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3 A TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, O DIREITO À

3.4 O DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À EDUCAÇÃO

3.4.1 O direito à educação na Constituição de 1988

3.4.1.3 Os princípios, as competências e o planejamento educacionais

As atividades que compõem o processo formativo de ensino em ambiente institucional encontram-se constitucionalmente atreladas a uma principiologia que articula e conforma um sistema de educação escolar constituído por dois subsistemas: público e privado.

À luz das disposições consignadas no art. 206, I a VIII, é possível identificar duas ordens de princípios referentes uma delas ao sistema geral, enquanto a outra incide especificamente ao subsistema público. No tocante ao subsistema privado

39 Consoante Figueiredo (2009, p. 837), por utilitarismo deve ser compreendido um “Conjunto de

teorias (morais, jurídicas, políticas, sociais e econômicas) que, em geral, advoga que nada, entre os seres humanos, é (ou pode ser) mais desejado em si mesmo do que o próprio prazer. Por conseguinte, as construções teóricas relativas à convivência social devem supor que as pessoas têm como finalidade a obtenção do prazer e consequente diminuição (ou eliminação) da dor. […] No campo do Direito, em especial, o utilitarismo manteve, desde o seu nascedouro, vínculos profundos com o sistema de pensamento liberal. A jurisprudência utilitarista assentava-se, em geral, e em última hipótese, na satisfação das aspirações da personalidade dos indivíduos sustentando a proposição segundo a qual os governos existem para proteger e realizar os direitos inalienáveis do homem.”

anote-se mais uma vez que tem por fundamento a liberdade de iniciativa, com os condicionamentos do art. 209, I e II, e deve pautar o seu atuar nas premissas que consubstanciam o sistema geral.

Todas as instituições de ensino devem no seu atuar atender aos princípios da isonomia, liberdade, do pluralismo, da valorização dos profissionais da educação e da garantia de padrão de qualidade (art. 206, I, II, III, V – primeira parte, respectivamente).

O princípio da igualdade, enquanto proposição geral, assume aqui a feição própria da igualdade fática, substancial, pois diretamente dirige-se a propiciar a todos os educandos as condições para o acesso e a permanência na escola.

As liberdades compreendem o respeito, a proteção e à garantia das atividades de aprendizagem, ensino, pesquisa e divulgação do pensamento, da arte e do saber.

A afirmação principiológica do pluralismo permite o respeito e o convívio da multiplicidade de ideias e de concepções pedagógicas, assim como a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino.

A valorização dos profissionais da educação e a garantia de padrão de qualidade do ensino ofertado são mandamentos norteadores dos serviços de ensino pelas instituições educativas. É preciso deixar aqui salientado que a referência constitucional à garantia do padrão de qualidade merece compreensão abrangente e aprofundada. Assim, de acordo com Monteiro (2003, p. 786-7),

[...] direito à educação não é direito apenas à disponibilidade e acessibilidade de uma educação qualquer, avaliada por indicadores meramente utilitários e quantitativos. É, por definição, direito a uma bem determinada qualidade de educação, a uma educação com qualidade ético-jurídica de direito do ser humano, isto é, cujas condições materiais institucionais e pessoais respeitem todo o conteúdo normativo, devidamente interpretado do direito à educação.

No âmbito das instituições que integram o setor público de ensino em todos os níveis da federação, considerando os princípios gerais ora elencados, são erigidas à categoria de princípios a regra geral da gratuidade do serviço público social educacional, quando prestado diretamente por ente público; as garantias de planos de carreira, ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos

e do piso salarial profissional nacional dos profissionais da educação escolar pública (art. 206, IV, V – segunda parte – e VIII, respectivamente.

A concretização do direito universal à educação impõe ao Estado que o disponibilize, torne-o acessível e prime por sua qualidade40, ofertando-o diretamente,

prestando o serviço público educacional; ou indiretamente, particularmente por meio do fomento às iniciativas do terceiro setor e, ainda, diligenciando com desembaraço a regulação, o funcionamento e a avaliação das instituições privadas de ensino.

Considerando a pluralidade de esferas públicas característica de um estado federativo, cuida o texto constitucional de dispor a respeito das competências dos entes federativos e das relações que entre eles serão estabelecidas na persecução da universalização do ensino.

Acentue-se que a temática exige realce por força de uma hipótese e de uma constatação. A primeira emerge da história das constituições brasileiras: a não definição ou a forma imprecisa como os nossos primeiros textos constitucionais cuidaram das competências das esferas central e local (Constituição do Império) e da repartição entre as pessoas políticas (nas primeiras constituições da república) em alguma medida parece ter contribuído para o nosso deficit educacional contemporâneo41. A segunda, uma constatação que parece reforçar a especulação

formulada resulta de pesquisa empreendida por Barcellos (2009) acerca das decisões do Supremo Tribunal Federal nas quais a temática da educação foi enfrentada. Segundo a autora, chama a atenção o número de questões que giram em torno das atribuições dos entes federativos.

