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ATORES E INTERAÇÕES: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA AÇÃO COLETIVA NO CARIRI PARAIBANO E EM MANDACARU

QUADRO 3-7: NOVOS ATORES COLETIVOS NO SEMIÁRIDO PARAIBANO

3.2.2 A ação coletiva através da Rede ASA: P1MC e P1+

As políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento do Nordeste Semiárido são aplicadas pelas entidades da Articulação do Semiárido brasileiro (ASA-Brasil), nas comunidades rurais, mediante uma intervenção que possibilita o uso, o manejo e a gestão de bens através da articulação de mecanismos de ação coletiva. Assim, a experiência da ASA, rede que envolve mais de 1.000 instituições brasileiras – associações comunitárias, sindicatos, paróquias, organizações não-governamentais (ONGs), reúne tecnologias sociais e apropriadas à convivência com a região semiárida que permitem aos camponeses o melhor uso de seus recursos socioambientais.

A ASA-Brasil foi criada em 1999 a partir da experiência organizativa existente na Paraíba e Estados vizinhos: Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia e Alagoas, convertendo-se numa articulação em forma de rede a nível nacional entre diversas entidades que, através de ligações políticas e ideológicas definidas, trocam elementos, experiência e ações entre si, fortalecendo-se reciprocamente. A base de sua constituição foi a “Declaração do Semiárido”57

, documento apresentado, nesse mesmo ano, na 3ª Conferência das Partes da Convenção de Combate à

Desertificação e à Seca (COP358

), que busca sintetizar e unificar as percepções e

entendimentos das organizações e movimentos sociais diversos em torno de um ponto central: o semiárido e a convivência nesse espaço geográfico e social (DINIZ, 2007).

A ASA foi criada em julho de 1999, durante a 3a Conferência das Partes da Convenção de Combate à Desertificação e à Seca - COP3, em Recife. Na ocasião, a sociedade civil organizada e atuante na região do semi- árido brasileiro, reproduzindo a experiência da RIO-92, promoveu o Fórum Paralelo da Sociedade Civil. A ASA teve um papel decisivo na coordenação desse processo, vindo a consolidar-se como espaço de articulação política da sociedade civil em fevereiro de 2000. A base de sua constituição é a Declaração do Semiárido, documento que sintetiza as percepções dos grupos participantes da ASA em torno da região59.

Conservada a autonomia dos Estados e das entidades parceiras, estas devem orientar-se por princípios comuns construídos a partir da “Declaração do

57

Veja o anexo 01. 58

A 1ª Conferência das Partes da Convenção de Combate à Desertificação aconteceu em setembro de 1997, em Roma, Itália; e a 2ª Conferência, em novembro de 1998, em Dacar no Senegal.

59

Semiárido” e de uma “Carta de Princípios” redigida e publicada no ano de 2000 na

ocasião do Primeiro Encontro Nacional da ASA (I EnconASA).

Os trabalhos realizados no semiárido pelas organizações da sociedade civil começam a ganhar visibilidade nos últimos anos a partir da articulação delas em torno da ASA. As estratégias de intervenção dessas organizações são coerentes com a perspectiva do desenvolvimento sustentável da região, priorizando o apoio à agricultura familiar na perspectiva de construção de uma convivência equilibrada com a realidade da região, e a autonomia das organizações a ela filiadas, como descrito em sua Carta de Princípios (GALINDO, 2008, p.39).

Nestes dois documentos estão contidas as orientações da Articulação, no que se refere à construção de uma política desejada para o desenvolvimento do semiárido e, no que tange aos deveres das entidades parceiras para garantir a constituição de tal política.

