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8. Divisão e organização das circunscrições administrativas

8.2. Organização territorial das paróquias

Nos primórdios do liberalismo a reorganização das paróquias era entendida como essencial para alterar o aperto financeiro do Estado e, ainda, para alterar os abusos na repartição dos dízimos (foram abolidos em 1832) e para atenuar a dificuldade de sustentar os párocos. Portanto, a redução das paróquias impunha-se para permitir uma digna sustentação do clero e para libertar recursos financeiros para o Estado. De modo a reduzir as paróquias, os liberais levaram a cabo um inquérito em maio de 1821, e depois em 16 de setembro de 1822. Posteriormente foi apresentado nas Cortes pela Comissão Eclesiástica uma reforma que incidia sobre a circunscrição das paróquias, os rendimentos dos párocos e a redução de colegiadas168. Contudo, uma reforma nas paróquias não foi levada a cabo, permanecendo o problema religioso da sustentação dos párocos. Este será tema de debate assíduo na primeira metade de Oitocentos, bem como a separação do poder político da esfera religiosa. Temos que ter presente, para entender as hesitações e ambiguidades dos liberais em relação às paróquias, as relações entre o Estado e a Igreja no período da monarquia constitucional. O liberalismo procurou através de um política apoiada no Regalismo169 enfraquecer a interferência da Igreja na sociedade. Era de facto nas comunidades rurais onde a presença da Igreja mais se constatava e que muitas vezes se opunham aos princípios liberais.

A classe política ao longo da monarquia constitucional procurou reduzir o peso da estrutura religiosa, chegando até a ser ordenado o encerramento de várias igrejas, diminuindo o número de paróquias, embora o número se mantivesse elevado, e secularizando alguns espaços sagrados. Praticamente não existem estudos que permitam ter noção de quantas paróquias foram anexadas ou suprimidas durante o liberalismo. Nos últimos anos uma equipa liderada por Luís Nuno Espinha da Silveira tem dado importantes passos na descoberta de mudanças verificadas nas paróquias no liberalismo. Graças ao tipo de metodologia que adotam tem sido possível elaborar cartas e mapas de modo a corrigir e emendar falhas existentes. Criaram o SIG - Sistema de Informação

168 José Eduardo Horta, Liberalismo e Catolicismo. O Problema Congreganista (1820-1823), Coimbra, Universidade de

Coimbra, 1974, p. 57.

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Geográfica e Modelação de Dados Aplicado à História de Portugal, onde é possível

conjugar a base de dados relacional, permitindo não só registar, mas gerir e cartografar a informação relativa a qualquer dos anos abrangidos pelo sistema. No caso de Lisboa já é possível ter informação que permite verificar as alterações na divisão e organização administrativa das paróquias graças ao SIGMA. As paróquias de Lisboa sofreram profundas alterações ao longo dos séculos XIX e XX. Não só foram alteradas em número, mas também na sua dimensão geográfica. A última grande reforma data de 1959170.

Em 1835, a elite política continuava a mostrar o desejo de proceder a uma reestruturação do aparelho religioso reduzindo o número de paróquias. Com a finalidade de racionalizar o aparelho eclesiástico, o ministério da justiça publicou a Lei de 2 de dezembro de 1840, para estabelecer uma nova divisão paroquial e adequar às novas condições político-administrativas. Contudo, razões do foro social e político foram adiando essa intenção171. A política de secularização da sociedade empreendida pelos liberais, não obstante a resistência das populações, reduziu o número de paróquias em 203, entre 1837 e 1950172.

A anexação ou supressão das paróquias propiciava o despojamento dos párocos dos locais onde exerciam o seu ofício. Os paroquianos reagiam contra estes atos e protestavam contra a iniciativa do poder central. Nos meios rurais, os párocos desempenhavam um papel de conselheiros junto das populações, em virtude de possuírem uma cultura letrada. Nas comunidades rurais, muito delas isoladas geograficamente, havia um elevado analfabetismo, arcaísmo das mentalidades o que facilitava uma grande influência por parte do clero. Era constante a reação das comunidades contra a reorganização eclesiástica e contra a substituição ou suspensão do seu sacerdote. Esta realidade social e religiosa levou que os liberais suspendessem os projetos de reorganização paroquial na primeira metade de Oitocentos173.

Com a escassez de dados quantitativos que facultasse um maior conhecimento da realidade das comunidades rurais, temos apenas um conhecimento ténue que

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Veja-se as informações relativas à metodologia adotada e os resultados a que chegou, no seguinte artigo: Daniel Alves, Evolução das Freguesias da Cidade de Lisboa ao Longo do Século XIX, in http://www.fcsh.unl.pt/deps/historia e

http://www.fcsh.unl.pt/atlas, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, pp. 1-11. (15-11-2011 18:56).

171 Na obra de Vítor Neto, ob. cit., p. 55 (em nota de rodapé), a legislação existente no Arquivo do Ministério Eclesiástico

e da Justiça/Negócios Estrangeiros, Biblioteca Nacional de Lisboa/Secção de Reservados, L. 89, Circular dirigida às autoridades eclesiásticas, 27-10-1835.

172 Idem, ibidem. 173

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expressa a existência de uma grande desigualdade na distribuição da população pelas paróquias. O crescimento da população levou à multiplicação destas unidades básicas de organização eclesiástica. Fernando de Sousa indicou a existência de 4092 paróquias em 1801 e Luís Espinha da Silveira contabilizou 4088 em 1826, após uma pequena correção da fonte174. O número de paróquias oscilou pouco, no entanto assiste-se a uma gradual diminuição ao longo do século XIX. A principal causa deveu-se, tudo indica, a fenómenos demográficos, embora, o despovoamento fosse mais intenso na região interior do país, nos distritos da Guarda, Portalegre, Castelo Branco e Beja.

Na reforma administrativa de 1867, das cerca de 3799 paróquias existentes no continente só ficariam a existir 1026, com a designação de paróquias civis. Esta alteração do mapa paroquial obedeceu a critérios de racionalidade e uniformidade, havendo um limite mínimo para a sobrevivência da paróquia enquanto célula administrativa. O processo de reforma administrativa era urgente devido à escassez financeira do tesouro do Estado. Mais, além de fenómenos demográficos, não se deve descurar o aumento dos meios de comunicação e as conveniências no ensino, de modo a tornar o ensino exclusivamente laico, diminuindo assim a influência eclesiástica.