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A fase clínica: A experimentação em seres humanos e os direitos dos

PARTE I – DA PESQUISA CLÍNICA DE MEDICAMENTOS 19

CAPÍTULO 3 – DA PESQUISA CLÍNICA NO BRASIL: ASPECTOS GERAIS 48

3.1 O DESENVOLVIMENTO FARMACÊUTICO DOS MEDICAMENTOS 50

3.1.1 A fase clínica: A experimentação em seres humanos e os direitos dos

A etapa clínica do desenvolvimento dos medicamentos diz respeito propriamente ao tema central do presente trabalho: a pesquisa clínica. É nessa fase que a substância com potencial terapêutico passará a ser testada em seres humanos, podendo ser, a depender da fase da pesquisa, em indivíduos saudáveis ou em indivíduos acometidos por determinada patologia. Busca-se, primordialmente, analisar qualidade, segurança e eficácia de determinada substância no organismo humano, após superados os critérios de toxicidade delimitados na fase pré-clínica.

Os estudos clínicos de medicamentos podem ser desenvolvidos em quatro fases diferentes135, que variam de acordo com o objetivo da pesquisa e com a população participante. No estudo de Fase I, um medicamento será testado pela primeira vez em um ser humano, geralmente saudável, objetivando avaliar as vias de administração, as doses, a segurança e a interação com outras drogas. Trata-se do primeiro estudo em seres humanos com um novo princípio ativo ou uma nova formulação: “Estas pesquisas se propõem estabelecer uma evolução preliminar da segurança e do perfil farmacocinético e quando possível, um perfil farmacodinâmico”136.

134 Anvisa. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/pesquisa/def.htm>. Acesso em:

20 maio 2016.

135 Anvisa. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/pesquisa/def.htm>. Acesso em:

07 mar. 2016.

Na Fase II, também chamada de Estudo Terapêutico Piloto, há a participação de 100 a 200 indivíduos portadores da doença estudada, ou seja, pacientes. O objetivo, além de ampliar dados sobre a segurança, consiste em demonstrar o potencial terapêutico da medicação: a sua eficácia para a cura de determinada doença. Segundo a Anvisa, são objetivos do estudo Fase II:

Os objetivos do Estudo Terapêutico Piloto visam demonstrar a atividade e estabelecer a segurança a curto prazo do princípio ativo, em pacientes afetados por uma determinada enfermidade ou condição patológica. As pesquisas realizam-se em um número limitado (pequeno) de pessoas e frequentemente são seguidas de um estudo de administração. Deve ser possível, também, estabelecer-se as relações dose-resposta, com o objetivo de obter sólidos antecedentes para a descrição de estudos terapêuticos ampliados.137

O Estudo Fase III constitui uma análise de larga escala, em múltiplos centros, com diferentes populações de pacientes para demonstrar eficácia e segurança, com número mínimo de 800 pacientes acometidos por determinada doença. São estudos realizados em grandes e variados grupos de pacientes visando determinar o resultado do risco/benefício do uso, a curto e longo prazo, das formulações do princípio ativo testado.

Exploram-se nesta fase o tipo e perfil das reações adversas mais frequentes, assim como características especiais do medicamento e/ou especialidade medicinal, por exemplo: interações clinicamente relevantes, principais fatores modificatórios do efeito tais como idade etc.138

Por fim, a Fase IV ocorre após o registro do medicamento junto aos órgãos sanitários. Dessa forma, a Fase IV não constitui requisito para registro de medicamentos no país. Trata-se de estudo para acompanhamento do uso de determinado medicamento, proporcionando o alcance de dados adicionais sobre segurança, eficácia do produto e eventos adversos.

137 Anvisa. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/pesquisa/def.htm>. Acesso em:

30 maio 2016.

Estas pesquisas são executadas com base nas características com que foi autorizado o medicamento e/ou especialidade medicinal. Geralmente são estudos de vigilância pós-comercialização, para estabelecer o valor terapêutico, o surgimento de novas reações adversas e/ou confirmação da frequência de surgimento das já conhecidas, e as estratégias de tratamento.139

Ao adentrarmos na fase clínica, além dos órgãos regulatórios envolvidos, no caso a Anvisa e o Sistema CEP/Conep (mais adiante abordados em suas peculiaridades), existe o envolvimento das indústrias farmacêuticas que, geralmente, ocupam o papel de patrocinadores dos estudos clínicos, por serem, na maioria dos casos, aos interessados no registro de medicamentos. Os patrocinadores possuem seus deveres e suas responsabilidades delimitados na RDC 466/2012 e na RDC 9/2015. São responsáveis por todo e qualquer dano sofrido pelos participantes durante a realização de um estudo clínico, devendo arcar, inclusive, com todas as despesas despendidas pelos participantes a título de trajeto, alimentação, estadia etc.

