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A AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA 60

PARTE I – DA PESQUISA CLÍNICA DE MEDICAMENTOS 19

CAPÍTULO 3 – DA PESQUISA CLÍNICA NO BRASIL: ASPECTOS GERAIS 48

3.2 A AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA 60

O direito à saúde, consagrado na Seção II do Título: Da ordem social, especificamente, nos arts. 196 a 200 da Constituição Federal (CF) de 1988, tem como escopo incumbir o Estado da obrigação de promoção da saúde em sentido amplo a toda a população, de forma universal e integral. Para tanto o constituinte determinou que o direito à saúde deve ser promovido pelo Estado por meio da integração de uma série de ações e de serviços públicos que se efetivam por uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único, basilado em três diretrizes fundamentais: (i) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; (ii) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; (iii) participação da comunidade.

O direito à saúde foi consagrado por norma programática e com isso depende de diversos instrumentos para sua efetivação. Entre as competências constitucionais do sistema único de saúde encontra-se a de “executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica bem como as de saúde do trabalhador”.141 Dessa forma, a vigilância sanitária constitui obrigação constitucional imposta ao Estado e diretamente relacionada ao direito à saúde.

A fim de atender e regulamentar o preceito constitucional, a Lei 8.080/1999 – Lei Orgânica da Saúde - criou o Sistema Único de Saúde (SUS) e dispôs “sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”. A norma previu diversas ações para promoção da saúde, entre elas, a vigilância sanitária, que integrou o campo de atuação do SUS.142

141 Art. 200, II, CF/88

142 “Art. 6º. Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a

Conceitua-se vigilância sanitária, nos termos da Lei 8080, como:

[...] um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.143

É nesse contexto que a Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999, em seu art. 1º, instituiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), criado para atender aos fins dispostos na Lei 8.080/1990. Para a coordenação do SNVS a Lei criou, também, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Com isso, o SNVS e a Anvisa são integrados, para todos os fins, ao SUS.

A Anvisa (criada pela Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999 e posteriormente regulamentada pelo Decreto 3.029, de 16 de abril de 1999) trata-se de autarquia sob regime especial integrante da administração indireta, criada pelo art. 3º144 da referida Lei, com personalidade jurídica de direito público e vinculada ao Ministério da Saúde (MS). É considerada uma agência reguladora, pois exerce, por intermédio de sua autonomia e de seu poder de polícia, o poder de intervenção no domínio econômico, podendo regular e fiscalizar as atividades econômicas particulares.

É dotada de independência administrativa, de estabilidade de seus dirigentes e de autonomia financeira. A Anvisa tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária e também dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.145

143 Art. 6º, § 1º, da Lei 8080/1999.

144 “Art. 3º. Fica criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, autarquia sob regime

especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro no Distrito Federal, prazo de duração indeterminado e atuação em todo território nacional”.

É detentora do chamado poder de polícia, que consiste na atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente a: segurança, higiene, ordem, costumes; disciplina da produção e do mercado; exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público; tranquilidade pública ou respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.146

Dessa forma, através de medidas de controle a Anvisa tem o poder de fiscalização – normatização e regulação – dos abusos dos direitos individuais privados e públicos, sempre que nocivos ou contrários ao bem-estar social, à saúde pública, ao desenvolvimento e à segurança nacional147. Diversas são as competências da Anvisa disciplinadas na Lei 9.782/99 e no Decreto 3.029/99, entretanto para o presente trabalho nos importa atentar ao que diz respeito a pesquisas cientificas, competência regulatória e fiscalização e concessão de registro dos medicamentos.

Nesse sentido, compete à ANVISA: fomentar e realizar estudos e pesquisas no âmbito de suas atribuições; estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária; estabelecer normas e padrões sobre limites de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfetantes, metais pesados e outros que envolvam risco à saúde; conceder registros de produtos, segundo as normas de sua área de atuação; proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde; fomentar o desenvolvimento de recursos humanos para o sistema e a cooperação técnico-científica nacional e internacional; monitorar a evolução dos preços de medicamentos, equipamentos, componentes, insumos e serviços de saúde.

