos, em face da complexidade e princípios da instituição responsável pelas crianças.

Dessas experiências, difíceis em muitas ocasiões, verifiquei a importância da presença não apenas de voluntários, como também de profissionais externos que mantêm vínculos esporádicos com o abrigo, no sentido de apontarem os aspectos que o envolvimento com a rotina nem sempre permite enxergar e realizar.

No final de 2006, desvinculei-me da UBC e, conseqüentemente, do Jardim Encantado, centrando-me em uma outra instituição, que já mantinha vínculos de ensino no curso de Pedagogia há mais de oito anos, na grande São Paulo. Algumas das alunas interessaram-se em realizar estágios e desenvolver pesquisas em parceria com as alunas do Serviço Social em algumas instituições de abrigos; e, dessa forma, eu vim a saber sobre a Casa Lar das Palmeiras, alvo de novos estudos e pesquisas.

Essa instituição serviu, também, de local de pesquisa de uma das professoras da referida faculdade que, recentemente, defendeu uma tese de doutorado no Programa de Serviço Social da PUCSP. Tais fatos propiciaram um melhor acolhimento por parte dos gestores do abrigo à intenção da autora desse trabalho em dar continuidade aos meus estudos e pesquisas.

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socialização, da mesma forma que da sociedade se espera o apoio aos responsáveis por sua importante função.

A finalidade deste trabalho é, portanto, verificar como os adultos cuidadores compreendem suas práticas sócio-educativas, no convívio com crianças e

adolescentes em abrigos.

Para compreender algo, precisamos sempre partir de um questionamento. Como a minha proposta é de sistematizar um trabalho referente a abrigos, a primeira questão formulada é: o que é abrigo? Como se constituiu em nossa sociedade?

Para responder a estas questões, não basta simplesmente ‘adentrar’ na instituição. Como conheci algumas entidades de acolhimento, constatei, por mim mesma, que cada uma delas tem estruturas e características distintas, com diferentes valores, culturas, modos de organização, necessidades e atendimento estrutural e relacional.

Para mim, adentrar no convívio de Casas-Lares, representou experienciar um fenômeno diferente do vivido em minha própria realidade existencial e profissional. É um momento que demanda atenção e percepção por sua complexidade; afinal, trata-se de se olhar para o mundo do outro, para outras experiências de vida e de organização familiar, outros valores e expectativas diferentes, enfim; olhar para pessoas que têm outras formas de entender e ver o mundo. Cuidados essenciais são necessários para não se correr o risco de não perceber o essencial.

Assim, assumindo esse desafio de falar sobre o modo de vida dos adultos cuidadores no interior de abrigos, sob meu olhar e compreensão, organizei o trabalho em quatro capítulos:

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Mas, pesquisar em que sentido: da História?DaHistoricidadeHumana? Da Historiografia?

Bello (2004, p. 146) nos esclarece de uma forma bastante didática, a diferença entre História e Historiografia. “A História é um conjunto de eventos que caracteriza a humanidade, um povo”. Existem acontecimentos; é a História, portanto, a dimensão desses acontecimentos, das coisas que acontecem, inclusive na nossa vida pessoal.

Por diversos momentos em sua história de vida, a pesquisadora conviveu no interior de abrigos. Mas, conhecer e compreender sua estrutura contextual atual exigiu um olhar mais profundo e seletivo dos fatos que caracterizaram a história do abrigo como um todo, na sequência do tempo, associando-os, comparando-os, interpretando-os, subjetivamente.

Historiografia é a descrição ou narração dos acontecimentos. “Historiografia quer dizer: “Eu escrevo” (grafia = escrita) o que é a História” (Bello, p.146).

Consultar a historiografia do abrigo me possibilitou adentrar na descrição e narrativa que diversos autores realizaram sobre o tema, em diversos períodos de tempo. Nesta etapa do trabalho, foram consultados autores como: Venâncio, Renato P. (1999); Chambouleyron, Rafael, (2006); Priori, Mary Del (2006); Marcílio, M. Luiza (2006); Fávero, Eunice T. ( 1999 e 2009); Baptista, Myriam Veras, (2004 e 2009) e outros.

Esse momento praticamente caracterizou-se como o primeiro momento de estudos e investigações bibliográficas, que me possibilitou a organização e construção de registros próprios; momento que mais se caracterizou por uma “re -construção” da historicidade do fenômeno, sob meu olhar e compreensão.

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