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A agressividade transformada em violência

No documento Download/Open (páginas 32-35)

Costa (1986) assinala que Freud não debitou ao instinto de agressividade a responsabilidade por toda a violência presente no mundo, não existindo, portanto, um instinto de violência, sendo certo que o instinto agressivo pode coexistir perfeitamente com o desejo de paz, não sendo pertinente a afirmação de que a causa da violência é o instinto agressivo presente no componente animal do homem. Para o autor, fica evidente que não se pode confundir o comportamento animal, cuja agressividade é mediada por instintos e tem por finalidade a sobrevivência, com a violência dos homens, que traz consigo um atributo exclusivamente humano: o querer fazer. Carrega, dessa forma, a marca de um desejo. Para o autor:

Violência é o emprego desejado da agressividade, com fins destrutivos. Esse desejo pode ser voluntário, deliberado, racional e consciente, ou pode ser inconsciente, involuntário e irracional. A existência desses predicados não altera a qualidade especificamente humana da violência, pois o animal não deseja, o animal necessita. E

é porque o animal não deseja que seu objeto é fixo , biologicamente pré-determinado, assim como o é a presa para a fera.

Nada disso ocorre na violência do homem. O objeto de sua agressividade não é só arbitrário como pode ser deslocado. Este pressuposto é indissociável da noção de irracionalidade que acabamos de mencionar e corrobora a presença do objeto em qualquer atividade humana, inclusive na violenta (COSTA, 1986, p. 30).

Para caracterizar bem essa diferença, Costa (1986) sustenta que, no ser humano, há três formas de expressão da agressividade:

1. Agressividade como pura manifestação do instinto; 2. Agressividade sem desejo de destruição;

3. Agressividade com finalidade destrutiva.

Ao falar do primeiro tipo, o autor utiliza os ensinamentos de Winnicott (2000), para demonstrar que a agressividade como pura manifestação do instinto não inclui nenhum julgamento de valor. Nesse caso, a agressividade só existe como um “estado teórico”, no qual a criança não tem concernimento com relação à mãe. Dessa forma, a agressividade da criança para com a mãe não é boa ou má, moral ou imoral, violenta ou não violenta, na medida em que a criança ainda não está inscrita no mundo dos valores. Costa busca demonstrar que Winnicott, quando trata da agressividade como pura manifestação do instinto, em estado teórico, está se referindo a uma hipótese, a um construto teórico, com o objetivo de dar coerência e consistência a outros fenômenos, clinicamente observáveis, que dele derivam.

Com relação à segunda forma, o que existe é uma manifestação agressiva não percebida pelo agressor, pelo agredido ou por um observador como violenta. O agente e o sujeito vêm na dor ou na coerção um meio para o alcance de um prazer maior, não de natureza sexual e, portanto, sem a conotação sádica ou masoquista. Esse prazer refere-se a predicados socialmente valorizados. Bettelheim (1979 apud COSTA, 1986) dá exemplos de como esse fato pode ocorrer em sociedades tribais, em que rituais truculentos como a castração ritual ou a circuncisão não são vividos como experiências agressivas, mas como práticas que conferem poder aos órgãos genitais. Em outro exemplo, mais próximo da cultura ocidental, o autor cita a cirurgia plástica em que o que é buscado é o ideal de beleza tão valorizado socialmente, apesar do sofrimento causado pelo ato cirúrgico.

A terceira forma diz respeito à expansão da agressividade com finalidade destrutiva, o que de fato caracteriza a violência, na forma anteriormente descrita. Para o autor, admitir a violência como agressividade equiparada a um impulso instintivo implica em trivializá-la, o que leva à sua reprodução e perpetuação. A resignação com relação aos atos violentos decorre da idéia de que o “homem é instintivamente violento” e, portanto, nada há a fazer com relação a esse fato, a não ser aceitá-lo como algo inevitável.

A transição da agressividade natural para a violência passa, na visão de Winnicott (2000), por uma falha ambiental, em função de um processo por ele chamado de de-privação, em que houve a perda de algo bom, positivo, dentro da experiência da criança até aquele momento. A retirada do objeto bom foi por tempo superior àquele em que a memória da criança podia manter viva a experiência. Esse fenômeno pode dar início ao ciclo da tendência anti-social. Primeiro a falha ambiental; depois, o congelamento dessa falha como mecanismo de proteção do verdadeiro self; após, a fase de neutralidade, em que a criança só pode ficar quieta; e, finalmente, a fase de testar o meio e incomodar, quando ela percebe, no meio, uma possibilidade de ser acolhida (WINNICOTT, 1994).

A falta de continuidade da provisão ambiental é, segundo o autor, responsabilidade da família e qualquer manifestação de tendência anti-social deve ser tratada com um ambiente firme e coeso que contenha a criança, quando de seus ataques ao meio.

Para Vilhena (2002), a legitimidade das funções paterna e materna não está tão presente na atualidade, criando uma situação de negligência decorrente da inexistência de padrões de como lidar com os filhos. Como decorrência, a agressividade normal e criativa pode se transformar em patológica e destrutiva, pois a criança que deve ser mantida pela mãe, durante o período de dependência absoluta e pelo pai, no período de dependência relativa, assume precocemente a responsabilidade por seus atos, sendo isso feito de forma onipotente o que pode levar à falta de fusão entre o impulso erótico e o agressivo. Nesse caso, pode haver a expressão deste último por meio da tirania utilizada pela criança com relação a seus pais, colocando-os em situação de igualdade com ela. O problema da falha é resolvido pelo comportamento de querer sem limites.

Ainda segundo a autora, os filhos de hoje demonstram, com clareza, a condição dos pais que têm medo de se posicionar como pais e o espaço vazio que

resta dessa falta de posicionamento será preenchido por outros objetos, perpetuando a onipotência, o narcisismo infantil e não permitindo que o princípio da realidade se instaure de forma eficiente. Ainda segundo a mesma autora, parece indiscutível estar havendo uma falha básica da família no seu papel de contenedor de impulsos agressivos.

Segundo Sá (1999), a questão da violência e da agressividade tem levado vários autores a posições diversas e, por vezes, até antagônicas, dentro de um contexto de banalização ou de sacralização do tema. Utilizando o conceito de Michaud (1989 apud SÁ, 1999), sustenta que existem no comportamento violento dois atributos: o caráter de intensidade irresistível e o caráter de lesividade. Assim, a ação será mais ou menos violenta, em função da intensidade de sua força e dos danos por ela causados.

E essa força virá direta ou indiretamente de alguém identificável ou de alguém não identificável e sempre terá como objetivo causar danos dentro de uma idéia central de privação e então a violência será mais ou menos grave em razão dos danos provocados ou, em outros termos, da privação imposta a qual pode ser em forma de bens materiais, da própria identidade do indivíduo, de seu direito de realização enquanto pessoa e de sua própria vida.

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