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VIDA E NA IDENTIDADE DOS CAMPONESES

QUADRO 4-1: A REVOLUÇÃO VERDE

Revolução Verde refere-se à invenção e disseminação de novas sementes e práticas agrícolas que permitiram um vasto aumento na produção agrícola em países menos desenvolvidos durante as décadas de 1960 e 1970. É um amplo programa idealizado para aumentar a produção agrícola no mundo por meio do 'melhoramento genético' de sementes, uso intensivo de insumos industriais, mecanização e redução do custo de manejo. O modelo se baseia na intensiva utilização de sementes geneticamente melhoradas – particularmente sementes híbridas –, insumos industriais –

fertilizantes e agrotóxicos –, mecanização e diminuição do custo de manejo. Também são creditados

à revolução verde o uso extensivo de tecnologia no plantio, na irrigação e na colheita, assim como no gerenciamento de produção. No Brasil, passaram a desenvolver tecnologia própria, tanto em instituições privadas quanto em agências governamentais, como a Embrapa, e universidades. A partir da década de 1990, a disseminação destas tecnologias em todo o território nacional permitiu que o Brasil vivesse um surto de desenvolvimento agrícola, com o aumento da fronteira agrícola, a disseminação de culturas em que o país é recordista de produtividade – como a soja, o milho e o

Por volta de 1980, a situação da maioria das famílias de camponeses da Comunidade estava bastante precária, beirando a miséria: quase nenhuma produção, poucos animais e endividamento no comércio da Cidade. Havia a exceção das famílias de dois filhos do Vô que gozavam de melhores condições produtivas. Mesmo assim, a situação econômica de suas famílias não era tão boa, pois seus filhos mais velhos tiveram que migrar para a Região Sudeste do País, como foi o caso relatado por Pedro.

Nos anos 80 a gente quase passa fome aqui. Era um momento de muita dificuldade financeira e a terra não produzia como antes. A gente até parava pra conversar e achar uma solução mas não dava. Um dia Antônio disse uma coisa certa, quando todo mundo morava na Fazenda não tinha dessas dificuldades não. A gente sabia que tinha coisa errada, mas não sabia o que era não (Dona Dudu, membro da Comunidade).

Na fala de Dona Dudu, é possível diagnosticar que os camponeses percebiam que a forma como conduziam a produção agropecuária estava ocasionando a diminuição da colheita e o empobrecimento do solo. Orientados por um técnico da EMATER, numa tentativa de contornar a situação, resolveram intensificar o uso de insumos químicos.

Quando a coisa ficou feia resolvemos procurar o técnico da EMATER para ver se tinha solução. Ele nos orientou a mudar de veneno. [...] mudamos tudo e no primeiro ano foi até bom. Depois tudo voltou como antes: a tal lagarta comia tudo, a espiga de milho era banguela e o feijão não produzia nada (Carlos, membro da Comunidade).

O uso intensivo de agrotóxicos contaminou o solo das propriedades e causou danos à saúde dos Camponeses. Segundo relato de Carlos, seu pai foi intoxicado várias vezes pelos produtos químicos que usava descontroladamente.

Eu vi muitas vezes meu pai mexendo o veneno com as mãos. Ele também lavava a sacola sem proteção nenhuma. Lembro que ele se intoxicava e o povo dizia que bastava tomar leite e pronto! (Carlos, membro da

Comunidade).

Esta situação perdurou por mais de uma década, pois os camponeses não reconheciam que suas práticas – queimadas, uso intensivo de uma mesma área de roçado, adubos químicos, pesticidas, etc – estavam causando-lhes graves problemas. Naquele momento histórico, era difícil diagnosticar os malefícios do uso desregrado de agrotóxicos, porque havia toda uma construção midiática e

ideológica, produzida pela indústria de insumos químicos, que pregava o uso contínuo de suas substâncias, bem como o aval da maioria dos técnicos agrícolas e agrônomos do Brasil.

Na década de 1990, o STR e o PATAC iniciam sua atuação em Soledade, amparada por um modelo de agricultura inovador e pouco conhecida pelos camponeses do Cariri: o modelo agroecológico.

O modelo agroecológico é construído a partir da mobilização e articulação dos conhecimentos práticos e técnicos dos agricultores, confrontando-os com os conhecimentos científicos. Este modelo exige, portanto, a mobilização da pesquisa aplicada, pois depende de bastante informação de capital humano [...] Nesta perspectiva, o modelo agroecológico pode ser qualificado de "camponês", na medida em que os objetivos contribuam para uma crítica do modelo “produtivista” da “modernização conservadora”, salientando os aspectos ambiental e social (SABOURIN et alii, 2004, p. 06).

Para Sabourin (2004), o modelo agroecológico surgiu como “projetos produtivos alternativos” por parte da sociedade civil (ONG’s, Associações, Sindicatos, etc.), em resposta ao desengajamento do Estado perante o desenvolvimento de políticas agrícolas voltadas à diversidade e necessidades específicas da agricultura familiar no Brasil. Estes projetos são inspirados pela agroecologia e passam a ter uma leitura bastante crítica da exclusão social inerente à agricultura capitalista.

Atrás da agroecologia existe um projeto político de promoção do desenvolvimento sustentável e de convivência com o semiárido, baseado na valorização do homem do campo (seu trabalho, sua cultura), valorização do meio ambiente e dos recursos naturais, valorização dos grupos humanos que compõem a comunidade, com seus valores (a solidariedade, a justiça, a simplicidade, o partilhar), valorização da cultura e das suas manifestações (SABOURIN et alii, 2004, p. 05).

É a partir desta perspectiva que as entidades e organizações que hoje compõem a Rede ASA encabeçaram um projeto político e tecnológico de convivência com o semiárido, tendo as comunidades como seu principal foco de ação e experimentação. A base ideológica deste projeto tinha como fundamento a promoção da autonomia produtiva, social, econômica e política dos camponeses através da valorização de alguns elementos da tradição camponesa, mas também, da inserção de novos saberes técnicos.