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4.11 – O ABRIGO E OS IMPEDIMENTOS À CONVIVÊNCIA FAMILIAR Não é apenas o “caso” Anita que dificulta a adoção Continuando a

A Vida em Abrigo: um estudo sobre práticas sócio-educativas entre educadores e crianças abrigadas

4.11 – O ABRIGO E OS IMPEDIMENTOS À CONVIVÊNCIA FAMILIAR Não é apenas o “caso” Anita que dificulta a adoção Continuando a

descrever as características das crianças que estão sob seus cuidados, D. Alice faz um relato dos três irmãos que ali residem há mais de dois anos: Camila, Dalva e Luiz .

“A Camila tem doze anos. A Camila tem uma deficiência, teve uma paralisia com dois ou três meses de vida. Ela tem essa deficiência no pé, pisa na pontinha do pé, com isso, vejo que ela tem bastante complexo disso, entendeu? Ela se segura bastante. Então, ela se afasta, principalmente quando ela se vê num ambiente novo, mas aos poucos ela vai se soltando. Ela é uma boa menina, fácil de lidar, é meiga, amorosa comigo, com os menorzinhos”.

Mas Dalva é diferente, difícil de se lidar, de ser trabalhada, segundo os conceitos da entrevistada. Tem onze anos, e apresenta sérios problemas de aprendizagem de leitura e escrita, “fala tudo errado, entende tudo errado79”, mas em função da irmã “ter defeito”, ela se acha ‘perfeita e muito bonita.

Luiz, irmão das meninas, vai fazer nove anos. É também uma criança revoltada, agitada e,

“principalmente com a Dalva, eles se pegam, se batem, vinte e quatro horas por dia!. Eles vão comer, estão se batendo, se ela fala alguma coisa ele manda ela calar a boca, chama ela de ‘nomes incríveis! Não sei se ele vê a mãe na irmã...(pausa). Essas últimas palavras ficaram soltas no ar; não fui capaz de tecer qualquer questionamento a respeito. Após alguns instantes ela continuou:

“Eles ficaram mais de um ano sem ver a mãe, se adaptaram no abrigo, estava uma bênção. Depois a mãe começou a vir, começou a piorar a situação deles. A agressividade aumentou muito. Ela é agressiva com eles, ameaça bater neles. Falei para eles que a mãe não vem mais, a situação começou a melhorar. Eles não querem de jeito nenhum a mãe. Daí, a gente pediu para o juiz cortar essa visita porque estava fazendo mal para as crianças”.

Foi possível identificar certo ‘ocultamento’ sobre os motivos do acolhimento das crianças na instituição, desvelando-se, porém, a disposição da cuidadora em protegê-las no contexto do acolhimento institucional. Porém, com a voz quase que emsussurro ela completou, depois de alguns instantes de silêncio:

“Inclusive eles sofreram abusos desde os dois aninhos. Todos os três, do pai, dos tios, dos enteados, com conivência da própria mãe!”

A dificuldade de envolvimento das crianças com a família biológica é significativa nesse depoimento. A ‘medida de proteção’ da cuidadora intervém à violação dos direitos das crianças ocorrido em sua própria família de origem. Neste ‘marco situacional’ o princípio da brevidade da medida do abrigo (estabelecido pelo ECA no Art. 101, § único e aperfeiçoada na nova Lei 12.010, §1) acaba por se tornar um desafio, essencialmente por dois motivos: as crianças vivem na instituição por mais de dois anos, além de serem irmãos.

Segundo o Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes da Rede de Serviços de Ação Continuada (Rede SAC), - pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2003 - mais da metade das crianças e adolescentes abrigados no Brasil vivem nas instituições de acolhimento por mais de dois anos. Inclui-se aqui o “caso” Anita”, abrigada a onze anos. Quanto aos irmãos, “o rompimento definitivo dos vínculos fraternais devem ser evitados”, como lhes garante a Lei ( ECA e a Lei 12.010,Art. 28, parágrafo 4º), no caso de os mesmos serem encaminhados para a adoção. O problema passa a ser, então, de encontrar alguma família substituta que se disponha a adotar três crianças, ou melhor, três adolescentes.

Se a Lei garante, a ‘pobreza de políticas públicas’ ( palavras do Sr. Nelson por ocasião de nossa entrevista) nos conduz a um mar de incertezas, por ‘falhas ou inexistência de políticas de apoio familiar80, apesar do Centro de Referência Especializado de Assistência Social -CREAS(Ver glossário).

80 Questão amplamente discutida no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças

Do primeiro momento de minha presença na instituição somado aos últimos depoimentos, fizeram com que eu admirasse a força desta mulher, que em meio a esses conflitos, conseguia passar certa tranqüilidade em seus modos de falar e agir; e, de certa forma, justificando a atitude das crianças numa situação de “causa e efeito”:

“E o pior é que na cabeça deles, eles acabam achando que pai e mãe podem fazer essas coisas. Na cabeça deles, isso não foi maldade; mas, ao mesmo tempo eles acham que não, que eles são gente ruim, então dá um nó mesmo, na cabeça deles. Daí serem tanto agressivos. Talvez tal situação acabe por estimular outras. Olha, que coisa impressionante! - Não é à toa que são crianças agressivas!”

Para a educadora, as práticas abusivas, atitudes violentas dos pais biológicos em relação aos filhos, seria o determinante da agressividade existente entre os irmãos.

Tal ‘modo de pensar’ da entrevistada vem confirmar uma das constatações a que chegaram Cecconello (2003), e Szymanski (2006), no desenrolar de suas pesquisas: a existência de ciclo da violência. As autoras apontam que o determinante mais significativo para a prática abusiva é que pais severos e violentos já vivenciaram punição quando crianças (Ver Capítulo 2, pp. 105 e 106). Szymanski (2006) aponta também que crenças, dificuldades advindas de condições de vida cotidiana, justificativas, servem para legitimar condutas violentas e se transformar em fator de risco para a criança. Há aqueles pais que chegam a responsabilizar o próprio filho por seus atos violentos.

Ambas as autoras concordam que o “ciclo da violência” pode ser rompido pela existência de fatores mediadores como a rede de apoio familiar e social, a manutenção de relacionamentos amorosos e estáveis que venham a fornecer apoio e bem-estar emocional aos seus componentes, a presença da coesão no compartilhamento de atividades e do diálogo, além de outras situações.

4. 12 – A MÍDIA: DA “VULNERABILIDADE ” DA FAMÍLIA DE ORIGEM À