Segundo a “Carta de Princípios”: são membros ou parceiros da ASA Brasil todas as entidades ou organizações da sociedade civil que aderem à "Declaração do

Semiárido" e a “Carta de Princípios”:

1. A Articulação no Semiárido (ASA) é o espaço de articulação política regional da sociedade civil organizada, no Semiárido brasileiro;

2. A ASA é apartidária e sem personalidade jurídica, e rege-se por mandato próprio; respeita totalmente a individualidade e identidade de seus membros e estimula o fortalecimento ou surgimento de outras redes de nível estadual, local ou temático, adotando o princípio de liderança compartilhada;

3. A ASA se fundamenta no compromisso com as necessidades, potencialidades e interesses das populações locais, em especial os agricultores e agricultoras familiares, baseado em: a) a conservação, uso sustentável e recomposição ambiental dos recursos naturais do Semiárido; b) a quebra do monopólio de acesso a terra, água e outros meios de produção - de forma que esses elementos, juntos, promovam o desenvolvimento humano sustentável do Semiárido;

4. A ASA busca contribuir para a implementação de ações integradas para o semiárido, fortalecendo inserções de natureza política, técnica e organizacional das entidades que atuam nos níveis locais; apóia a difusão de métodos, técnicas e procedimentos que contribuam para a convivência com o Semiárido;

5. A ASA se propõe a sensibilizar a sociedade civil, os formadores de opinião e os decisores políticos para uma ação articulada em prol do desenvolvimento sustentável, dando visibilidade às potencialidades do Semiárido;

6. A ASA busca contribuir para a formulação de políticas estruturadoras para o desenvolvimento do Semiárido, bem como monitorar a execução das políticas públicas;

7. A ASA se propõe a influenciar os processos decisórios das COPs - Conferências das Partes da Convenção de Combate à Desertificação, das Nações Unidas, para fortalecer a implementação das propostas da Sociedade Civil para o Semiárido, e busca articular-se aos outros Fóruns Internacionais de luta contra desertificação60

.

A maior ação coletiva da ASA-Brasil é sem dúvida o “Programa de Formação

e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido”, também conhecido como

“Programa Um Milhão de Cisternas” (P1MC). De acordo com a ASA, são princípios do Programa: Gestão compartilhada (a concepção, execução e gestão são da sociedade civil organizada na ASA); parceria (com governos, empresas, ONG’s, etc., para sua execução, a partir de critérios pré-estabelecidos); descentralização e

participação (a execução é feita através de uma articulação em rede); mobilização social (sua natureza é construída na mobilização social e no fortalecimento

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Carta de Princípios. Disponível em: <http://www.asabrasil.org.br/>. Acesso em 10 de junho de

institucional para a convivência com o semiárido brasileiro); educação-cidadã (situando criticamente a realidade histórico-cultural e visando a convivência com o semiárido); direito social (afirmação dos direitos da população de acesso e gestão dos recursos hídricos); desenvolvimento sustentável (afirmação da viabilidade do semiárido, desmistificando a fatalidade da seca); fortalecimento social (uma ferramenta de fortalecimento e consolidação dos movimentos sociais); e

emancipação (construção de uma nova cultura política, rompendo com a dominação

secular das elites sobre o povo, a partir do controle da água), conforme texto do P1MC (ASA Brasil, 1999, p. 10).

Para administrar o P1MC, a ASA-Brasil criou uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), ou seja, uma organização cuja natureza jurídica e institucional dá-lhe condições para formular e administrar políticas públicas com verbas estatais. Além da parceria de toda rede que compunha a Articulação para execução do P1MC e do Estado, a Articulação passa a contar, efetivamente com a colaboração do setor privado por intermédio da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN). Para Diniz (2007, p. 46):

O próprio setor privado, representado pela Febraban, quando decidiu por apoiar o P1MC (por dentro do Programa Fome Zero), o fez porque “entendeu” que ele era um programa de transformação social, tendo como princípio de base tanto a transparência, como o modelo de gestão dos recursos financeiros.

Sendo assim, o P1MC passa a ser um importante instrumento de atuação pública nas mãos dos movimentos sociais rurais e de ONG’s que já atuavam no semiárido. Após várias etapas de experimentações e ajustes o P1MC consolidou-se e tornou-se política pública. Diante dos resultados alcançados pelo Programa, a ASA sugeriu outra experiência: o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), ou seja, o manejo cuidadoso da terra e a discussão da questão agrária de um lado, um largo leque de pequenas tecnologias baratas para armazenar água para produzir e alimentar os animais.

O Programa Um Milhão de Cisternas e o Programa Uma Terra e Duas Águas possibilitaram a consolidação de um processo educativo e participativo das famílias camponesas envolvidas. Segundo Diniz (2007), sua implementação produziu uma espécie de efeito sistêmico, impulsionando outras atividades produtivas e estimulando dinâmicas sociais a desenvolver as potencialidades do semiárido,

criando progressivamente uma consciência política em torno da convivência com a Região.

