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VIDA E NA IDENTIDADE DOS CAMPONESES

QUADRO 4-2: O PROJETO DA AGROECOLOGIA

Utilizando e favorecendo a biodiversidade, graças a sistemas de produção com gestão racional, baseados num forte investimento humano (competências, saber-fazer e trabalho) e exigindo um grande esforço de pesquisa aplicada e financiamentos para uma transição agroecológica, a agroecologia proporciona um aumento da produtividade por hectare, com baixos custos pois pouco dependentes de insumos. Ela pode produzir produtos competitivos capazes de responder, através de cadeias curtas, criadores de empregos, à demanda das populações urbanas na sua diversidade (alimentação de base, subvencionada, das populações desfavorecidas e mercados específicos do tipo biológico). O trabalho em torno da inovação técnica, a constituição de redes de divulgação, poupança e crédito permitem uma nova institucionalização (ou construção institucional), garantia de desenvolvimento humano e cidadania. A riqueza e diversidade dos recursos biológicos, a capacidade de adaptação da agricultura familiar, a riqueza do saber popular, a capacidade de análise e o interesse pela experimentação demonstrados pelos agricultores já deram resultados promissores? (...) (TONNEAU, Cirad, mim. apud DUQUE e OLIVEIRA, 2010, p. 05 e 06).

De acordo com os técnicos do PATAC, a maior dificuldade em inserir os novos conhecimentos era fazer com que os camponeses abandonassem as práticas “antigas” de queimadas, uso de agrotóxicos e pesticidas em virtude da adesão às práticas agroecológicas.

Um dia eu estava fazendo o trabalho de mobilização numa comunidade e comecei a falar de agroecologia [...] aí um camponês se aproximou, seu Chico, e disse que nada do que eu falava era novidade. Ele disse que no tempo de seu Pai ninguém usava veneno, nem fazia queimada e que os animais comiam as plantas do mato e que se adoecessem eram tratados com remédios do mato. Eu confesso, me surpreendi com a declaração de seu Chico. Mas o tempo foi passando e nós fomos a outras comunidades, ouvimos outras pessoas e aì, ai, ai a coisa mudou [...] concluímos que de fato, a agroecologia era a tradição dos agricultores (Técnico do PATAC).

Esta fala revela a surpresa do técnico do PATAC ao perceber que as novas práticas não eram uma novidade para os camponeses do Cariri. De acordo com os técnicos, a revelação de que os camponeses possuíam referências agroecológicas tornou o trabalho de inserção das novas tecnologias mais fácil de ser realizado. Pois, bastava resgatar os conhecimentos ancestrais dos camponeses para promover a nova lógica de interação homem/natureza/sociedade.

Falar do novo não é fácil, porém falar para os agricultores sobre o que eles já conhecem é melhor. As novas tecnologias e as novas práticas não eram tão novas como pensávamos. Foi nesse momento que notamos o quanto era necessária a parceria com os agricultores. Nós tínhamos nosso conhecimento técnico, mas a experiência de vida deles devia ser valorizada

Mesmo assim, introduzir as novas tecnologias nas comunidades não foi uma tarefa simples. Em Mandacaru, por exemplo, os camponeses desconfiaram das novidades e da intensa aproximação dos técnicos. Eles resistiram por temerem o insucesso das novas práticas. Foi quando alguns membros da Comunidade (os quatro camponeses que se tornaram Agricultores Experimentadores) resolveram experimentar as inovações.

Vale relembrar que eles eram os mais abastados e podiam correr riscos que os outros camponeses não tinham como abraçar. Quando os demais camponeses diagnosticaram que o trabalho estava dando certo resolveram também experimentar as novidades. Segundo Olson (1999), os indivíduos só cooperam quando os riscos são menores que os benefícios a serem atingidos individualmente. Para Scott (1976), o camponês procura evitar a todo custo um risco que poderá arruiná-lo do que tentar um grande investimento que pode ser arriscado e fatal.

Geralmente no mundo rural, regido pela tradição, os anseios de inovação são contidos, pois os indivíduos estão aí arraigados no respeito ao passado. (TÖNNIES, 1979; WOLF, 1955; SCOTT, 1976). A história de Mandacaru e a prática social dos seus camponeses revelam um passado tecido por uma densa trama social de tradição, como por uma forte manifestação de abnegação à mudança em respeito à memória do líder patriarcal: o Vô.

