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PARTE I – DA PESQUISA CLÍNICA DE MEDICAMENTOS 19

CAPÍTULO 2 – TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MEDICAMENTOS E DA

2.2 DECLARAÇÃO DE HELSINQUE 37

Transcorridos mais de 15 anos da fixação das diretrizes éticas para a pesquisa com seres humanos pelo Código de Nuremberg, notou-se que muitos de seus preceitos necessitavam ser consolidados, haja vista que diversas pesquisas permaneciam sendo conduzidas com evidente violação aos direitos e à dignidade dos pacientes.

Nesse contexto, a Associação Médica Mundial (AMM) na 18ª Assembleia Médica Mundial – realizada em Helsinque, na Finlândia, tendo por base os preceitos do Código de Nuremberg, aliados aos princípios basilares da Declaração de Genebra (1948) 82 – lançou, em 1964, a primeira versão da Declaração de Helsinque sobre “Os princípios éticos para a pesquisa médica envolvendo seres humanos”83.

81 “O que denota esse entendimento e mostra-se extremamente importante é o fenômeno totalitário

em si – como fenomena (aquilo que se mostra, revela ou manifesta consciência) – que não ocorre apenas no plano político, podendo surgir, como todas ou algumas das suas características, em qualquer atividade humana que pressuponha a possibilidade de uma imposição total, de conceitos e de valores, independendo de qualquer dependência ou participação da sociedade em que se manifesta” (GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da responsabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 71).

82 A Declaração de Genebra foi aprovada pela Assembleia Geral da Associação Médica Mundial em

Genebra, 1948, sofrendo alterações em 1968, 1984, 1994, 2005 e 2006. A declaração foi concebida como uma revisão modernizadora dos preceitos morais do Juramento de Hipócrates e tem sido utilizada em vários países na solenidade de recepção aos novos médicos inscritos na respectiva

Ordem ou Conselho de Medicina. Disponível em:

<http://www.anm.org.br/conteudo_view.asp?id=1178&descricao=Hist%C3%B3rias+da+Associa%C3% A7%C3%A3o+M%C3%A9dica+Mundial>. Acesso em: 25 abr. 2016.

83 Associação Médica Mundial. Declaração de Helsinque I. Disponível em:

Tendo em vista as reuniões anuais realizadas pela AMM, a Declaração de Helsinque passou por 7 revisões (1975, 1983, 1989, 1996, 2000, 2008 e 2013) além de duas notas de esclarecimentos (2002 e 2004). A última versão da Declaração é fruto da 64ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, realizada no Brasil, na cidade de Fortaleza, em outubro de 2013.

A Declaração de Helsinque é considerada referência ética mundial para a condução de pesquisas com seres humanos. O texto original consolidou os preceitos trazidos pelo Código de Nuremberg, consagrando cinco princípios para a condução de pesquisas clínicas.

• A pesquisa clínica deve se adaptar aos princípios morais e científicos que justificam a pesquisa médica e ser baseada em experiências de laboratório e com animais ou em outros fatos cientificamente determinados

• A pesquisa clínica deve ser conduzida somente por pessoas cientificamente qualificadas e sob a supervisão de alguém medicamente qualificado

• A pesquisa não pode ser legitimamente desenvolvida a menos que a importância do objetivo seja proporcional ao risco inerente à pessoa exposta

• Todo projeto de pesquisa clínica deve ser precedido de cuidadosa avaliação dos riscos inerentes em comparação aos benefícios previsíveis para a pessoa exposta ou para outros

• Precaução especial deve ser tomada pelo médico ao realizar a pesquisa clínica na qual a personalidade da pessoa exposta é passível de ser alterada pelas drogas ou pelo procedimento experimental.84

A essencialidade do consentimento livre e esclarecido dos participantes permaneceu como base de todo e qualquer estudo clínico, além da responsabilidade do médico na preservação da vida e da integridade física dos participantes das pesquisas.

84 Associação Médica Mundial. Declaração de Helsinque I. Disponível em:

Conforme já mencionado, diversas revisões foram realizadas ao longo dos anos, com a finalidade de adequar os parâmetros éticos à realidade vivenciada no campo científico. Na revisão de 1975 85, entre outras alterações, foi contemplada a ampliação da segurança dos participantes, determinando que os estudos a serem realizados, além de previamente testados em animais, deveriam ter o amparo da literatura científica, devendo toda a responsabilidade dos estudos recair sob o médico investigador.