Além do P1MC e do P1+2, a ASA-Brasil, por intermédio das ASA’s estaduais, atua fortemente nas comunidades rurais a partir da implementação de experiências que possibilitem à convivência com o semiárido.

A convivência com as condições do semiárido brasileiro e, em particular, com as secas é possível. É o que as experiências pioneiras que lançamos há mais de dez anos permitem afirmar hoje. No Sertão pernambucano do Araripe, no Agreste paraibano, no Cariri cearense ou no Seridó potiguar; em Palmeira dos Índios (AL), Araci (BA), Tauá (CE), Mirandiba (PE) ou Mossoró (RN), em muitas outras regiões e municípios, aprendemos: que a caatinga e os demais ecossistemas do semiárido – sua flora, fauna, paisagens, pinturas rupestres, céus deslumbrantes – formam um ambiente único no mundo e representam potenciais extremamente promissores; que homens e mulheres, adultos e jovens podem muito bem tomar seu destino em mãos, abalando as estruturas tradicionais de dominação política, hídrica e agrária; que toda família pode, sem grande custo, dispor de água limpa para beber e cozinhar e, também, com um mínimo de assistência técnica e crédito, viver dignamente, plantando, criando cabras, abelhas e galinhas; enfim, que o semiárido é perfeitamente viável quando existe vontade individual, coletiva e política nesse sentido (ASA-BRASIL, 2010)61.

A intervenção técnica e metodológica das entidades e organizações da ASA- Brasil, junto às comunidades, pode ser entendida como tecnologia social. Trata-se de um programa que reúne técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas de forma interativa com a comunidade e que represente efetivas soluções de transformação social. O propósito é estimular a adoção dessas tecnologias sociais como políticas públicas a serem aplicadas diretamente nas comunidades rurais.

Assim, a ASA-Brasil atua em quatro campos:

1. Realização de experiências visando à convivência com o semiárido. A nível tecnológico, essas experiências vão desde diversos tipos de manejo de recursos hídricos até experiências de agroecologia, passando por formas inovadoras de criação animal. Mas as experiências organizativas não são menos importantes;

2. Análise crítica da política governamental para o semiárido, em reuniões, encontros e congressos.

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Declaração do Semiárido. Disponível em: <http://www.asabrasil.org.br/>. Acesso em 14 de junho de 2010.

3. Propostas diferenciadas de uma nova política governamental de desenvolvimento a partir das referências criadas por essas experiências.

A Articulação do Semiárido Brasileiro busca criar um ambiente de diálogo onde o Estado seja mais um ator que discute com os atores locais, possibilitando a participação efetiva destes como sujeitos-objetos a serem beneficiados pelas políticas (camponeses e suas organizações). O objetivo é de ir quebrando os laços de dependência tradicionalmente estabelecidos. Portanto, a ASA-Brasil, por meio de programas visando à convivência com o semiárido, pode ser considerada um desses atores coletivos que têm dado um grande passo para se pensar a igualdade e a justiça social nesse mundo globalizado, ao mesmo tempo em que têm construído identidades articuladas na perspectiva de um desenvolvimento regional de luta contra a pobreza e pela justiça social (OLIVEIRA e DUQUE, 2010).

Como já foi frisado, o contexto específico de cada Estado é valorizado e preservado, conservando suas peculiaridades e realidades sociais, políticas, culturais e ambientais. Nessa dinâmica, os Estados são entendidos como unidades da ASA-Brasil.

É no encontro nacional da ASA-Brasil (EnconASA), espaço político mais importante da Articulação, que são feitas as discussões e avaliações das políticas públicas voltadas para o Semiárido, bem como o fortalecimento das experiências de convivência com a região. Além disso, o encontro nacional é um momento de intercâmbio de cultura, valores e conhecimentos entre aqueles que buscam, em conjunto, construir um Semiárido mais próspero, onde o acesso à água e a terra seja apenas o primeiro passo para uma vida digna na região.

