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9. O aumento da tensão e o contágio da opinião pública

9.1. Desassossego da sociedade e as movimentações de protesto

No ano de 1867 desenvolveu-se na sociedade um sentimento de fúria contra a política adotada pelo Executivo. Os protestos incidiam contra as medidas polémicas: aumento da carga fiscal, modificação da estrutura dos impostos locais e criação do imposto geral de consumo; reforma na secretaria do ministério dos Negócios Estrangeiros, a reforma na administração local; os tratados que não tiveram resultado e até prejudicaram o país; os casos ilícitos praticados por elementos do Governo. Estes e outros factos faziam aumentar o descontentamento e a descrença. A despesa aumentava mais que a receita e a dívida pública não parava de aumentar. No ano de 1866 e no seguinte a receita foi de 14.965 contos, enquanto a despesa ascendeu aos 22.837 contos189.

Em Fevereiro de 1867, foi enviado um requerimento à Câmara dos Deputados pedindo a não imposição do imposto geral de consumo mas também da reforma administrativa. O povo sentia-se injustiçado, essencialmente, com as mudanças que o Governo queria executar na administração local e com o aumento da tributação. Na imprensa da época podiam-se ler críticas à atuação governamental relativamente às políticas seguidas pelo Executivo. A imprensa fazia eco da preparação do pacote legislativo preparado pelo Governo, “na casa do Sr. ministro do Reino uma longa duração, o que leva a crer que se trata de prontamente elaborar as reformas que hão-de ser apresentadas sobre a supressão de alguns distritos e sobre a instituição e criação da guarda civil”190

.

189 Eugénia da Mata, ob. cit, pp. 61-115.

190 Esta informação foi referida por Eça de Queirós nas crónicas de 1867. Estas foram redigidas por Eça na sua fase de

juventude, aos 21 anos de idade, no jornal da oposição ao governo, o Distrito de Évora. Veja-se: Eça de Queirós, Prosas Esquecidas

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Dada a conjuntura económica e social degradante, a atividade política da oposição começou a conspirar contra o Governo através dos denominados Centros, Associações ou Clubes. Nestes grupos políticos prevalecia o interesse pessoal e não a capacidade organizativa191. No dia 26 concretizou-se uma reunião na sede da Associação Comercial do Porto, seguida de um meeting com milhares de pessoas. As reivindicações continuaram no mês de março, com a Associação Comercial de Lisboa a apresentar uma representação ao parlamento, enquanto a Câmara Municipal do Porto aprovou uma petição defendida pelo deputado Faria Guimarães no parlamento. Martens Ferrão considerou esta representação sem nexo, baseada na completa ignorância da administração, duvidando da representatividade do documento192. No dia 10 e 11 do mesmo mês realizaram-se novos meetings e novas representações no sentido de haver contenção na despesa e criticando o aumento de impostos. Foi sugerido a criação de uma associação popular para intervir na vida política, tendo sido criada a União Patriótica do Porto193.

No dia 24 de março realizou-se um gigantesco protesto na capital. Todavia, a oposição estava desorganizada, porém, o conde de Peniche empreendeu esforços para organizar os homens influentes e de prestígio. Procurou-se convencer o duque de Loulé a fazer parte da comissão, que depois de alguma hesitação acabaria por ceder. Este havia sido um dos que subscreveram em 1865 o acordo político que deu origem ao Governo de «fusão», enquanto chefe dos Históricos.

A 28 de fevereiro de 1867 centenas de pessoas invadiram a Câmara Municipal do Porto em revolta contra o aumento dos impostos. A 24 de março do mesmo ano realizou-se um comício de protesto, em Lisboa, contra a reforma administrativa de Martens Ferrão. A 26 de junho foram aprovadas na sessão legislativa as reformas, inclusive, a reforma administrativa. E, um dia mais tarde, a 27 de junho, o parlamento é encerrado194. A sessão legislativa encerrou no fim de junho e a atividade política só foi retomada em setembro, para a preparação das eleições municipais. Contudo, Martens Ferrão adiou as eleições para o dia 29 de dezembro, evocando entraves burocráticos.

191

Luís Doria, Correntes do Radicalismo Oitocentista: o Caso dos Penicheiros (1867-1872), Lisboa, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 2004, p. 36.

192 Diário de Lisboa, de 8 de fevereiro de 1867, nº 54, p. 661.

193 Sobre a União Patriótica do Porto ver: José Manuel Lopes Cordeiro, ob. cit., pp. 22-31.

194 Para seguir todos os acontecimentos do ano de 1867 veja-se: Fernando de Castro Brandão, Da Monarquia

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Do Porto também chegavam protestos, entre os quais a Associação Comercial do Porto. Com o apoio da Câmara Municipal do Porto, os pequenos industriais e comerciantes começavam a organizar-se no protesto e dirigiram iniciativas contra as medidas governamentais. A inspeção dos armazéns de géneros sobre os quais incidia o imposto, a fim de serem devidamente tributados os produtos que ali estivessem, contrariava os planos de quem tirava lucro. Na cidade do Porto assistimos, porém, a uma maior radicalização do protesto contra o governo A 21 e 22 de Abril, na altura da assinatura do tratado de comércio com a França, o ambiente na cidade do Porto foi tenso e agitado195. A batalha lançada pela imprensa portuense contra o Governo de «fusão» fazia correr tinta.

Em Lisboa, o conde de Peniche esteve durante esta fase determinado a lutar contra o Governo, procurando organizar a oposição na capital debaixo do mesmo programa política. Esta iniciativa não estava a resultar devido à divisão da oposição na capital, e é então que propõe a dissolução do Centro, que foi aceite. Os elementos deste grupo deslocaram-se para o grupo Classe Artística, encabeçado por Levy Jordão. Para a oposição conseguir derrubar o Governo “era preciso colocar à frente da oposição gente séria e conhecida do país […]”196. Tentaram a união com o grupo do Pátio do Salema para preparar as listas para as eleições municipais. Entretanto, começava a geminar a ideia de que a queda do governo só lá iria com uma revolução armada, “é assim evidente que, já em fins de 1867, o conde de Peniche e os seus seguidores estavam envolvidos a enveredar pela via do golpe revolucionário […]”197

. Em dezembro, a oposição no Porto ia unida às urnas, e é então que o conde de Peniche e Silva Lobo pensaram num plano para agrupar a oposição em Lisboa. Esse plano passava por capitalizar e agrupar elementos populares. Foi preparado um meeting para o dia das eleições. Como se esperava em Lisboa ganhou a lista apoiada pelo poder central, mas no Porto sofreu uma derrota, a oposição ganhou. Este facto deixava o Governo com receios e havia razões para ter.

Nas vésperas da revolta de 1868, as associações comerciais do Porto e de Lisboa aconselharam os seus membros a não declarar os géneros que possuíam, nem a despachá-los nas alfândegas, a fechar os estabelecimentos para evitar o controlo de entidades, mas de modo a atender às classes mais pobres. Em simultâneo acontecia o

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Ver José Manuel Lopes Cordeiro, op. cit., pp. 29-31.

196 Luís Doria, ob. cit, p. 59. 197

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mesmo noutras zonas do território. No Porto, antes da entrada da lei do imposto, os comerciantes com maiores posses encheram os seus armazéns de géneros sujeitos a esse imposto com dupla finalidade: do lucro e aumentar os seus clientes198. O Decreto de 7 de dezembro de 1867 aprovou o regulamento para a cobrança e fiscalização do imposto geral de consumo199. Mas os atos de protestos não ficaram por aqui, pois na rua ocorreram protestos, animados pelos clubes de fações, que agrupavam elementos da oposição progressista.