O conceito de participantes passou a considerar, além das pessoas enfermas, os voluntários sadios. Ficou estabelecida a submissão prévia de um protocolo de pesquisa, com a descrição do projeto de estudo, às comissões de éticas independentes. Para fins de publicação, ficou consagrada a responsabilidade do investigador pela exatidão dos dados, sendo vedada a publicação de estudos realizados fora dos parâmetros éticos. Foi determinada, ainda, a superioridade dos interesses dos participantes aos interesses da ciência e da sociedade, sendo dever dos pesquisadores a garantia da privacidade, da saúde e da integridade física e psíquica dos participantes. E, por fim, acrescentou- se a preocupação com o com o meio ambiente e com o bem-estar dos animais utilizados nas pesquisas pré-clínicas.

Na Declaração de Helsinque III de 1983, foi acrescentada a necessidade de concessão de consentimento por parte das crianças “sempre que a criança for de fato capaz de dar seu consentimento, este deve ser obtido em acréscimo àquele fornecido pelo seu guardião legal”86. Na revisão de 1989 (Declaração de Helsinque IV), tendo em vista a preocupação crescente com o poder econômico e político das indústrias farmacêuticas – principais patrocinadoras de pesquisa clínica –, acrescentou-se a necessidade de submissão prévia dos projetos aos comitês de ética87 em pesquisas independentes, enfatizando-se, porém, que essa independência se daria tanto em relação ao pesquisador quanto ao patrocinador.

85 Associação Médica Mundial. Declaração de Helsinque II. Disponível em:

<https://www.ufrgs.br/bioetica/helsin2.htm>. Acesso em: 25 abr. 2016.

86 Associação Médica Mundial. Declaração de Helsinque III. Disponível em:

<https://www.ufrgs.br/bioetica/helsin3.htm>. Acesso em: 25 abr. 2016.

87 Os primeiros Comitês de Ética em Pesquisa brasileiros foram criados pelo Conselho Nacional de

Saúde somente em 1996. Disponível em:

<http://conselho.saude.gov.br/docs/doc_ref_eticapesq/cadernos%20conep%207.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2016.

Mesmo diante das diretrizes éticas estabelecidas pela Declaração de Helsinque, muitos estudos continuavam a ser realizados em condições preocupantes do ponto vista ético. Essa preocupação recaiu, principalmente, em relação às populações economicamente vulneráveis, ou seja, sobre os indivíduos dos países em desenvolvimento.

Para elucidar melhor a pertinência da preocupação da comunidade bioética, vale destacar que, ao final do século XX, foi realizado um estudo clínico com a droga AZT88 em mulheres africanas grávidas e portadoras do vírus HIV. A população teste chegou ao total de 17 mil participantes. O estudo visava analisar se um tratamento de curta duração (mais barato que o existente até então) já seria efetivo para inviabilizar a transmissão do vírus ao bebê.

Apesar de no país patrocinador da pesquisa já existir um tratamento eficiente em reduzir a transmissão em cerca de 75% dos casos, os ensaios conduzidos na África, na Ásia e mesmo na América Latina (República Dominicana) utilizaram grupos-controle tratados com placebo89, 90..A população foi dividida em dois grupos. Um grupo observacional com a administração do tratamento teste; o segundo grupo que, em tese, deveria receber o tratamento de longa duração para fins de comparação (grupo controle).

Entretanto, por avaliação de custos, em vez do grupo controle receber o tratamento de longa duração, foi administrado placebo, ou seja, substância isenta de efeitos terapêuticos. Dessa forma, a maioria dos bebês que nasceu do grupo controle, sem administração de substância ativa, era portadora do vírus HIV. Obteve-se como resultado que o tratamento curto era 50% menos eficaz que o tratamento longo, porém, 50% mais eficaz que a isenção de tratamento. 91

88 Princípio ativo do AZT, a zidovudina, é atualmente o agente inicial de escolha para o tratamento da

infecção por HIV em pacientes com contagem de CD4 inferiores a 500/mm3. Informações retiradas da bula no medicamento.

89 Placebo é a formulação sem efeito farmacológico, administrada ao participante do ensaio clínico

com a finalidade de mascaramento ou de ser comparador (Definição RDC 9/2015 Anvisa).

90 GARRAFA, Volnei; LORENZO, Claudio. Helsinque 2008: redução da proteção e maximização de

interesses privados. Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 55, n. 5, p. 514, set/out.2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ramb/v55n5/10.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2016.

91 CAPONI, Sandra. A biopolítica da população e a experimentação com seres humanos. Revista Ciência & Saúde Coletiva, n. 9, v. 2, abril-jun., 2004, p. 451.