Além dos encontros nacionais anuais, são realizados encontros estaduais e microrregionais. Estes encontros são significativos na construção de processos políticos e educativos. Eles constituem um ambiente político e dialógico em que as experiências políticas, sociais e tecnológicas são apresentadas, socializadas e discutidas. É nos encontros que as grandes orientações são tomadas.

No entanto, como foi exposto anteriormente, é no âmbito da comunidade rural que se concretizam as ações de convivência com o semiárido, buscando a

autonomia política e econômica das famílias. Em alguns Estados, como na Paraíba, os FRS financiam a maioria dessas iniciativas técnicas, constituindo um sistema de gestão coletiva dos recursos que, à medida que estão sendo devolvidos, voltam para a própria comunidade.

A Articulação do Semiárido Brasileiro surgiu da organização em rede de vários Estados e diversas entidades que interagem de forma política, social e ambiental com a região Semiárida do Brasil. É possível afirmar que, a experiência organizacional da ASA-Brasil está diretamente relacionada ao processo institucional de constituição da ASA-Paraíba. A articulação das entidades paraibanas serviu de modelo e inspiração para a criação da rede ASA a nível nacional.

A ASA do Estado da Paraíba foi instituída em 199362, como um Fórum de debates e práticas de convivência com o semiárido. Foi numa reunião realizada no

Centro Diocesano do Tambor, em Campina Grande, que entidades paraibanas, de

várias origens, resolveram criar um Fórum que congregasse o debate e a articulação das ações que vinham desenvolvendo a mais ou menos uma década em todo Estado.

A Articulação do Semiárido Paraibano (ASA-Paraíba) se constitui na interdependência dos processos, experiências e atores sociais. Reúne agricultores e agricultoras familiares - e suas organizações específicas: associações comunitárias, sindicatos de trabalhadores rurais, associação de assentados, grupos eclesiais, mulheres, jovens, bancos comunitários de sementes, grupos de fundos rotativos solidários, entre outras; organizações não governamentais (ONG’s) e eclesiais: pastorais sociais, paróquias e organismos diocesanos (RAMOS, 2009, p. 12).

As ações desenvolvidas pelas entidades que compunham a ASA-Paraíba tinham, a princípio, como foco, o combate à seca, à fome e ao assistencialismo historicamente estabelecido no Nordeste brasileiro. Bem como, as críticas à ineficácia da ação das políticas públicas propostas e aplicadas pelo Governo Federal na região semiárida. Mais tarde, esse trabalho foi convertido numa densa rede de ação coletiva em função da convivência com o semiárido.

Nosso trabalho é fruto de uma ação coletiva que, no nosso entendimento, foi inicialmente de “resistência” e de luta. Organizamo-nos em um fórum que reúne as nossas práticas cotidianas e nos representa coletivamente

(Membro do PROPAC, entidade parceira da ASA Paraíba).

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A criação da ASA, na Paraíba, demonstra a consolidação das práticas que vínhamos desenvolvendo em alguns anos. Não foi difícil reunir tantas entidades, pois na verdade, essas entidades já trabalhavam em parceria. A ASA veio como uma consequência do trabalho coletivo de combate à seca e às injustiças sociais ocorridas na região (Membro do PATAC, entidade

parceira da ASA Paraíba).

É a partir da intervenção da Articulação do Semiárido paraibano que, no Estado da Paraíba, a convivência com o semiárido deixa de ser apenas uma proposta discursiva, passando a ser uma realidade construída de forma complexa e dialética através da ação conjunta das entidades parceiras e dos camponeses (OLIVEIRA, 2006; DINIZ, 2007; RAMOS, 2009). A articulação em forma de rede social garantiu o desenvolvimento de estratégia políticas convertidas em práticas solidárias de convivência com o semiárido.

O Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido” ou Programa Um Milhão de Cisternas atingiu fortemente as ações realizadas pela entidade e organizações da ASA na Paraíba. Por um lado, potencializou a organização administrativa da mesma, garantido um fluxo continuo de ações de formação e mobilização social e por outro, limitou o trabalho realizado através dos Fundos Rotativos Solidários.

Para a realização do P1MC a ASA-Brasil construiu uma cartilha contendo todo o planejamento e fases do programa. Uma das atitudes administrativas, adotadas em 2003, foi criar Unidades Gestoras Microrregionais para administrar o programa nas comunidades rurais.