Os investigadores, geralmente profissionais médicos ou da saúde, são os responsáveis pelo desenvolvimento do estudo nos aspectos técnicos e éticos, devendo supervisionar toda a equipe e objetivando zelar pelo cumprimento de todos os preceitos regulatórios e das diretrizes do protocolo. Os participantes, sujeitos passivos da pesquisa clínica, são escolhidos através de critérios de inclusão e exclusão previamente delimitados no protocolo de pesquisa. Esta seleção se baseia em características específicas da droga, do estudo, da doença alvo, ou ainda do grupo etário pretendido.

Os participantes estão resguardados pelo princípio da dignidade humana e pelos direitos constitucionais fundamentais – liberdade, autonomia, saúde, integridade física. Sendo-lhes assegurados, ainda direito a: privacidade e anonimato; informação e esclarecimentos; autonomia; recusa inócua; desistência; indenização e ressarcimentos; acesso ao investigador e aos comitês de ética em pesquisa, e principalmente direito de salvaguarda da integridade física.140

139 Anvisa. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/medicamentos/pesquisa/def.htm>. Acesso em:

30 maio 2016.

140 Sociedade Brasileira dos Profissionais de Pesquisa. Disponível em:

<http://www.sbppc.org.br/portal/index.php?option=com_content&task=view&id=17&Itemid=40>. Acesso em: 30 maio 2016.

No que diz respeito a privacidade e anonimato, terá o participante a garantia de que todas as informações pessoais não serão divulgadas sem autorização. Durante todo o estudo sua identidade se dará por inicias, data de nascimento ou qualquer outro código específico. No que concerne a esclarecimento e informações é assegurado ao participante o acesso às informações dos procedimentos que serão realizados e do andamento bem como o esclarecimento de toda e qualquer dúvida a respeito da condução do estudo clínico. O participante deverá, inclusive, ter acesso irrestrito ao pesquisador responsável, sendo-lhe assegurado fácil acesso aos comitês de ética em pesquisa.

O direito à autonomia se refere à ampla liberdade de tomar decisões diretamente relacionadas a sua participação no estudo, assegurando-se o respeito irrestrito a suas crenças, opiniões e costumes. Além disso, o participante possui o direito de recusar qualquer procedimento ou ainda desistir do estudo clínico e interromper sua participação a qualquer momento, sem estar sujeito a prejuízos. O participante deverá ser indenizado por todo e qualquer dano que venha a sofrer durante o estudo, sendo assegurado, ainda, o ressarcimento de despesas pessoais oriundas de sua participação.

Por fim, a salvaguarda de sua integridade é o direito de maior importância na condução de uma pesquisa clínica. O interesse da ciência não poderá, em hipótese alguma, ser superior a integridade física, saúde e vida do participante. Na remota hipótese de danos que possam interferir na vida, na saúde ou na integridade física do participante, o estudo deverá ser imediatamente interrompido.

É importante considerar, ainda, a função social e humanitária das pesquisas clínicas, pois estão diretamente relacionadas com a vida e a saúde de seus participantes e da sociedade à qual se aplica. Por esse motivo, os órgãos regulatórios responsáveis abrigaram em algumas de suas normativas o dever de atenção aos casos de saúde excepcionais, como no caso da responsabilidade pós- estudo, e dos programas de acesso expandido e uso compassivo, regulamentados pela RDC 38/2013, que os define e os diferenciam da seguinte forma:

VIII - programa de acesso expandido: programa de disponibilização de medicamento novo, promissor, ainda sem registro na Anvisa ou não disponível comercialmente no país, que esteja em estudo de fase III em desenvolvimento ou concluído, destinado a um grupo de pacientes portadores de doenças debilitantes graves e/ou que ameacem a vida e sem alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados;

IX - programa de fornecimento de medicamento pós-estudo: disponibilização gratuita de medicamento aos sujeitos de pesquisa, aplicável nos casos de encerramento do estudo ou quando finalizada sua participação;

X - programa de uso compassivo: disponibilização de medicamento novo promissor, para uso pessoal de pacientes e não participantes de programa de acesso expandido ou de pesquisa clínica, ainda sem registro na Anvisa, que esteja em processo de desenvolvimento clínico, destinado a pacientes portadores de doenças debilitantes graves e/ou que ameacem a vida e sem alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados no país.

A função social e humanitária da pesquisa clínica justifica-se por seu papel fundamental de disponibilizar à população avanços científicos capazes de proporcionar a melhoria na saúde e na qualidade de vida dos cidadãos e, por esse motivo, em casos excepcionais, como os acima descritos, há a obrigação de atenção e atendimento para com a saúde individual.

O universo da pesquisa clínica é dotado de diversas peculiaridades diretamente relacionadas aos direitos individuais e sociais constitucionalmente consagrados. Embora a importância do assunto seja evidente, a inércia legislativa permanece latente em pleno século XXI. As normas administrativas, mesmo que desprovidas de força legislativa, regulamentam os aspectos essenciais de forma razoável. Fato que configura um ponto de atenção aos estudiosos do direito e consolidam, ainda mais, a importância de fiscalização e atuação da Anvisa e do Sistema CEP/Conep.