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Programa de apoio e mudança psíquica

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3. A IMPLANTAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DE UM PROGRAMA DE APOIO

3.5 Programa de apoio e mudança psíquica

Um dos principais pontos a considerar na aplicação de um programa de apoio a policiais é o de que a mudança pretendida pode não ocorrer após o período relativamente curto a ele destinado. Isso não significa, contudo, que o programa não tenha alcançado o seu objetivo, mas deixa patente que as mudanças provocadas por esse tipo de intervenção variam de pessoa para pessoa, com necessidade de acompanhamento individualizado de maior ou menor intensidade, após a fase coletiva da intervenção. Nesse sentido, torna-se importante ressaltar os ensinamentos de Winnicott (1984) de que uma única entrevista, por vezes, já é suficiente para se alcançar certo grau de mudança psíquica, pois pode despertar o paciente para a realidade de sua vida mental.

Freud (1937) identificou dificuldades para que a mudança psíquica seja consistente, ligadas basicamente às características da energia sexual, às dificuldades de estruturação do ego, à compulsão à repetição e à impregnação de energia em determinado conflito.

Klein (1957) propõe que a grande mudança psíquica que ocorre no curso do desenvolvimento normal é a passagem da posição esquizo-paranóide para a posição depressiva, segundo o seu modelo de evolução baseado na integração do ego, a partir da reintegração das partes cindidas do self.

Joseph (1992), por seu turno, deixa claro que mesmo os psicanalistas utilizam o conceito de mudança psíquica com alguma ambigüidade. Por vezes consideram-na como qualquer tipo de mudança que ocorre nos processos mentais ou no funcionamento dos pacientes submetidos à análise; outras vezes consideram apenas as mudanças mais consistentes e profundas. Para a autora, o conceito deve ser considerado em sua forma mais ampla, abrangendo os dois aspectos citados e a própria relação entre eles. Dessa forma, a mudança não é um fim em si mesma, pois está sempre ocorrendo e a função do profissional é acompanhar esse processo, sem a preocupação de ser ela positiva ou negativa. Segundo ela:

Se ficarmos presos em preocupações quanto a se os movimentos (shifts) revelam ou não progresso, procurando provas em apoio, podemos ficar entusiasmados com aquilo que sentimos como progresso ou desapontados quando há aparente regressão. Descobriremos então que nos desligamos do percurso e ficamos incapazes de escutar plenamente (...) (JOSEPH, 1992, p. 195).

No caso do programa de apoio, pode-se ter, ao final, portanto, resultado diverso do esperado, com alterações emocionais mais significativas do que as encontradas no seu início, inclusive no que diz respeito à agressividade reacional. Esse fato deve ser até esperado em parcela significativa dos participantes, como já demonstrou Allegretti (1996). O que se revela mais preocupante é a inexistência de mudança psíquica após a execução do programa e também do acompanhamento individual posterior, ou seja, a inocorrência de pequenos movimentos (shifts) em qualquer direção. Nesse caso, pode-se estar diante de defesas rigidamente estruturadas, eventualmente alcançando a forma de organizações defensivas, que, a

partir de base de personalidade que facilitaria a sua estruturação, seriam utilizadas contra a experiência de culpa, mesmo que simultânea e paradoxalmente gerem essa culpa, em função da impotência do policial em lidar com uma realidade tão desfavorável e de todo quadro de miséria humana que, diariamente, desfila à sua frente. Essas organizações defensivas, segundo Steiner (1986), teriam a finalidade de neutralizar impulsos ligados à destrutividade e permitir relativo equilíbrio à vida mental da pessoa, permitindo, no caso do policial, a continuidade de seu trabalho no cenário descrito.

No entanto, atenção especial deve ser dada a eventuais efeitos perversos decorrentes da atuação dessas organizações defensivas que, em grau máximo, podem conduzir a quadros de dessensibilização, estreiteza mental e crueldade, quadros esses que, longe de auxiliar o policial no processo de ordenação dos conflitos sociais, podem acabar por prejudicá-lo, com ações desproporcionais e desprovidas de amparo legal que só fazem aumentar a sensação de insegurança das pessoas e o seu descrédito na instituição policial.

Um cuidado adicional deve ser tomado na análise diagnóstica da presença dessas organizações defensivas. Trata-se de verificar a possibilidade de se estar diante do mecanismo denominado ideologia defensiva, descrito por Dejours (1988) que, sem as características patológicas das organizações defensivas, atua contra as diferenças entre as aspirações profissionais e as condições de trabalho encontradas. A inocorrência de mudança psíquica pode estar ligada, também, a aspectos regressivos da personalidade do policial não detectados no momento do ingresso. Características autoritárias e senso moral específico precisam ser vistos com cautela, eis que podem ser reveladores de personalidade de cunho narcísico. Essa estrutura, apesar de, no dizer de Rosenfeld (1989), apresentar aspectos libidinais construtivos com idealização do self mantida por identificações projetivas e introjetivas, pode apresentar, também, aspectos destrutivos que se dirigem tanto a qualquer relação de objeto libidinal positiva quanto a qualquer parte libidinal do self que tem necessidade de um objeto e deseja depender dele. Nessa linha, há o risco de aparecimento de condutas funcionais indesejáveis ligadas a um sentido muito particular de justiça que faz com que o policial se situe acima do bem e do mal, com o dever, por conta de sua onipotência, de separar, organizar, julgar e punir, na forma descrita por Zacharias (1994).

Vistos, portanto, os principais aspectos teóricos ligados à agressividade e sua transformação em violência e vistos também os aspectos relativos ao programa de apoio ao policial envolvido em ocorrências graves, inclusive os ligados à mudança psíquica e os seus efeitos na agressividade reacional, cumpre, agora, descrever os principais objetivos deste estudo.