146 Poder de Polícia segundo o Código Tributário Nacional. Art. 78: “Considera-se poder de polícia

atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

147 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

O exercício de suas funções compreende os bens e os produtos submetidos à fiscalização sanitária, quais sejam: medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias; alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários; cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes; saneantes destinados à higienização, desinfecção ou desinfestação em ambientes domiciliares, hospitalares e coletivos; conjuntos, reagentes e insumos destinados a diagnóstico; equipamentos e materiais médico-hospitalares, odontológicos e hemoterápicos e de diagnóstico laboratorial e por imagem; imunobiológicos e suas substâncias ativas, sangue e hemoderivados; órgãos, tecidos humanos e veterinários para uso em transplantes ou reconstituições; radioisótopos para uso diagnóstico in vivo e radiofármacos e produtos radioativos utilizados em diagnóstico e terapia; cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco; quaisquer produtos que envolvam a possibilidade de risco à saúde, obtidos por engenharia genética, por outro procedimento, ou ainda submetidos a fontes de radiação.

Nota-se, portanto, que o fomento e a realização de pesquisas científicas relacionadas à saúde pública bem como a análise de todo o processo de registro de um novo medicamento, desde os relatórios dos estudos pré-clínicos até a autorização e a fiscalização dos estudos clínicos, por serem diretamente relacionados às substancias com alto potencial ofensivo à saúde pública nacional, estão sob a égide da Anvisa.

No que tange à pesquisa clínica de medicamentos a Anvisa ocupa papel primordial tanto na concessão de autorização prévia para a realização dos estudos com seres humanos como na regulamentação do setor, que, na atualidade, é regida apenas por resoluções administrativas. Essa autorização prévia se dá mediante a emissão de um comunicado especial que autoriza o início dos estudos, após a análise de todo o dossiê, com a documentação exigida nas normas administrativas, incluindo o parecer de aprovação dos aspectos éticos pelo Comitê de Ética em Pesquisa responsável (CEP).

Essa análise prévia vai ao encontro das funções e diretrizes que fundamentam a Anvisa, haja vista ser tema delicado, que, repita-se, possui alto potencial ofensivo à saúde da população. A garantia da qualidade e da segurança dos medicamentos é função inerente à Anvisa. A lei instituidora da Anvisa (Lei 9.782/99) e, consequentemente, da Lei Orgânica da Saúde (LOS – Lei 8080/99), visam garantir e fiscalizar todo e qualquer procedimento relacionado à saúde pública, com finalidade primordial de buscar a segurança e a qualidade dos medicamentos, visando fomentar e concretizar os direitos à saúde em sentido amplo.

A pesquisa clínica, como já mencionado anteriormente, tem como base reguladora as RDC’s 466/2012 e 9/2015. Estas normas foram emanadas em consonância com os incisos III e IV do art. 7º e inciso III do art. 15º da Lei 9.782/99, que estabelecem a competência normativa da Anvisa para o estabelecimento de atos normativos, relacionados a sua área de atuação.

Importante observar nesse ponto que o Estado delega às agências reguladoras o poder normativo para conceituar, delimitar e explicar conceitos jurídicos indeterminados pela Lei, especialmente sobre critérios de ordem técnica relacionados aos assuntos de tamanha especificidade. Nas palavras de Murillo Giordan Santos, esse poder possui tamanha importância, pois:

A lei, muitas vezes, utiliza conceitos jurídicos indeterminados, cujo sentido tem que ser definidos por órgãos técnicos especializados. Por exemplo, a Lei n.º 9.782/99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, dá a ela competência para estabelecer normas e padrões sobre ‘limites de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfetantes, metais pesados e outros que envolvam risco à saúde’ (art. 7º, IV); a Agência, dentro de seus conhecimentos técnicos, vai poder, licitamente, sem inovar na ordem jurídica, baixar ato normativos definindo ‘contaminantes’, os ‘resíduos tóxicos ’, os ‘desinfetantes’, etc., e estabelecendo os respectivos padrões e limites. Trata-se de conceitos indeterminados que a agência vai tornar determinados. Ele não está inovando na ordem jurídica, mas explicitando o sentido dos vocábulos contidos na lei.148

148 SANTOS, Murilo Giordan. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Comentários à

É certo e inegável que todo o ato, seja fiscalizador, seja normativo, executado pela Anvisa será regido pelos princípios basilares do direito administrativo que submetem à Administração Pública, seja ela direta, ou indireta: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência149. Dessa forma, a Anvisa é o órgão estatal vinculado ao Ministério da Saúde responsável pela fiscalização, pelo controle e pela normatização das pesquisas clínicas no Brasil.

Entretanto, por mais que seja, conforme a legislação vigente, competência da Anvisa a anuência prévia para a realização de estudos com seres humanos, os aspectos relacionados à ética em pesquisa ficam a cargo do Sistema CEP/Conep, que auxiliam a Anvisa na análise dos critérios relacionados a ética e bioética.