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5 O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO E

5.6 O DIREITO (DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA) À EDUCAÇÃO

5.6.4 O falso dilema escola comum versus escola especial

O pano de fundo do cenário no qual são postos os casos aqui agrupados é resultante da história dos modos de compreender e tratar a questão da deficiência no curso do tempo pelas sociedades humanas, durante a qual se justificaram práticas excludentes, segregacionistas, posteriormente “aprimoradas” como tratamento “científico” especializado e de inclusão social das pessoas com deficiência, sendo certo que tais práticas que se antagonizam não se sucedem, mas sim convivem conflituosamente no tempo e no espaço social.

Daí emerge o debate, em certa medida ideologizado, que na maioria das vezes finda por contrapor como inconciliáveis e incompatíveis as instituições de ensino do sistema regular em face das instituições especializadas de assistência e educação às pessoas com deficiência. Ou seja, a controvérsia sobre os meios termina por olvidar o fim que, no caso, é precisamente a efetiva garantia do direito fundamental social à educação às pessoas com deficiência. Mais grave ainda: a peleja no plano teórico desconsidera que em muitos casos concretos ao interessado não é dada oportunidade para fazer sua escolha, pois não tem diante de si opções mas tão somente uma alternativa, conforme parecem confirmar os casos a seguir descritos.

É preciso ainda de saída reiterar (ver capítulo 3) os tópicos antecedentes deste capítulo que o direito das pessoas com deficiência (à educação) não se restringe no ordenamento jurídico brasileiro ao Atendimento Educacional Especializado (art. 208, III, CF/88), mas sim compreende todas as facetas da sua conformação constitucional assentada a partir de uma premissa universalista (direito

105 Para uma compreensão alargada do problema remetemos às considerações insertas no capítulo

de todos) e universalizante (deve perseguir a concretização do paradigma do sistema educacional inclusivo).

a) Aos 07 de abril de 2011 foi autuado no STF o RE 638.660/SP, interposto

pelo Município de São Paulo-SP contra Acórdão do Tribunal de Justiça paulista que chancelou sentença de 1º grau que acolheu pretensão exposta em ação civil pública manejada pelo Ministério Público e por consequência impôs ao ente federativo assegurar a menor portador de necessidades especiais a matrícula e frequência em estabelecimento apropriado ao atendimento de sua condição peculiar, fixando multa em desfavor da Fazenda Pública na hipótese de inadimplemento da obrigação objeto do provimento jurisdicional.

Aos 16 de abril de 2012 decisão monocrática confeccionada pelo Min. Ayres Britto negou seguimento ao RE justificando sua decisão com as assertivas de inocorrência de violação ao princípio constitucional da separação de poderes, a plena eficácia das disposições constitucionais atinentes ao direito fundamental social à educação, a relação que se estabelece entre a concretização do direito e o desenvolvimento individual e social, com a cidadania e com dignidade humana, e ainda relativa à viabilidade da cominação de astreintes contra a Fazenda Pública por descumprimento de obrigação de fazer. Registro que uma investigação pormenorizada da fundamentação da decisão será empreendida no tópico 5.6.6 infra.

b) Aos 14 de março de 2012, foi protocolado no STF o RE tombado sob o nº

676.794/SP interposto pelo Município de São Paulo/SP contra Acórdão do TJSP que confirmara sentença que acolheu pleito objeto de ação civil pública para impor ao recorrente a garantia de atendimento educacional especializado em favor de menor com deficiência, cominando multa em caso de descumprimento.

