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7. Um novo modelo administrativo

7.5. O litígio, a inspeção e as eleições na administração

A administração pública é uma atividade desenvolvida não só pelo Estado como por outras entidades públicas. É imprescindível promover e assegurar o cumprimento das leis, aplicando sanções aos infratores dos preceitos legais. Nesse âmbito, o Governo nomeia os corpos e órgãos locais. É possível averiguar que a regulamentação estabelecida na Lei de Administração Civil de 1867 procura o controlo efetivo do poder local, nos distritos e concelhos, como nas paróquias para solucionar os problemas dentro da liberdade.

O Governo pretendia com esta reforma na administração dar autonomia aos órgãos e corpos locais, todavia, não é o que se verifica pelas leis a regulamentar relativamente a questões contenciosas administrativas. Em relação ao contencioso administrativo, os cidadãos que se sentissem prejudicados nos seus interesses ou nos direitos da administração pública podiam contestar ao conselho de distrito, que era de primeira instância. O artigo 284º da Lei de Administração Civil estipulava que os

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cidadãos tinham a faculdade de recorrer aos tribunais do contencioso administrativo, todas as vezes que os seus direitos fossem ofendidos por atos de excesso de poder de autoridade administrativa, em objetos de administração pública.

A autoridade administrativa era competente para tomar decisão, sem intervenção do conselho de distrito, pois tinha uma competência de ordem pública. Das decisões do conselho de distrito havia sempre recurso para o Conselho de Estado, salvo se a lei não o permitisse. Quanto ao conselho de distrito, que tinha poderes judiciais administrativos, havia um em cada distrito, sendo o governador do distrito o presidente do conselho, com voto nas suas deliberações como tribunal administrativo. O presidente do conselho equiparava-se e tinha as mesmas faculdades que competiam aos presidentes dos tribunais civis e criminais. Estava a cargo do Governo a nomeação dos membros do conselho em lista tríplice proposta pela junta geral do distrito. A inspeção administrativa era realizada conforme a hierarquia das circunscrições administrativas, e revelava-se importantíssima no cumprimento das designações administrativas e no seu bom funcionamento. Difícil de pôr em prática foi a separação da função administrativa da função judicial. No entanto, a existência de tribunais administrativos, órgãos próprios da administração, dispensava a intervenção dos tribunais civis.

No que se referia à eleição dos corpos administrativos podemos verificar que o poder central procurava exercer uma magistratura ativa nesse domínio. A nomeação dos membros dos corpos administrativos paroquiais, municipais e distritais era feito por meio da eleição direta, pelos cidadãos portugueses que tinha o direito de voto. A exceção é com a nomeação dos membros dos conselhos de distrito, e era feita por escolha do governo sobre proposta das juntas gerais do distrito. As eleições dos corpos administrativos eram feitas pelo recenseamento organizado para a eleição dos deputados das Cortes. Não podiam exercer os votos todos aqueles que não sabiam ler, escrever ou contar, os clérigos de ordens sacras e os cidadãos privados ou suspensos por sentença ou despacho judicial. Todos os corpos administrativos eram de livre nomeação do Governo, que os escolhia, ou diretamente ou por intervenção dos seus delegados. Esta atitude governamental de nomear os corpos administrativos revelava uma intenção clara do poder central querer reunir no território nos cargos administrativos pessoas da sua confiança. Esse facto já era feito nos governos liberais anteriores, não se pense que era exclusivo do ministério de «fusão».

O pessoal administrativo compunha-se de um governador em cada distrito, de um secretário-geral em cada governo de distrito, de um administrador em cada

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concelho, exceto em Lisboa e no Porto, onde passaria a haver um administrador em cada bairro, de um oficial secretário de administração em cada concelho e de um administrador em cada paróquia civil. Os magistrados administrativos eram sempre nomeados diretamente pelo Governo: os governadores de distrito, administradores de concelho e administradores de paróquia. Os administradores de paróquia eram nomeados pelo poder central de entre os membros do conselho paroquial. Nas paróquias e nos concelhos o governador de distrito. A reforma na administração local favorecia a tendência que os cargos na administração pública deviam ser entregues a elementos formados em Direito, aos bacharéis. Contudo, este facto não acontece na Inglaterra nem nos Estados Unidos, sendo escolhidos um homem bom, não formado em Direito.

A função administrativa do poder central compreendia a elaboração de decretos, regulamentos e instruções para uma boa execução das leis e a superintendência no conjunto da administração pública, fazendo executar os preceitos legais. Estes factos que constavam nesta reforma mostram que o Governo podia colocar à frente dos destinos locais pessoas da sua confiança e exercer assim um controlo mais eficiente. O Governo tinha sempre a última palavra, isto é, o poder de nomear, decidir e demitir sempre que lhe conviesse.

Não se podem descartar alguns factos do Código Civil, no qual participou na sua elaboração, neste código administrativo, porque é vivível que Martens Ferrão foi buscar inspiração à estrutura do Código Civil, essencialmente, em relação às regras fundamentais de organização social. A estrutura social tinha que estar de acordo com as normas jurídicas que deveriam vigorar na sociedade. Nessa perspetiva podemos considerar a reforma administrativa de Martens Ferrão um Código Administrativo no qual se reúnem as normas aplicáveis a um conjunto de relações jurídicas, coordenadas com os princípios fundamentais e segundo uma técnica uniforme. Portanto, o Código de Martens Ferrão regulava as seguintes matérias: divisão do território, organização, funcionamento e atribuições das autarquias locais, instituição e competência das autoridades locais de administração geral, funcionários e empregados administrativos, finanças locais e contencioso.

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