Feito o registro, cumpre efetuar a exposição das disposições que fixam as competências da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em tema de educação. Registre-se, inicialmente, competir a todos os entes que integram a federação proporcionar os meios de acesso à educação (competência material comum, art. 23, V). O comprometimento comum impõe a articulação e a cooperação

40 Consoante Monteiro (2003, p. 767), “a especificidade de cada direito reside principalmente no teor

normativo do seu objecto, cujo respeito pode ser avaliado segundo três critérios: disponibilidade, acessibilidade e qualidade. A disponibilidade significa a existência dos recursos materiais, técnicos e pessoais exigíveis. A acessibilidade implica não-discriminação, não-dificuldade de acesso físico e econômico, bem como o acesso à informação pertinente. A qualidade consiste na aceitabilidade ética, cultural e individual, assim como na competência profissional”.

41 Ver Teixeira (2008), sobre as previsões atinentes ao direito à educação nas Constituições do

entre as pessoas políticas de modo a viabilizar o adimplemento das obrigações educacionais.

Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educação (art. 24, IX), enquanto aos Municípios é assegurada a competência legislativa supletiva na matéria (art. 30, II). Cada um dos entes organiza e mantém um sistema de ensino próprio, porém a atuação na área se dá em regime de mútua colaboração perseguindo precipuamente a universalização da educação básica (art. 211, caput e § 4º).

À União são cometidos os seguintes encargos:

 dispor sobre normas gerais da educação nacional (art. 24, IX e § 1º);

 intervir nos Estados ou no Distrito Federal para assegurar a aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 34, VII, e);

 organizar o sistema federal de ensino e o dos territórios (art. 211, § 1º);  financiar as instituições federais de ensino (art. 211, § 1º);

 exercer função redistributiva e supletiva, de modo a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (art. 211, § 1º);

 aplicar anualmente ao menos 18% (dezoito por cento) da receita proveniente de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212, caput);

 dispor sobre planos nacionais de educação, de duração decenal (art. 214, caput);

 complementar os recursos do Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação- FUNDEB sempre que, no Distrito Federal e em cada Estado, o valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente, sob pena de caracterização de crime de responsabilidade (art. 60, I, V, VII e XI do ADCT);

de ensino, de forma a garantir padrão mínimo fixado nacionalmente (art. 60, § 1º do ADCT).

Aos Estados são conferidas as seguintes atribuições:

 legislar sobre educação, inclusive suplementando a legislação federal relativa a normas gerais (art. 24, IX e § 2º);

 intervir em seus municípios quando não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 35, III);

 organizar o sistema estadual de ensino (art. 211, § 4º);

 atuar prioritariamente no ensino fundamental e médio (art. 211, § 3º);  aplicar anualmente nunca menos de 25% (vinte e cinco por cento) da

receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212, caput);

 criar o fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica e de valorização dos profissionais da educação – FUNDEB (art. 60, I, do ADCT);

 assegurar, no financiamento da educação básica, a melhoria da qualidade de ensino de forma a garantir padrão mínimo fixado nacionalmente (art. 60, § 1º do ADCT).

Com exceção da atribuição de intervir em seus municípios quando não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 35, III), todos os demais encargos educacionais são igualmente confiados ao Distrito Federal.

No que se refere aos Municípios, o texto constitucional expressamente consigna como atribuições suas:

 manter com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental (art. 30, VI);  organizar o sistema municipal de ensino (art. 211, caput);

 atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (art. 211, § 2º);

decorrente de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212, caput);

 assegurar, no financiamento da educação básica, a melhoria da qualidade de ensino, de modo a garantir padrão mínimo estipulado em âmbito nacional (art. 60, § 1º do ADCT).

Cumpre ainda deixar aqui averbada a previsão constitucional do plano nacional de educação, de duração decenal, direcionado a articular o sistema nacional de educação, em regime de colaboração, e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e o desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das distintas esferas federativas (art. 214, caput).

A planificação da atuação estatal no setor educacional persegue a progressiva efetivação do direito de todos à educação pautada nos seguintes eixos estruturantes: erradicação do analfabetismo; universalização do atendimento institucional; elevação da qualidade do ensino prestado; formação para o trabalho; promoção humanística, científica e tecnológica do país; e, por fim, fixação de meta de inversão de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto (art. 214, I a VI, da CF/88).

Do que se vem expondo, é possível inferir que a implementação progressiva do direito fundamental social à educação exige do Estado o planejamento das atividades necessárias à materialização de um fim constitucionalmente imposto e cujo alcance pressupõe transformação da realidade.

Assim, o planejamento há de ser lastreado em abrangente e profundo diagnóstico da realidade que se pretende ver alterada. deve viabilizar a participação social na definição das prioridades, na alocação racional dos recursos públicos no contexto do processo orçamentário; e, por fim, a definição de políticas públicas que irão proporcionar as condições materiais indispensáveis ao desfrute do direito. Tudo isso permite a visualização de íntimas correlações entre os processos de planejamento, orçamento e políticas públicas, consoante percebido por Gotti (2012).

Nessa ordem de ideias, faz-se mister que se avance na exposição para focar a atenção sobre aspectos relevantes do processo de políticas públicas, enfatizando

sobremodo como se estrutura constitucionalmente a atuação do Estado e do terceiro setor na ordem social.

3.5 A EFETIVAÇÃO PROGRESSIVA DOS DIREITOS SOCIAIS VIA POLÍTICAS