Com o advento das novas modalidades sociais e técnicas na Comunidade, as velhas práticas foram cedendo, paulatinamente, lugar às novas formas de experiência. A resistência à mudança faz parte da prática social, porém uma vez que as transformações são percebidas e praticadas, as novidades, quaisquer que sejam, usufruem um prestígio igual ou maior, por assim dizer, ao que gozavam antigamente os costumes antepassados (BOUDON, 1995). No princípio, os camponeses de Mandacaru até rejeitaram as novidades, mas quando avaliaram os benefícios que elas poderiam trazer resolveram experimentá-las.

Muita novidade chegou e muita mudança também. Hoje a nossa Comunidade é muito organizada. Dá pra ver como ela é limpa, ajeitada [...] Como a gente tem coisa pra mostrar (Dona Didi, membro da Comunidade).

As novidades, ou novas maneiras de fazer e agir, podem ser classificadas como organizativas sociais e técnicas operacionais: as primeiras dizem respeito ao incremento da interação cooperativa através dos Fundos Rotativos Solidários (FRS) e da organização institucional de camponeses e entidades parceiras e, as segundas, à implantação das tecnologias adaptadas à Região Semiárida. Ambas as formas de inovação não podem ser concebidas separadamente, já que representam os dois lados do processo de convivência com o semiárido: o social e o técnico.

O STR e o PATAC já trabalhavam com as novas tecnologias há mais ou menos cinco anos quando iniciaram as ações em Mandacaru. As experiências mais conhecidas e difundidas desde a década de 1980 são:

“Cisterna rural ou de placas: a cisterna rural é um reservatório

cilíndrico, construído geralmente com placas de cimento, por pedreiros das comunidades e com a participação das famílias beneficiadas;

Cisterna adaptada para a “roça” e cisterna calçadão: trata-se de

um reservatório construído com a mesma tecnologia que a cisterna rural, com a diferença que tem uma capacidade de 52 mil litros e fica totalmente enterrada (tendo apenas a coberta acima do terreno). A água armazenada é destinada ao cultivo de hortaliças e fruteiras, plantas medicinais, criação de pequenos animais, canteiros econômicos;

Barragem subterrânea: a barragem subterrânea é construída em

áreas de baixio ou em leitos de riachos temporários. É cavada uma valeta (até atingir a parte firme do solo ou a rocha) transversalmente ao baixio na sua parte mais baixa, e a seguir é colocada uma lona que segura a água de chuva escorrendo por baixo da terra. Finalmente, a valeta é fechada e o trabalho é finalizado pela construção de um poço amazonas (na parte mais baixa da barragem), para aproveitar a água guardada no solo encharcado e controlar a salinização;

Caldeirão ou tanque de pedra: é uma tecnologia comum em áreas

de serra ou onde existem “lajedos” que funcionam como áreas de captação da água da chuva. Os lajedos rasos ou constituídos de fendas largas têm sua capacidade aumentada erguendo-se paredes de alvenaria que servem como barreiras na parte mais baixa e/ou ao redor;

Bomba popular (BAP): a bomba, instalada em cima de poços

tubulares de até 80 metros de profundidade, funciona com a ajuda de uma grande roda volante que, quando gira, puxa uma quantidade considerável de água com pouco esforço físico. Cada bomba atende às necessidades de aproximadamente 12 famílias;

Bancos ou casas de sementes: são espaços (familiares ou

comunitários) reservados para guardar as sementes nativas (também conhecidas como crioulas, da paixão, da resistência, entre outros nomes), de forma a garantir o plantio desde a ocorrência das chuvas. As sementes são guardadas em silos de vários tamanhos, garrafas de vidro ou plástico, etc.;

Agricultura agro-florestal: trata-se de um plantio consorciado

denso, produzindo uma grande diversidade de produtos: frutas, grãos, flores, raízes, lenha, madeira, sementes, etc. São feitas capinas seletivas, que consistem na retirada da vegetação já florada, e podas que ajudam a renovar as plantas, produzir matéria orgânica para melhorar o solo e abrir espaço para culturas anuais como

milho, feijão, macaxeira, etc. Essa prática recupera a fertilidade do