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ATORES E INTERAÇÕES: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA AÇÃO COLETIVA NO CARIRI PARAIBANO E EM MANDACARU

QUADRO 3-1 – SEMIÁRIDO BRASILEIRO

Segundo dados oficiais do Ministério da Integração o Semiárido brasileiro se estende por 975 mil quilômetros quadrados e compreende 1.133 municípios de 9 estados do Nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe e o norte de dois estados do Sudeste: Espírito Santo e Minas Gerais. A Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) atua em todos esses estados onde a vegetação predominante é a caatinga — único bioma exclusivamente brasileiro —, rica em espécies vegetais que não existem em nenhum outro lugar do planeta. É o Semiárido mais populoso do planeta e também o mais chuvoso. Curiosamente, é uma região de déficit hídrico. Isso quer dizer que a quantidade de chuva é menor do que a água que evapora, numa proporção de 3 para 1. Ou seja, a quantidade de água que evapora é 3 vezes maior do que a de chuva que cai.Além disso, as chuvas são irregulares e, algumas vezes, há longos períodos de estiagem. Durante essas épocas, a média pluviométrica pode chegar perto dos 200 milímetros anuais. Daí a importância de guardar a chuva adequadamente. No Semiárido brasileiro, também existem diferenças marcantes do ponto de vista da precipitação anual de uma região para outra. Em alguns locais, o índice das chuvas pode chegar a 800 milímetros por ano.

(Disponível em: <http://www.asabrasil.org.br/>. Acesso em 14 de junho de 2010).

No desencadeamento desse processo, os camponeses das comunidades rurais de Soledade, gradativamente, deixaram de lado o papel passivo que representavam há várias gerações e passaram a desempenhar, ativamente, a função de protagonistas de suas interações sociais. A mudança de postura, perante suas vidas e seu cotidiano, os tornou sujeitos capazes de conduzirem o rumo de suas histórias. Essa transformação de atitude foi de fundamental importância para realização de uma coordenada. Pois, a ação coletiva ocorre quando sujeitos buscam maximizar seus interesses por intermédio da cooperação e da ajuda mútua (OLSON, 1999).

É importante reafirmar que a cooperação se dá por intermédio de alguns elementos que a tornam possível e a transformam em ação coletiva: o interesse, a reputação, a confiança, a solidariedade e a reciprocidade49.

O Interesse pode ser motivado por várias razões coletivas e/ou individuais. Ele é importante para a formação e manutenção de grupos cooperativos, pois não há ação que se realize sem que haja interesse do indivíduo ou do grupo em realizá-la (HINDESS, 1996).

A confiança torna-se essencial quando a monitoração da ação coletiva é difícil, a decisão de aderir a uma iniciativa cooperativa torna-se passível do risco de deserção de outros. Na ausência da certeza de que os outros agentes irão cumprir as regras contratuais, é a confiança que supera as incertezas e minimiza o valor dos custos (VÉLEZ-IBANÊZ, 1993; PUTNAM, 2002);

A reputação é um elemento requisitado todas as vezes que não há garantias formais de que serão cumpridos os pactos feitos entre os indivíduos membros de um grupo. Nestes casos, a ação cooperativa só é possível mediante a associação entre aqueles que desfrutam de “boa reputação”, excluindo os que não transmitem confiança (OSTROM, 1990);

A solidariedade é a condição do grupo que resulta da união de atitudes e de sentimentos (DURKHEIM, 1994). Esta comunhão

49

Ver o Capítulo I, no tópico 1.4 Aspectos sobre cooperação e ação coletiva, elementos de interação coletiva na página 77.

possibilita a cooperação ao passo que favorece a produção de respeito, fidedignidade e eficácia que os indivíduos ou grupos necessitam para manter-se cooperando;

A reciprocidade pode ser entendida como sendo balanceada ou específica, e generalizada ou difusa. A primeira diz respeito à permuta e a segunda refere-se a uma contínua relação de troca que a qualquer momento pode se desfazer (SAHLINS, 1972; OSTROM, 1990; PUTNAM, 1996).

No início do processo de formação da ação coletiva em Soledade, o grupo desfrutava de objetivos comuns, porém este ainda podia ser considerado um grupo

semiorganizado cujo foco da ação era disperso e até mesmo difuso. Foi preciso uma

longa trajetória de experiências compartilhadas e aprendidas para as experiências do grupo tornar-se sistematizadas ao ponto de criar uma organização coletiva consolidada, como ocorreu, alguns anos mais tarde, com a criação do Coletivo de

Educação Solidária de Soledade e Entorno.

Mas antes do surgimento do Coletivo, uma das primeiras iniciativas foi a de criar alternativas simples e de baixo custo para garantir o armazenamento de água e de sementes. Nesse momento, a ação conjunta estava apenas começando. Em nível organizativo e de mobilização social, a Igreja era quem desempenhava o papel principal, e em nível técnico/produtivo, o STR e as ONG’s foram encarregados de desenvolverem, juntamente com os camponeses, tecnologias adaptadas às condições do semiárido.