4. OBJETIVOS

O presente trabalho foi projetado como atualização, particularização e aprofundamento de outro estudo desenvolvido pelo autor, no ano de 1996 e já relatado em capítulo precedente.

A participação ativa do autor na implantação do programa de apoio a policiais militares do Estado de São Paulo envolvidos em ocorrências graves, também já descrito no presente estudo e a sua experiência de mais de trinta e cinco anos no exercício de diversas funções no quadro hierárquico da Instituição Policial Paulista serviram de motivação para buscar novos resultados e abrir perspectivas de novas pesquisas.

Dessa forma, foram estabelecidos para este estudo os seguintes objetivos:

4.1 Objetivo geral:

Estudar os efeitos de programa de apoio na agressividade reacional de policiais envolvidos em ocorrências graves;

4.2 Objetivos específicos:

4.2.1 Caracterizar sócio-demograficamente o grupo de policiais participantes do programa de apoio e integrantes do grupo pesquisado;

4.2.2 Identificar o nível de agressividade reacional do grupo antes e depois do programa de apoio;

4.2.3 Verificar a modificação da resposta agressiva reacional individual dos policiais, após intervenção por meio do programa de apoio, em relação àquela que apresentavam antes dessa intervenção, classificando-a em 05 categorias: agressividade ampliada, reduzida, inalterada, estável e instável;

4.2.4 Definir o perfil do grupo integrante de cada uma dessas categorias; 4.2.5 Realizar o estudo clínico de 01 caso de cada uma das 05 categorias estabelecidas que se enquadrem no perfil definido.

O presente trabalho tem por finalidade verificar os efeitos de programa de apoio na agressividade reacional de policias militares participantes de ocorrências graves, entendidas como tal aquelas em que há morte ou ferimento de terceiros ou de policiais em confronto armado. São também consideradas ocorrências graves, para os fins deste trabalho, os acidentes com viaturas policiais em serviço operacional.

Tendo em vista os objetivos definidos, o estudo desenvolvido utiliza métodos combinados. Assim, para caracterizar sócio-demograficamente o grupo de policiais participantes do programa de apoio e definir o perfil de cada uma das categorias estabelecidas como decorrência da alteração da resposta agressiva reacional, após a intervenção por meio desse programa, o estudo é descritivo e de natureza quantitativa. Para a identificação do nível de agressividade reacional do grupo antes e depois do programa e verificação da alteração da resposta agressiva reacional individual em relação àquela apresentada inicialmente, classificando-a em 05 categorias, o estudo é experimental e de natureza quantitativa. Já, para aprofundar o conhecimento acerca das características de 01policial em cada uma das 05 categorias, o estudo é clínico.

1. AMOSTRA

Compõem a amostra 77 policiais militares que participaram do programa de apoio nos meses de julho, agosto, setembro e outubro de 2005. Essa participação está dividida da seguinte forma:

Quadro 2: Distribuição de turmas e períodos TURMA PERÍODO PERÍODO

LETIVO TOTAL DE INTEGRANTES PARTICIPANTES DA PESQUISA 50 Manhã 05/07-29/07 19 05 51 Tarde 05/07-29/07 17 07 54 Manhã 19/07-12/08 19 08

LETIVO INTEGRANTES DA PESQUISA 55 Tarde 19/07-12/08 15 06 58 Manhã 02/08-26/08 20 04 59 Tarde 02/08-26/08 14 06 62 Manhã 16/08-09/09 21 08 63 Tarde 16/08-09/09 17 06 66 Manhã 30/08-23/09 20 05 67 Tarde 30/08-23/09 17 07 69 Manhã 13/09-07/10 24 08 70 Tarde 13/09-07/10 15 07 TOTAL - - 218 77 (35,32%)

São todos policiais militares, do serviço ativo, que desempenham suas atividades na Região Metropolitana de São Paulo. Não houve restrição quanto ao nível hierárquico, idade, sexo, estado civil ou grau de instrução. Os critérios de inclusão estabelecidos foram os seguintes:

1) Ter participado de ocorrências graves, na forma descrita neste capítulo;

2) Ter recebido recomendação para freqüência ao programa, após avaliação inicial;

3) Ter concordado em participar da presente pesquisa, assinando termo de consentimento livre e esclarecido;

4) Estar em condições físicas de participar de todos os eventos do programa e de realizar os testes necessários.

Para a parte qualitativa do estudo, foram escolhidos 05 sujeitos pelo critério de conveniência.

2. LOCAL

A pesquisa, em todas as suas fases, foi desenvolvida na sede do Centro de Assistência Social e Jurídica da Polícia Militar do Estado de São

SP.

Os espaços utilizados para a aplicação dos testes foram: 1) Sala de aula, para os testes coletivos; e

2) Sala de aplicação individual para testes individuais.

Os locais apresentavam ótimas condições de ventilação e iluminação e obedecem a todas as recomendações técnicas, já que o programa é fiscalizado pelo Conselho Regional de Psicologia – 6ª Região.

As atividades do programa foram realizadas em sala de aula, ginásio desportivo e salas de atendimento individual e coletivo que também atendem a todas as exigências técnicas. As atividades externas (visitas) foram realizadas nos locais previstos no planejamento do programa.

3. INSTRUMENTOS

Para alcançar os objetivos propostos, foram utilizados os seguintes instrumentos:

1) Ficha de cadastro e entrevista individual; 2) Psicodiagnóstico Miocinético (PMK); 3) Teste Palográfico;

4) Escala de Personalidade de Comrey (CPS).

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