Aos 21 de outubro de 2015, decisão monocrática do Min. Gilmar Mendes negou seguimento ao RE assentando a inocorrência de violação ao princípio da separação de poderes, a inviabilidade da oposição da cláusula da reserva do possível em face da proteção do núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais tutelados e a possibilidade de imposição de multa em detrimento da Fazenda Pública.

manejado pelo Estado de Minas Gerais contra Acórdão do Tribunal de Justiça Estadual que confirmou provimento jurisdicional de 1º grau que impôs ao recorrente assegurar vaga em instituição de ensino especial, integrante da rede pública estadual de educação, de menor com necessidades educacionais especiais, considerando as especificidades da deficiência do interessado e a inadequação das escolas comuns da rede pública estadual para atendê-lo, sustentando o irresignado ente federativo violação à regra geral da inserção de alunos com deficiência nas escolas da rede regular de ensino que teria sido inserta em nossa ordem constitucional pela Convenção de Nova York.

Aos 30 de maio de 2016 foi proferida decisão monocrática da lavra do Min. Marco Aurélio que, ao desprover o agravo enfrentou diretamente o falso dilema escola comum versus escola especial assentando que o que deve nortear o equacionamento de casos concretos na matéria é precisamente a consideração do melhor interesse do individualizado titular do direito fundamental social à educação, sendo importante trazer à colação o seguinte fragmento:

[…], conquanto não se olvide acerca da relevância da argumentação veiculada pelo Estado de Minas Gerais no sentido de que a educação, objetivando maior inclusão, deve, como regra, ser prestada junto ao sistema regular de ensino, necessário adentrar às particularidades do quadro clínico do menor e averiguar a medida se afigura mais proveitosa, ou seja, qual vai ao encontro do seu melhor interesse. Segundo relatório médico acostado a f. 19 dos autos o menor J.W.R.O. tem perda auditiva profunda e bilateral, tendo o próprio médico filiado ao SUS sugerido a inclusão em escola especial. Diante do referido quadro, necessário destacar a regra que com tanto afinco se apega o Estado de Minas Gerais, segundo a qual "Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais", (art. 58, Caput, da Lei 9.394/96, de Diretrizes e Bases da Educação). Diante do texto normativo aduzido cumpre destacar que semanticamente e, principalmente, juridicamente, ao termo "preferencialmente", só pode ser emprestado um sentido, qual seja, aquele de indicar que a medida será adotada quando se mostrar consoante ao melhor interesse do menor e não para facultar ao ente público, na seara dos direitos fundamentais sociais, prestações positivas menos onerosas, em escancarada violação à proibição do retrocesso social no que diz respeito aos direitos fundamentais. [...] Ora, na escola especial, decerto, referida diretriz será observada. Por isto, o pleito autoral apenas perderia força acaso demonstrado que a educação regular, nos moldes que se propõe a oferecer o Estado de

Minas Gerais, viabilizaria a alfabetização na linguagem adequada às suas limitações, tal qual a existência de professor de língua de sinais, (art. 24, 4, da Convenção das Pessoas com Deficiência), providência nem de longe demonstrada pelo Estado de Minas Gerais que prefere, levianamente, adulterar o conteúdo semântico da expressão preferencialmente utilizada pelo legislador federal, para emprestar- lhe o sentido de óbice legal à existência de escolas especiais. As razões do extraordinário partem de pressupostos fáticos estranhos à decisão atacada, buscando-se, em última análise, o reexame dos elementos probatórios para, com fundamento em quadro diverso, assentar a viabilidade do recurso. 3. Conheço do agravo e o desprovejo.

d) Aos 18 de maio de 2016 foi protocolado no STF o ARE 971.265/RJ

interposto por J. S. de A. E. contra Acórdão da Quinta Turma Especializada do TRF da 2ª Região que ao prover parcialmente apelação e remessa necessária acolheu em parte pretensão indenizatória relativa a danos materiais e desacolheu integralmente pleito de indenização por danos morais pretendidos pelo irresignado cidadão em face de autarquia federal (Colégio Pedro II), instituição integrante do sistema federal de ensino, que lhe havia negado matrícula por motivo de sua condição de pessoa com deficiência.