O papel da Igreja foi de grande importância para o início da articulação da ação coletiva em Soledade. Pois, desde os meados da década de 1970, a Paróquia do Município desenvolvia um amplo trabalho de mobilização social e evangelização através das Comunidades Eclesiais de Base (CEBE’s)50, ela incentivava,

50

As Comunidades Eclesiais de Base (CEBE´s) são comunidades ligadas principalmente à Igreja Católica que, incentivadas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), se espalharam principalmente nos anos 1970 e 1980 no Brasil e na América Latina. Consistem em comunidades reunidas geralmente em função da proximidade territorial, compostas principalmente por membros das classes populares, vinculadas a uma igreja, cujo objetivo é a leitura bíblica em articulação com a vida. Através do método

ver-julgar-agir buscam olhar a realidade em que vivem (VER), julgá-la com os olhos da fé (JULGAR) e

encontrar caminhos de ação impulsionados por este mesmo juízo à luz da fé (AGIR). Estas comunidades impulsionaram a criação de clubes de mães, associações de moradores e de trabalhadores rurais, inserção no movimento operário, e outras iniciativas que fortaleceram o movimento social.

principalmente, as comunidades rurais a se organizarem de forma associativa e a refletir sobre sua história e condições de vida, buscando alternativas que viabilizassem a melhoria da vida cotidiana dos camponeses. Quando o STR e as ONG’s deram início ao trabalho nas comunidades rurais, em 1980, contaram com a efetiva participação do Pároco, atuante na época, que era um ator social engajado na luta de combate à seca e à dependência causada pelo assistencialismo efetivado pelos políticos locais: “coronéis”.

Desde 1980, comunidades rurais do município de Soledade-PB acompanhadas pela Igreja Católica, Sindicato dos Trabalhadores Rurais e ONG’s com atuação na região (PATAC e PRACASA) organizam grupos de evangelização, bancos de sementes comunitários e mutirões para construção e melhoria de reservatórios de água. Essas e outras iniciativas técnicas e sócio-organizativas foram se expandindo para comunidades rurais de municípios próximos a Soledade, aumentando assim o alcance social delas, a partir do envolvimento de novas famílias agricultoras (MELO, 2010, p.01).

As primeiras iniciativas organizativas consistiram na formação de grupos de evangelização e, consequentemente, de grupos de mutirões solidários. Nos grupos de evangelização, além das lições bíblicas, eram discutidas a realidade das comunidades e das famílias, bem como as formas possíveis de superar coletivamente os desafios existentes. Esses grupos, geralmente, formavam mutirões para realizar ações como: limpar estradas e barreiros, agilizar o plantio e a colheita, recuperar casas e cercas e até juntar fundos para ajudar uma família com dificuldades financeiras ou com enfermos.

O trabalho comunitário da Paróquia de Soledade favoreceu o desenvolvimento e a implantação das tecnologias adaptadas ao semiárido introduzidas pelo STR e PATAC. Estas entidades encontraram, nas comunidades, um ambiente organizativo propício para a implementação das inovações tecnológicas. Naquele momento, surgiram os primeiros trabalhos com tanques de pedras, os poços artesianos e com os bancos de sementes comunitários.

Assim, as principais entidades que protagonizaram as atividades de convivência com o semiárido, em Soledade, foram o STR e o PATAC. Cada instituição, a partir de sua vocação, objetivos e princípios, começou a atuar fortemente no município com intuito de incentivar o fortalecimento da organização

social dos camponeses e de sua ação coletiva por intermédio das tecnologias adaptadas e das inovações organizativas.

Naquele momento, conviver com a região semiárida significava buscar iniciativas que garantissem a conservação, o uso sustentável e a recomposição ambiental dos recursos naturais da Região, assim como, conviver com as secas, orientar os investimentos, fortalecer a sociedade, incluir mulheres e jovens, cuidar dos recursos naturais e buscar meios de financiamentos adequados.

Por volta do final da década de 1980 e início da década de 1990, estas duas

entidades, STR e PATAC, mergulharam numa espécie de processo profundo de construção das novas tecnologias juntamente com os camponeses. A maioria das experiências surgiu da tentativa de driblar as dificuldades enfrentadas pelos camponeses e de resolvê-las de forma eficiente.

Era preciso, portanto, adquirir recursos monetários que possibilitassem o financiamento das primeiras iniciativas. Em primeiro lugar, para que os novos experimentos fossem realizados como forma de demonstração e aprendizagem; e em segundo lugar, para financiar as primeiras experiências realizadas coletivamente nas comunidades. Assim, o STR contou com os recursos advindos das contribuições dos seus membros associados e o PATAC se apoiou no financiamento adquirido através da cooperação internacional – na época, a maior contribuição foi do Catholic Relief Service (CRS) em convênio com o Programa Mundial de Alimentação (PMA).