A não observância da Declaração de Helsinque demonstrou o surgimento de um relativismo ético em relação às populações de países pobres e negligenciados92. Nas palavras de Márcia Angell, “os pesquisadores violaram os princípios de Helsinque e demonstraram possuir um desprezo desumano pelo bem dos pacientes”93. O uso desregrado do placebo ocasionou mortes desnecessárias e

injustificáveis, evidenciando a permanência do desprezo pelo ser humano em prol dos interesses científicos e econômicos das indústrias do ramo.

Nessa época, em conjunto com o advento de um relativismo ético, surgiu o chamado double standard de pesquisa. Considerar a existência de um double

standard de pesquisa significa afirmar que em países ricos, onde exista legislação

rígida sobre pesquisa clínica, a Declaração de Helsinque e os padrões éticos devem ser rigorosamente respeitados. Enquanto, por outro lado, em países pobres, em desenvolvimento, com população vulnerável sem acesso aos medicamentos, as pesquisas podem ser realizadas mediante infração ética, a qual jamais ocorreria no país desenvolvido.94

A expressão ‘double standard’ referida às pesquisas clínicas surgiu no contexto científico internacional a partir de dois estudos patrocinados pelo National Institute of Health (NIH) dos Estados Unidos da América do Norte (EUA) e publicadas no final dos anos 1990, gerando acalorados debates por todo mundo.95

92 Para complementar, Garrafa e Lorenzo (2004) afirmam: “Menos de um ano depois deste episódio,

outra pesquisa sobre HIV/AIDS desenvolvida em países pobres voltou a gerar fortes polêmicas. O projeto foi desenvolvido com o objetivo de delinear os fatores de risco associados à transmissão heterossexual do HIV-Tipo 1, buscando determinar se doenças sexualmente transmissíveis aumentavam o risco de infecção pelo vírus 17 e a relação entre carga viral e transmissão heterossexual do HIV-1 18. Neste estudo, centenas de pessoas com HIV foram observadas sem tratamento durante até 30 meses, além de que o estudo não proporcionou informações precisas aos participantes. Vale ressaltar que estudos deste tipo são geralmente aprovados por comitês de revisão ética tanto do país onde se realiza a pesquisa como no país que os patrocina”.

93 GARRAFA; LORENZO, Revista da Associação Médica Brasileira, 2004, p. 514. 94 Id.

A questão passou a ser conhecida como “a questão do duplo standard”96, contando com diversos argumentos contrários e favoráveis ao possível relativismo

ético. Em defesa do relativismo ético, apresentaram-se argumentos afirmando que

os padrões éticos humanos não são absolutos e devem levar em conta o contexto social e econômico dos países onde são realizados. Considerando que a pesquisa clínica a ser realizada em países pobres com população vulnerável tende a ser um benefício à população sorteada para receber o tratamento, os demais indivíduos – grupo placebo – permaneceriam no estado a que seu país os relega, ou seja, sem tratamento.97

Tal posicionamento, além de representar apenas interesses privados e capitalistas das instituições patrocinadoras de estudos clínicos, configura o retrocesso de todas as conquistas até então alcançadas pela Declaração de Helsinque na defesa da universalização dos direitos humanos em pesquisa clínica. Nas palavras de Marcia Angell: “Os padrões éticos não devem depender de onde a pesquisa é realizada e os investigadores assumem ampla responsabilidade pelo bem-estar dos sujeitos inscritos em seus estudos – responsabilidade análoga à dos estudos clínicos”98.

Diante desse cenário, muito se preocupou com os argumentos apresentados para flexibilização da Declaração de Helsinque, os quais perderam as razões técnicas para se respaldarem em questões econômicas apenas99. Na alteração da Declaração de Helsinque de 1996100, foi regulamentado o uso do placebo a fim de evitar que pessoas tivessem seus tratamentos negligenciados, limitando-se, portanto, o uso de placebo apenas para casos em que não existam métodos diagnósticos ou terapêuticos comprovados.101

96 GARRAFA; LORENZO, Revista da Associação Médica Brasileira, 2004, p. 514. 97 GARRAFA; PRADO. Revista Bioética, 2007, p. 11-25.

98 ANGELL, Marcia apud GARRAFA; PRADO. Revista Bioética, 2007, p. 16.

99 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. O Código Civil brasileiro na pesquisa com seres humanos. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 116-146, jul./out., 2015.

100 Associação Médica Mundial. Declaração de Helsinque V. Disponível em:

<https://www.ufrgs.br/bioetica/helsin5.htm>. Acesso em: 25 abr. 2016.