Aos 30 de maio de 2016 foi negado seguimento ao recurso por decisão monocrática da lavra do Min. Dias Toffoli em razão da inviabilidade do reexame dos fatos e provas constantes dos autos nos termos do enunciado nº 279 da Súmula do STF. Interessa colacionar fragmento da decisão que invocou considerações expostas no voto condutor do acórdão da 5ª T do TRF-2ª Região:

Concernente ao dano moral, em que pese constatado o ato discriminatório perpetrado pela instituição educacional, evidenciando falha na prestação do serviço público, assim como as tristes consequencias que a doença trouxe a vida do Autor, não verifico a configuração do mesmo na hipótese vertente. […] Ressalte-se, contudo, que a negativa de matrícula narrada, por si só, não é apta a gerar a pretendida indenização por danos morais ao Autor; necessário seria a ocorrência de algum fato em concreto que pudesse vir a macular sua honra, situação que não restou configurada, mormente porque inexistem nos autos elementos que caracterizem situação vexatória e humilhante ao Autor. O dano extrapatrimonial não pode ser confundido com os aborrecimentos próprio da complexidades das relações sociais, mas, apenas, caracterizado quando há o constrangimento ilegal ou abusivo do indivíduo, capaz de interferir de forma intensa em seu bem-estar, causando desequilíbrio psicológico e emocional. Veja-se que,

embora a inicial relate ter o Autor passado por trauma psíquico em razão da discriminação sofrida, nenhuma prova a respeito veio aos autos, sequer ficou demonstrado que o Autor tinha ciência da negativa do Colégio Pedro II, na época, quando contava com dez anos de idade; muito pelo contrário, o Autor demonstrou ótima adaptação no novo colégio (Santa Rita), tendo avaliação cima da média, não havendo repercussão aparente em sua vida social. Desse modo, a míngua de elementos de prova a embasar o dano alegado, não é conseqüência, a indenização vindicada.

Por fim, interessa ainda salientar da narrativa fática esboçada na decisão do ARE nº 971.265/RJ a circunstância de que, quando a autarquia federal educacional negou-se a matricular a então criança com deficiência, por considerar que em razão de sua deficiência não lhe seria possível dar conta das demandas próprias do processo de ensino-aprendizagem, esta veio a ser matriculada em uma escola privada comum – ou seja, não especializada no atendimento de alunos com deficiência – onde conseguiu dar seguimento aos seus estudos com reconhecido aproveitamento.

Assim, parece ser razoável supor que a discriminatória negação de matrícula resultou exclusivamente de uma avaliação preconceituosa106 por parte dos gestores

da autarquia federal sobre as condições pessoais do interessado e da própria estrutura material e humana do Colégio Pedro II.

Em outras palavras, o ato discriminatório verificado no caso concreto decorreu direta e principalmente dos obstáculos atitudinais, ao passo que as ponderações respeitantes às barreiras ambientais funcionaram apenas como “justificativas” para a decisão administrativa excludente e, por isso, violadora do direito de amplo acesso não discriminatório às instituições educacionais componentes do(s) sistema(s) – federal, estaduais ou municipais – de ensino regular conferido constitucionalmente às pessoas com deficiência.

106 Consoante Castilho (2006, p. 56): “O preconceito fundamenta a discriminação, isto é, o

tratamento desigual de indivíduos que pertencem a um grupo ou categoria particular. O preconceito, portanto, fundamenta-se em crenças estereotipadas sobre diferenças individuais e coletivas, sejam empiricamente observáveis ou apenas construções imaginárias. Muitas vezes, diferenças são construídas ao longo da história, nas relações sociais e de poder, de modo que o outro possa ser tratado como inimigo, justificando-se desse modo o esforço em dominá-lo. Por isso Gomes (1999) conclui acertadamente que respeitar a diversidade cultural não diz respeito apenas ao reconhecimento do outro que é diferente, mas também à relação entre eu e o outro”.

5.6.5 O comprometimento das instituições privadas do ensino regular com a