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8. Divisão e organização das circunscrições administrativas

8.1. Novo mapa administrativo do território

A divisão e organização do território consagrada no Código Administrativo de 1867 originaram um debate intenso no meio político e no seio da sociedade, ficando estabelecida da seguinte forma: distritos, concelhos e paróquias civis. A exceção foram os concelhos de Lisboa e Porto, que para efeitos administrativos foram divididos em bairros e estes em paróquias. O primeiro foi dividido em três bairros e o Porto em dois bairros.

As primeiras movimentações contra o Governo, devido à reforma da administração, provieram de várias câmaras municipais e de comunidades que se sentiam prejudicadas com a proposta da nova reorganização do território proposta por Martens Ferrão. A proposta foi apresentada no dia 31 de janeiro à Câmara dos Deputados, mas já antes havia movimentações contra as alterações no mapa administrativo o que mostra que a proposta já era conhecida informalmente pelas comunidades. O poder local e os notáveis locais conheciam já a proposta mesmo antes do ministro do Reino a apresentar. Aliás, a proposta só foi publicada no jornal oficial a 4 de fevereiro159.

No início do mês de janeiro chegou à capital uma petição dos habitantes e da Câmara Municipal da Horta e pedir para que não fosse suprimido o distrito160. A proposta de Martens Ferrão previa os distritos dos Açores Meridionais, tendo como capital Ponta Delgada, dos Açores Orientais, com capital em Angra do Heroísmo, e Açores Ocidentais, capital na Horta161. Quando assistiu-se ao recuo do Governo, deu-se provavelmente por causa dos desejos de independência dos Açores divulgados na imprensa do Continente. Abria-se assim, uma discussão alargada com a mobilização populacional alargada de norte ao sul. A 30 do mesmo mês foi a vez do município de Leiria, e este protestava contra a supressão do respetivo distrito. No dia da apresentação do ministro foi a vez do município de Portalegre, acompanhando pela maioria das câmaras do distrito (Câmaras do Crato, Alter, Castelo de Vide, Monforte, Sousel e Ponto de Sor). Nos meses de fevereiro e março, as Cortes receberam representações de

159 Diário de Lisboa, de 4 de fevereiro de 1867, nº 27, pp. 291-295

160 Câmara dos Dignos Pares do Reino, sessão 3, de 3 de janeiro de 1867, pp. 69-70. Publicado em Diário de Lisboa, nª

6, p. 49.

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protesto, vindas de todos os pontos do país, a mostrando o seu descontentamento com a nova divisão administrativa.

Uma das grandes novidades desta reforma administrativa residia no facto, da criação de uma nova unidade administrativa, a paróquia civil. A criação da paróquia civil como instituição administrativa, tudo indicava, tinha como finalidade criar um elo de ligação entre a paróquia e o concelho, para além dos motivos que já invocamos anteriormente. Portanto, dotava-se a paróquia de competências administrativas que até então não tinha, permitindo uma organização mais fácil e cómoda às populações locais162.

Em cada circunscrição administrativa ficou estabelecido um número mínimo de fogos, 500 ou 1000 para as paróquias civis e 3000 para os concelhos. Durante a discussão no parlamento foi praticamente este ponto que sofreu modificações, e o governo acabou por ceder. O resultado desta medida foi a supressão/anexação de um grande número de paróquias eclesiásticas e de concelhos. Quanto aos distritos, dos dezassete passariam a onze no continente: Algarve; Alto Alentejo; Baixo Alentejo; Estremadura; Beira Alta; Beira Baixa; Beira Central; Douro; Minho; Trás-os-Montes Superior; Trás-os-Montes Inferior. E nas ilhas adjacentes eram quatro: Madeira, Açores Meridional; Açores Ocidental; Açores Oriental. Os representantes dos distritos suprimidos opuseram-se mas sem sucesso163. Os distritos da Guarda e de Portalegre estavam a salvo da supressão, pelo menos durante três anos a contar desde a publicação do código, salvo se as juntas gerais achassem conveniente suprimi-los. Este facto da não supressão destes dois distritos destinava-se a salvaguardar interesses económicos, populacionais, e de mobilidade de uma região com dificuldades e, ainda, manter um certo equilíbrio.

Depois da aprovação do novo Código Administrativo era necessário proceder à concretização das medidas no terreno. Para esse efeito as juntas gerais dos distritos foram convocadas, de forma extraordinária, para efetivar a divisão e a circunscrição do território. Estas ficaram encarregues de ouvir as câmaras municipais acerca da divisão e circunscrição dos concelhos, tendo igualmente que ouvir as juntas de paróquia acerca do mesmo assunto. Para além deste processo, foram ouvidos os governadores civis dos distritos e os administradores dos concelhos. De seguida, quando estas diligências

162 Daniel Alves [et al.], ob. cit, p. 15. 163

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terminaram, reuniu-se o governo num Conselho de Estado para apreciar os factos164. A divisão e circunscrição deviam obedecer a critérios previamente definidos. Devia-se ter em atenção, segundo a lei, de modo a prevalecer os interesses e comodidade dos povos, para isso devia-se atender antes de efetuar a divisão e reorganização do território aos seguintes critérios: às dificuldades de mobilidade e aos meios de comunicação, em alguns casos, se não fosse possível a anexação, podia ser mantido o regime municipal, mas seriam integralmente anexados, existindo apenas um administrador; à extensão da área territorial e à densidade a populacional; às condições económicas e a comodidade de cada grupo; à natureza e permanência das relações tradicionais; ao comércio entre as diversas povoações; às semelhanças e especificidades em termos da agricultura e indústria; às divisões naturais do solo; e outra qualquer razão de utilidade pública165.

Ainda sobre este ponto da divisão e circunscrição administrativa há que destacar a prerrogativa de dois ou mais concelhos do mesmo distrito poderem incorporar-se, isto se houvesse consentimento entre ambas as partes. Caso os concelhos tivessem uma população reduzida, houvesse falta de pessoas habilitadas para ocuparem os cargos municipais, ou se os concelhos não tivessem rendimentos para cobrir as despesas extraordinárias, eram razões susceptíveis de um entendimento.

A Lei de Administração Civil foi promulgada como já referimos a 26 de junho de 1867; todavia o processo burocrático do mapa final da divisão e reorganização territorial só ficou definido com o Decreto de 10 de dezembro de 1867. Neste decreto são dadas instruções para serem eleitas as Câmaras Municipais dos novos concelhos para se organizarem, e para fazer-se a entrega dos arquivos dos concelhos extintos166. Portanto, de julho a dezembro assistiu-se, por um lado, ao que já mencionámos, desde às instruções aos governadores civis para consultar os outros órgãos administrativos para efetuar a divisão e circunscrição do território à reunião do Conselho de Estado que examinou a nova divisão administrativa em 25 de novembro de 1867. E, por outro, à enorme contestação à nova divisão territorial, por parte da oposição, das elites locais, de cidadãos e das Câmaras Municipais167. Durante este tempo não podia descurar-se diversas pressões e influências para arranjar mecanismos constitucionais ou históricos

164 Lei de Administração Civil de 1867, ob. cit., Artigo nº 3, p. 4. 165 Idem, ibidem, Artigo nº 8, p. 5.

166 Decreto do ministério do Reino: Diário de Lisboa, de 10 de dezembro de 1867, nº 281, pp. 740-741.

167 As várias hipóteses lançadas para suprimir e anexar as circunscrições administrativas: IAN//TT, Ministério do Reino,

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para manter os concelhos ou as paróquias por parte dos descontentes com a nova divisão administrativa.