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DIREITO À SAÚDE COMO DIREITO HUMANO: SISTEMA INTERNACIONAL

PARTE II – O FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA PESQUISA CLÍNICA DE

CAPÍTULO 4 – DO DIREITO À SAÚDE 77

4.3 DIREITO À SAÚDE COMO DIREITO HUMANO: SISTEMA INTERNACIONAL

O reconhecimento do direito à saúde na ordem internacional no patamar de direitos humanos enfrentou um trajeto histórico que influenciou, posteriormente, as constituições nacionais dos países. Tal reconhecimento se deu efetivamente com a DUDH de 1948. Entretanto, desde 1902, reconhece-se a existência do escritório Pan-Americano de Saúde, considerado a organização internacional mais antiga de saúde, posteriormente sucedido pelo Comitê Sanitário Internacional, responsáveis pela contenção de epidemias mundiais como a cólera e a praga.185

Nessa época, todavia, o conceito de saúde ainda estava restrito ao paradoxo saúde-doença. Apenas em 1944, com o Presidente Franklin D. Roosevelt, o direito à saúde foi reconhecido publicamente como uma liberdade fundamental para a existência dos seres humanos, o que se deu com a publicação da Second Bill

of Rights dos Estados Unidos da América: “Among these are: […] The right to

adequate medical care and the opportunity to achieve and enjoy good health”186, 187. Porém, a partir da criação da OMS, em 1946, que o direito à saúde começou a ser delineado como direito fundamental dos seres humanos. O documento de sua constituição dispôs, já no preâmbulo, a quebra do paradigma de saúde como oposto de doença, concedendo ao direito à saúde amplitude e patamar de direito humano fundamental.

185 ESQUIVEL. Carla Liliane Esquivel; Friedrich Tatyana Scheila. A gênese da Globalização da saúde

e a internacionalização do direito à saúde. Revista de direito sanitário, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 46- 67, nov. 2014/fev. 2015, p. 51.

186 US History. Disponível em: <http://www.ushistory.org/documents/economic_bill_of_rights.htm>.

Acesso em: 08 jun. 2016.

187 Tradução nossa: “Entre elas estão: O direito à assistência médica adequada e a oportunidade de

A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social. A saúde de todos os povos é essencial para conseguir a paz e a segurança e depende da mais estreita cooperação dos indivíduos e dos Estados.

Os resultados conseguidos por cada Estado na promoção e proteção da saúde são de valor para todos.

O desigual desenvolvimento em diferentes países no que respeita à promoção de saúde e combate às doenças, especialmente contagiosas, constitui um perigo comum.

O desenvolvimento saudável da criança é de importância basilar; a aptidão para viver harmoniosamente num meio variável é essencial a tal desenvolvimento.

A extensão a todos os povos dos benefícios dos conhecimentos médicos, psicológicos e afins é essencial para atingir o mais elevado grau de saúde.

Uma opinião pública esclarecida e uma cooperação ativa da parte do público são de uma importância capital para o melhoramento da saúde dos povos.

Os Governos têm responsabilidade pela saúde dos seus povos, a qual só pode ser assumida pelo estabelecimento de medidas sanitárias e sociais adequadas.

Aceitando estes princípios com o fim de cooperar entre si e com os outros para promover e proteger a saúde de todos os povos, as partes contratantes concordam com a presente Constituição e estabelecem a Organização Mundial da Saúde como um organismo especializado, nos termos do artigo 57 da Carta das Nações Unidas.188

Em seguida, em 1948, foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU a DUDH, que delineou, além do direito à saúde, diversos direitos e liberdades individuais e sociais, em especial, a consagração do ideal de dignidade humana.

188 Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organização-Mundial-da-

No mesmo viés, e também de suma importância, surgem dois diplomas internacionais, firmados na esfera ONU, que corroboraram com a consolidação dos direitos humanos no âmbito internacional, o Pacto Internacional sobre os Direitos

Civil e Políticos (PIDCP)189, relacionado a proteção de direitos individuais, e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)190,

direcionado aos Estados. Ambos, além de outras diversas disposições, sustentam o bem-estar social e a melhoria nas condições de vida, incluindo a saúde e a medicalização, como direitos humanos fundamentais.

