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2. O contexto das reformas administrativas na primeira metade do século XIX

2.3. Descentralização administrativa com Passos Manuel

A partir de 1834, as dissensões passariam a ser entre as próprias fações liberais, de moderados e radicais, que explodiu logo em setembro de 1836. Assistiu-se a um período de forte instabilidade com divergências entre deputados e os Pares do Reino, que levou D. Maria a dissolver o parlamento e a optar pela convocação de eleições. Os descontentamentos aumentavam em vários pontos do país contra o ministério cartista, e para o qual muito contribuiu a Revolta de 12 de agosto em Espanha, para dar força aos opositores. A lista radical conseguiu um bom resultado no Porto e quando chegaram a Lisboa, os deputados foram recebidos em euforia pelo povo. Este acontecimento proporcionou a demissão do duque da Terceira45. Praticamente sem outra possibilidade a rainha autorizou os setembristas a formar governo. A figura que mais se destacou foi Passos Manuel, que conseguiu aguentar-se na governação, depois das tentativas feitas pela rainha e pelos revoltosos para recuperar o poder. Manuel da Silva Passos (1805-1863) promulgou imensa legislação, aproveitando a bagagem jurídica e a experiência adquiridas no estrangeiro, para impor um sistema doutrinário, assente em grande medida, num liberalismo de raiz popular46.

A obra legislativa de Passos Manuel contribuiu, de certa forma, para implementar o liberalismo numa sociedade que ainda vivia lado a lado com a estrutura e os princípios do Antigo Regime. Durante o período em que governou promulgou medidas importantes para aquele contexto, a proibição de importar e exportar das colónias portuguesas, a primeira grande reforma no ensino, a criação de escolas secundárias e superiores, o primeiro código administrativo, procurou também diminuir a despesa pública na administração pública ao reduzir os gastos com o pessoal, suprimindo os empregos que não fossem necessários para o serviço público. Todavia, a política setembrista fracassou nos seguintes aspetos: faltou um suporte social duradouro; a escassez de elementos da classe média; a fraca taxa de urbanização; o peso do conservadorismo e da Igreja continuaram a influenciar a população.

Passos Manuel procurou solucionar os diversos problemas na administração do país e encontrar novos mecanismos e soluções diferentes de Mouzinho da Silveira. Em 1835 os deputados tomaram uma série de medidas para impedir a concretização do ideário de Mouzinho da Silveira. As alterações efetuadas em 1835 na legislação de

45 Para ver como se processou a Revolução de Setembro de 1836 consulte-se: Cf. Benedita Duque Viera, A Revolução de

Setembro e a Discussão Constitucional de 1837, Lisboa, Edições Salamandra, 1987.

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Mouzinho da Silveira que mais tarde vão ser acolhidas pelo Código Administrativo de 1836 apontavam, precisamente, no sentido de diminuir o poder do centro sobre a periferia. O projeto de lei de 6 de outubro de 1834 foi a tentativa inicial de alterar o Decreto nº 23, e serviu de base aos trabalhos seguintes47. O plano do decreto destinou-se a suprimir de imediato os prefeitos das províncias, os provedores dos concelhos os secretários e conselheiros das prefeituras e as juntas de província. Os subprefeitos que passaram a ter a denominação de Administradores de Comarca ficaram dependentes da secretaria de estado dos negócios do reino. E todas as funções que estavam conferidas aos provedores passando a ser da responsabilidade das câmaras e seus presidentes, e recuperando os párocos as atribuições do registo civil.

O projeto de lei de 30 de outubro de 1834 institui os administradores dos concelhos em substituição dos provedores. Os administradores dos concelhos seriam nomeados pelo poder central sob proposta das respetivas câmaras em lista tríplice ou quíntupla. Em 8 de abril surgiu nova iniciativa, o projeto apresentado por Dias de Oliveira, que além de outras propostas, procurava o aumento do número de círculos administrativos reduzindo e limitando os concelhos. Enquanto a lei de 25 de abril de 1835 dividia o país em dezassete distritos administrativos, dividindo-se estes em concelhos. Em cada distrito encontrava-se um elemento de nomeação régia e uma junta de distrito, eletiva, com as funções das extintas juntas provinciais. Os conselhos de prefeitura são substituídos por comissões, os administradores dos concelhos são escolhidos pelo Governo. O Executivo completou estas medidas com o decreto de 18 de julho de 1835 e delineava a divisão do país em distritos, concelhos e paróquias. Na paróquia, o regedor foi substituído pelo comissário de paróquia.

A Revolução de Setembro possibilitou a elaboração desta legislação que procurava uma nova administração para o país. Depois da restauração provisória da Constituição de 1822, a nível administrativo publicou-se o primeiro Código Administrativo em 31 de dezembro de 1836, que teve a assinatura de Passos Manuel. Procurando uma nova solução para a administração do país, mas tendo como base o Decreto de 16 de maio de 1832 de Mouzinho da Silveira de forma a “corrigir os vícios da legislação anterior, pretendia o código sistematizar as leis administrativas, emendá- las e adaptá-las às realidades nacionais”48.

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O projeto de lei de 6 de outubro de 1834; o projeto de lei de 30 de outubro de 1834; a proposta de lei de 20 de janeiro de 1835; o projeto de lei de 21 de janeiro de 1835; e o projeto de lei de 8 de abril de 1835.

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A nível da administração foram decretadas mudanças sem grande significado, tais como: os governadores civis passaram a ser chamados administradores gerais e tendo-lhes sido atribuído mais poder, e continuaram de forma provisória a existir a divisão em distritos administrativos, as juntas gerais e os conselhos de distrito. As mudanças mais significativas efetuaram-se com o Decreto de 15 de setembro de 1836 e com o Decreto de 6 de novembro. No primeiro decreto foi suprimido o conselho de estado, passando o conselho de ministro a ter as atribuições do anterior. O segundo decreto mencionava a divisão do território, e foi direcionado à supressão dos concelhos. Deste modo a legislação de 1835 e os decretos do ano de 1836 permitiram a redução significativa do número de concelhos, de 799 passaram a ser 351 (suprimiram-se 455 concelhos), modificando a organização e divisão territorial, sendo de facto, a primeira grande mudança no espaço administrativo.

Esta redução foi imposta devido aos concelhos pequenos não gerarem receitas suficientes, capazes de fazer face às necessidades dos habitantes. Por outro lado, era difícil encontrar líderes e elites capazes de desempenhar as respetivas funções49. Assim, o país ficava dividido em distritos, concelhos e paróquias sendo magistrados administrativos o administrador geral dos distritos, o administrador do concelho e o regedor da paróquia. Os órgãos coletivos eram a junta geral administrativa do distrito, a câmara municipal e a junta de paróquia. Sem dúvida que as câmaras municipais na legislação setembrista tinham uma maior autonomia e largas atribuições.

Em comparação com a legislação administrativa de Mouzinho esta era descentralizadora, e esteve sujeita a severas críticas. Após ano e meio de vigência reconhecia-se a necessidade de propor mudanças ao Governo, pois o Código não estava a resultar. Eram apontadas falhas como o grande número de cargos eletivos, breve duração dos cargos, frequência das eleições, falta de preparação dos funcionários, separação entre funcionários administrativos e judiciais. Esta autonomia administrativa contrastava com a realidade do país, onde figurava um elevado número de analfabetos. Nos anos seguintes começou-se a pensar reformar o Código. O Código tinha sido inspirado nas ideias nacionalistas e liberais, e tinha como grande finalidade dar aos municípios uma autonomia para a qual estes não estavam preparados, contudo a realidade do país não permitia o bom funcionamento do Código.

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