101 Em qualquer estudo médico deve ser garantido o melhor método corrente de diagnóstico e terapia

para cada paciente - incluindo os do grupo-controle, se houver esse grupo no estudo. Isto não exclui o uso de placebos inertes em estudos onde não existam métodos diagnósticos ou terapêuticos comprovados (Declaração de Helsinque V)

A Declaração de Helsinque, novamente revisada em 2000, deu origem a sua quinta versão. Mesmo diante da permanência das pressões relacionadas ao uso do placebo, visando permiti-lo nos países onde não existiam métodos diagnósticos ou terapêuticos comprovados, bem como as tentativas camufladas das indústrias farmacêuticas americanas na flexibilização dos standards éticos102, a nova versão manteve a mesma diretriz ética anterior em relação ao uso do placebo: manteve a proibição de seu uso quando existentes métodos diagnósticos ou terapêuticos comprovados em qualquer país.

Em 2004, na 55ª Assembleia Médica Mundial realizada em Tóquio, a pressão contra as diretrizes éticas da Declaração de Helsinque aumentou e foram reiterados argumentos já suscitados nas reuniões anteriores desde 2000. Os argumentos recaiam, principalmente, contra os seguintes pontos da Declaração:

Recordando: o ponto 19, refere que a pesquisa só se justifica se houver expectativa de que a população envolvida seja beneficiada pelos resultados; o 29 define que a utilização do placebo em grupos- controle somente se justifica quando não houver tratamento eficaz conhecido para o problema em estudo; e o 30 diz respeito ao compromisso de que ao final do estudo todos os participantes devem ter assegurado o acesso aos melhores métodos comprovados profiláticos, diagnósticos e terapêuticos identificados na pesquisa.103

Diante da resistência internacional para a flexibilização das diretrizes éticas descritas, os Estados Unidos da América (EUA) retiraram a sua adesão à Declaração de Helsinque. As pesquisas norte-americanas passaram a ser guiadas pelas Guidelines for Good Practice (GCP) e pelas normas internas do país.104 A agência Food and Drug Administration (FDA) permitiu, portanto, a condução de ensaios clínicos com o uso do placebo em vez do uso comparativo com o melhor padrão de cuidado médico existente.105

102 GARRAFA; PRADO. Revista Bioética, 2007, p. 18. 103 Ibid., p. 19.

104 KOTTOW, Miguel. De Helsinque a Fortaleza: una Declaración dessangrada. Revista Bioética.

Brasília, v. 22, n. 1, p. 28-33, abril, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-80422014000100004>. Acesso em: 25 abr. 2016.

105 SOUSA, Maria Sharmila A.; FRANCO, Mirian; MASSUD FILHO, João. A nova declaração de

Helsinque e o uso de placebo em estudos clínicos no Brasil: a polêmica continua. Revista de

Em outubro de 2008, finalmente, na 59ª Assembleia Anual da AMM, realizada em Seul, na Coréia, as mudanças para a flexibilização das diretrizes éticas foram contempladas. A Declaração de Helsinque de 2008, entre outras alterações106, flexibilizou o uso do placebo, fato este que gerou grande controvérsia internacional e trazendo maiores implicações para a proteção e a defesa dos interesses das populações socialmente vulneráveis.107

A nova redação autorizou nova hipótese para o uso do placebo, que passou a ser permitido não apenas quando “não existir comprovadamente melhor intervenção”, mas também quando “houver razões metodológicas convincentes e cientificamente sólidas para o uso do placebo e sendo que os que receberem o placebo não estarão sujeitos a nenhum risco de dano sério ou irreversível”.

Subsequentemente, a AMM aprovou a sexta revisão da DoH em Seul (2008), cujas mudanças notadamente importantes quanto ao parágrafo 32, responsável por lidar com o conturbado assunto dos placebo-controles, corroboraram para cristalizar tal polêmica. A resposta da AMM a tais pressões de contextualização de sua norma ética ao padrão atual de desenvolvimento e produção científica industrial farmacêutica foi de que agora a nova intervenção experimental deverá ser testada contra a ‘comprovadamente melhor intervenção existente’, exceto quando não existir esta comprovadamente melhor intervenção, ou quando houver razões metodológicas convincentes e cientificamente sólidas para o uso do placebo e sendo que os que receberem o placebo não estarão sujeitos a nenhum risco de dano sério ou irreversível.108