Existem, além do DUDH, PIDCP e do PIDESC, diversos outros diplomas internacionais que versam e consagram o direito à saúde na categoria de direito humano, como, por exemplo: a Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1965), Declaração de Alma-Ata (1978), Convenção de Discriminação contra as Mulheres (1979), Carta de Ottawa para promoção da saúde (1986), Convenção dos Direitos das crianças ( 1989), Carta Social Europeia e Carta Africana de Direitos dos Homens e dos Povos ( 1981), Protocolo adicional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988), Declaração de Conferência Internacional de Promoção da Saúde (1992), Declaração de Viena na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (1993), Carta do Caribe para promoção da Saúde (1993), Protocolo de Cartagena (2000), além do Regulamento Sanitário Internacional, entre outros.

É importante destacar, nesse sentido, o Comentário Geral 14 sobre o direito à saúde, elaborado pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que tece os aspectos importantes sobre o art. 12 do PIDESC. Nesse documento, foram explicadas as dimensões do direito à saúde, estabelecendo que este direito compreende o usufruto de instalações, bens, serviços, hospitais, clínicas, ambiente de trabalho saudável, supondo a acessibilidade física, econômica e informativa a todos os bens e os serviços de saúde. Além disso, estabeleceu a garantia de qualidade médica e científica.191

189 Pacto Internacional sobre os Direitos Civil e Políticos. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm>. Acesso em: 8 jun. 2016.

190 Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Acesso em: 8 jun. 2016.

191 RAPOSO, Vera Lucia. Direito à Saúde e Qualidade dos Medicamentos. São Paulo: Almedina,

Nesse documento, a amplitude do conceito do direito à saúde, no que tange especialmente a assistência farmacêutica e acessibilidade a medicamentos, evidencia que não basta a simples acessibilidade aos medicamentos, mas sim a acessibilidade à fármacos que possuem eficácia, qualidade e segurança atestadas. Evidencia-se, portanto, a necessidade de se evitar a entrada no mercado de medicamentos que não satisfaçam elevados padrões de qualidade.

É nesse contexto que diplomas internacionais também relacionados a pesquisa clínica e desenvolvimento farmacêutico ganham importância na proteção e na concretização do direito à saúde no âmbito internacional, como os já mencionados: Declaração de Helsinque, Good Clinical Reserach Practice (GCP) e Declaração de Pachuca.

Destaca-se, ainda, a relevância da Organização Mundial do Comércio (OMC) e sua constante regulação dos acordos multilaterais relacionados ao comércio, principalmente o de produtos de interesse da saúde, como os medicamentos, por exemplo.

Reconhece-se essa relevância, principalmente no que tange ao Acordo

sobre os Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio

(TRIPS) que dispõe, além de outros aspetos de propriedade intelectual, sobre as patentes dos produtos de saúde, inclusive farmacêuticos. Posteriormente, a Declaração de Doha concedeu interpretação ao TRIPS, estabelecendo que toda e qualquer interpretação desse diploma internacional deve ser direcionada para a proteção da saúde pública e a viabilização do acesso aos medicamentos, demonstrando, mais uma vez, a importância da saúde como direito humano universal.

3. Reconhecemos que a proteção à propriedade intelectual é importante para a produção de novos medicamentos. Reconhecemos, ainda, as preocupações com seus efeitos sobre os preços.

4. Concordamos que o acordo TRIPS não impede medidas de proteção à saúde pública. Desse modo, ao mesmo tempo que reiteramos nosso compromisso com o Acordo TRIPS deve ser interpretado para a proteção da saúde pública e viabilização do acesso aos medicamentos.192

192 Acordo sobre os Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio

Evidentemente não se mostrou possível esgotar, no presente capítulo, todos os diplomas internacionais que versam sobre saúde. Entretanto, os principais mencionados já demonstram a caracterização do direito à saúde como direito humano.

4.4 DIREITO À SAÚDE: NORMA DE CONTEÚDO JURÍDICO OBJETIVO-