FIGURA 3-5: Estrutura organizacional da ASA Paraíba para o P1MC

Fonte: Confeccionado pela autora.

As exigências do P1MC no cumprimento destes critérios limitaram a ação das entidades e das comunidades que, anteriormente, eram responsáveis por todo o processo decisório. A burocratização dos trabalhos das UGM’s trouxe consigo alguns aspectos positivos e outros negativos; o monitoramento das famílias foi facilitado, a prestação de contas ficou clara e rápida e a acessibilidade dos dados através da internet foi democratizada, porém o cumprimento de todas as metas, critérios e exigências do P1MC atropelou o amadurecimento do processo de educação e mobilização das famílias. Além do mais, a relativa autonomia das comunidades foi prejudicada pela rígida mediação das UGM’s, exigência dos convênios firmados (OLIVEIRA, 2006).

Os FRS sofreram o impacto das exigências do P1MC. A administração burocrática do programa exige que as cisternas fossem construídas com agilidade, para que as metas do projeto sejam cumpridas, atropelando os processos sócioeducativos necessários à informação das famílias e adequação dos fundos à realidade das comunidades. Além do mais, o uso de recursos vindo de um programa social do Governo Federal gerou um

ASA-Paraíba P1MC ASA-Brasil COORDENAÇÃO EXECUTIVA UGM - STR APARECIDA UGM PATAC UGM PROPAC UGM AS-PTA UGM CAAASP UGM-STR SOLEDADE UGM CAMEC UGM CARITAS GUARABIRA

profundo questionamento e debate a respeito do caráter legal da utilização de verbas públicas, a fundo perdido, para a criação de fundos rotativos que sugerem a devolução do valor recebido por cada família para que outras sejam contempladas com o mesmo benefício (OLIVEIRA, 2006, p. 38).

Em 2005 houve uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), com o objetivo de checar a legalidade do uso das verbas do P1MC que estavam alimentando os FRS. Muita polêmica foi levantada, inclusive ameaçando proibir o funcionamento dos FRS. Em contrapartida, a ASA-Paraíba contratou uma assessoria jurídica que chegou à conclusão que não havia ilegalidade. O argumento principal é o de que, embora o recurso financeiro do P1MC seja destinado à construção de cisternas a fundo perdido, são as comunidades que decidem criar os FRS para que a ação seja ampliada e contemple o maior número de famílias possíveis. No entanto, a prática de multiplicar as cisternas do P1MC através dos FRS foi terminantemente proibida pela administração do P1MC.

O maior temor da ASA-Paraíba era que a doação das cisternas do P1MC, a fundo perdido, desencadeasse um processo contrário ao que havia sendo construído há mais o menos uma década pelos camponeses, entidades e Coletivos Regionais. No entanto, o trabalho de mobilização social realizado antes do programa tinha raízes fortes e bem fincadas na ação coletiva construída dentro das comunidades.

Hoje, em muitas comunidades rurais da Paraíba, o sistema de Fundos Rotativos Solidários deixou de ser uma ação coletiva proposta por mediadores para se tornar em ação coletiva dos próprios camponeses. É no espaço comunitário que os FRS se perpetuaram e ganharam novo vigor, sendo redirecionados para outras iniciativas comunitárias ou para o fomento de outras inovações tecnológicas. Em alguns casos, como o de Mandacaru que veremos adiante, projetos de outras instituições, que não fazem parte da ASA, doados a fundo perdido, foram transformados pelos camponeses em fundo rotativo.

A lógica desse tipo de ação coletiva é clara: diante de situações de escassez é mais proveitoso para o grupo quando, ao invés de agir individualmente, todos se reúnem e agem cooperativamente. Os FRS constituem o tipo de sistema que se apóia nas regras e laços sociais comumente encontrados em comunidades rurais. Pois, eles, para funcionar, precisam da articulação da solidariedade “intergrupal”,

das regras de reciprocidade, da confiança e da reputação individual construída a partir do tipo de relações sociais estabelecidas entre os membros do grupo (OSTROM, 1990).

3.3 A AÇÃO COLETIVA NA COMUNIDADE MANDACARU: A gestão e o manejo