As novas alterações causaram grande repercussão nos países Latino- americanos, especialmente no Brasil, que se posicionou contrário às alterações da 6ª versão da Declaração de Helsinque.109 A Rede Latino-americana e do Caribe de Bioética da Unesco (Redbioética) aprovou a Declaração de Córdoba sobre Ética nas Pesquisas com Seres Humanos que propôs a países, governos e organismos dedicados à bioética e aos direitos humanos rechaçar a 6ª versão da Declaração de

106 Além da alteração em relação ao uso do placebo, a Declaração de Helsinque de 2008 reconheceu

a vulnerabilidade não só dos indivíduos, mas das populações que participam das pesquisas, determinando a consulta prévia aos líderes dessas comunidades; regulamentou os biobancos e biorrepositórios; determinou a publicação de todos os estudos, inclusive dos inconclusivos, em banco de dados público.

107 GARRAFA; LORENZO. Revista da Associação Médica Brasileira, 2004, p. 517. 108 SOUSA; FRANCO, MASSUD FILHO. Revista de Medicina, 2012, p. 178-88. 109 TOMASEVICIUS FILHO. Revista de Direito Sanitário, 2015, p. 123.

Helsinque, sugerindo a condução das pesquisas clínicas nos termos da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos110 da Unesco.111

O Conselho Federal de Medicina (CFM) se posicionou contrário às alterações realizadas na Declaração e, através da Resolução 1.885/2008112, impôs limitações éticas aos médicos brasileiros quanto ao uso de placebo, proibindo expressamente a participação do profissional médico nos ensaios clínicos com uso de placebo quando houver tratamento efetivo para a doença pesquisada.113

Considerando o decidido na Assembleia Geral de 2008 da Associação Médica Mundial, realizada nos dias 15 a 18 de outubro, em Seul – Coreia do Sul, que alterou o artigo 29 da Declaração de Helsinki, permitindo o uso de placebo mesmo havendo tratamento reconhecidamente eficaz, por razões metodológicas; Considerando não haver evidências científicas que justifiquem a complacência ética adotada no uso de placebo pela alteração da atual Declaração de Helsinki; Considerando a não aprovação pela representação médica brasileira das alterações propostas para a nova redação do artigo 29 da Declaração de Helsinki (revisão 2004), renumerado para o artigo 32 na Assembleia de Seul, Coreia do Sul; Considerando o decidido em sessão plenária de 23 de outubro de 2008.

Resolve: Art. 1º É vedado ao médico vínculo de qualquer natureza com pesquisas médicas envolvendo seres humanos, que utilizem placebo em seus experimentos, quando houver tratamento eficaz e efetivo para a doença pesquisada.114

110 Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. Disponível em:

<http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2016.

111 GARRAFA; LORENZO. Revista da Associação Médica Brasileira, 2004, p. 517.

112 Posicionamento reiterado pela Resolução 1.931/2009 (CFM) que aprovou o Código de Ética

Médica.

113 SCHLEMPER JUNIOR, Bruno Rodolfo. O placebo e a Declaração de Pachuca: letras mortas? Revista de bioética (Impr.), 2014, n. 22, v. 3, p. 462-70.

114 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.885, de 23 de outubro de 2008.

Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2008/1885_2008.htm>. Acesso em: 26 abr. 2016.

Em outubro de 2013, na cidade de Fortaleza, no Ceará, com o advento da 64ª Assembleia Geral da AMM, consagrou-se a sétima e última revisão da Declaração de Helsinque115. Entre as alterações, foram definidas: (i) encorajamento dos profissionais de outras áreas à adesão dos princípios dispostos na Declaração; (ii) apresentação de relatórios finais (ao final dos estudos) aos Comitês de Ética; (iii) substituição do termo “populações” para “ grupos”; e, por fim, e mais controvérsia (v) permissão do uso de intervenção menos efetiva que a mais bem comprovada nos grupos controle, ressalvada a necessidade de cuidados e atenção a possível exposição a riscos adicionais por não recebimento da intervenção mais adequada.116

A última alteração tornou-se objeto de grande polêmica. Há tempo as flexibilizações relacionadas ao uso do placebo e das substâncias administradas aos grupos-controle vinham causando desconforto às comunidades médicas brasileiras. O Conselho Federal de Medicina (CFM) apresentou críticas veementes sobre as alterações realizadas.117

No mesmo ano, em novembro de 2013, a Confederação Médica Latino- Americana e do Caribe (Confemel) – entidade médica não governamental criada em 1997, sem fins lucrativos, com o objetivo, entre outros, de atuar a favor da saúde das populações, do ponto de vista humano, científico, tecnológico e político, composta