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A ALFABETIZAÇÃO E O ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

2. APORTE TEÓRICO

2.3 A ALFABETIZAÇÃO E O ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

O conceito de alfabetização vem mudando e se transformando ao longo dos anos, porém, é necessário que não nos distanciemos da essência do processo, para compreender este importante momento da escolarização. Soares (1985, 2012) nos alerta sobre o perigo de nos afastarmos conceitualmente da definição de alfabetização, empregando o termo em diversas

outras situações: “tem-se tentando tentado, ultimamente, atribuir um significado demasiado abrangente à alfabetização, considerando-a um processo permanente, que se estenderia por toda a vida” (SOARES, 2012, p. 15).

Porém, é necessário voltarmos ao conceitos epistemológicos da palavra Alfabetização, que, segundo Soares (2012, p. 15), significa a “aquisição do código da língua escrita, das habilidades de ler e escrever”. Assim, é necessário diferenciar o processo de aquisição da língua e o de desenvolvimento, a fim de entender como surgem durante a vida escolar de um sujeito, portanto, “pedagogicamente, atribuir um significado muito amplo ao processo de alfabetização, seria negar-lhe a especificidade, com reflexos indesejáveis na caracterização de sua natureza, na configuração das habilidades de leitura e escrita” (SOARES, 2012, p. 15).

Desse modo, o processo consiste basicamente no desenvolvimento das habilidades de ler e escrever, ou seja, o pleno domínio da língua escrita (SOARES, 1998). Porém, dada a realidade em que vivemos, onde a língua escrita ganhou espaço como instrumento para a interação entre os sujeitos (VYGOSTSKY, 2007), o processo de alfabetização tornou-se um importante momento da escolarização, por garantir a todos essa possibilidade de ampliação de suas possibilidades de socialização. No contexto educacional, o processo de alfabetização é um elemento curricular presente, ainda, nos primeiros anos da vida escolar do sujeito.

Freire (1989, p. 13) explica que “a alfabetização é a criação ou a montagem da expressão escrita da expressão oral. Esta montagem não pode ser feita pelo educador para ou sobre o alfabetizando”. É necessário, então, considerar dois elementos da reflexão do autor, o primeiro diz respeito à relação da oralidade com a escrita. O código da língua se constitui como uma esquematização gráfica das outras manifestações da linguagem, porém possui suas próprias regras e configurações. Dessa forma, não basta resumir o processo de alfabetização à simples representação da oralidade, mas entender que alfabetizar transcende essa relação, uma vez que a língua escrita tem suas particularidades em comparação as outras linguagens.

Outra reflexão necessária a ser feita é sobre a perspectiva dialógica do processo de alfabetização referida por Freire (1989), segundo a qual a proposta de alfabetização não depende apenas do professor, mas surge a partir de um diálogo entre o docente e o aluno, possibilitando as práticas pedagógicas pautadas em trocas e interlocuções entre quem ensina e quem aprende.

Uma confusão frequente sobre o processo de alfabetização é atrelá-lo ao letramento. Ambos os processos lidam com o mesmo objeto cultural, a língua escrita, porém, cada um em uma perspectiva. Enquanto a alfabetização se preocupa com a aquisição do código e o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, o letramento foca o uso desse código em

contextos sociais reais, nesse sentido, os processos têm pretensões distintas. Maciel e Lúcio (2008, p. 17) dizem que:

[...] identificamos, no interior da escola, posturas que revelam a frequente confusão ou sobreposição dos conceitos de alfabetização e letramento. Muitos professores ainda acreditam que somente após o processo de alfabetização é que deve ser iniciado o processo de letramento, ou seja, que para se tornar letrado, é preciso primeiramente adquirir a tecnologia da escrita. Em outros casos, observa-se o contrário: professores privilegiam a interação com os textos, entretanto não dão atenção aos aspectos específicos da alfabetização, o que compromete seriamente o processo de aquisição das habilidades de ler e de escrever.

É necessário, então, distinguir os conceitos e compreender que ambos colaboram de formas diferentes para a sala de aula e para os contextos educacionais. Não se pode negar que em determinados momentos os processos de alfabetização e letramento acontecem simultaneamente, por porém, é importante destacar que são processos independentes.

Para Kleiman (2000, p. 238), letramento se constitui como uma “prática social em que a escrita é utilizada para atingir algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem da escrita”. Ou seja, as práticas de letramento se ocupam da utilização do código escrito a fim de atender uma demanda específica em um dado contexto social real, dessa forma, não se pode desconsiderar a essência eminente do processo de letramento.

Sintetizando a discussão, é necessário entendermos os encontros e desencontros da alfabetização com o letramento, a fim de compreendemos a especificidade de cada processo. Entretanto, é fundamental destacar que há momentos na prática pedagógica em que o professor alfabetiza letrando, ou seja, em que os processos acontecem simultaneamente, dado o ponto em comum entre eles, a língua escrita. O esquema a seguir buscar operacionalizar os conceitos:

Figura 3 – Esquematização dos processos de alfabetização e letramento

Neste trabalho nosso foco são as práticas pedagógicas da alfabetização em específico, assim, o letramento, nos momentos em que for necessário, aparecerá na discussão como um conceito coadjuvante.

No processo de alfabetização temos o desenvolvimento específico de duas habilidades humanas socioculturalmente produzidas, a da leitura e a da escrita. Tais habilidades possuem duas facetas: ler não é apenar decodificar o que está posto, mas compreender e apreender o que se é apresentado, assim como escrever não é apenas a codificação da língua escrita, mas se expressar de forma inteligível por meio dela (SOARES, 1985). Em outras palavras, o processo de alfabetização leva o “o indivíduo não só a codificar e decodificar a língua, mas a interpretá- la e produzi-la de acordo com as suas necessidades sociais e individuais” (JUSTINO, 2010, p. 29).

Quando se trata de leitura, podemos destacar um pensamento de Freire (1989, p. 9) que é divulgado dentro e fora da comunidade acadêmica: “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. É possível interpretar o pensamento das mais diversas formas, porém, nos deteremos em duas análises, a fim de elucidar o que entendemos por leitura. Assim, parafraseando o autor, é preciso antes compreender o mundo, para depois compreender a palavra.

Leitura é uma habilidade de decodificação, mas não apenas isto. Condemarín, Galdemes e Medina (1997, p. 46) nos lembram que “ler não significa apenas decodificar um texto, mas para a criança, implica numa busca de significados, confirmando ou rejeitando suas hipóteses a partir de suas primeiras aproximações dos textos escritos”. Assim, a leitura não demanda uma passividade do leitor, mas uma ação ativa sobre o texto lido.

Ainda sobre a decodificação, não se pode resumir a habilidade de leitura apenas nas conversões dos elementos gráficos para elementos fônicos, mas há a necessidade de se entender a mensagem construída a partir dessa conversão. Dessa forma, a leitura se distancia de um hábito mecânico, para ser um ato que demanda esforço cognitivo do sujeito (ARAÚJO, 1996).

Dias et al. (2011, p. 41), por sua vez, explicam que “a leitura é uma atividade ao mesmo tempo individual e social. É individual porque nela se revelam as características intelectuais, a memória, a história do leitor; é social porque está sujeita às conversões linguísticas, ao contexto social, à política”. Assim, a leitura, não se apresenta como uma ação passiva, mas uma ação ativa na construção de sentidos sobre o objeto lido a partir das próprias vivências do leitor.

No mesmo sentido compreendemos a escrita: a habilidade de escrever demanda a ação de decodifica uma mensagem, mas não apenas isso. Escrever também é uma forma de se expressar no mundo ou de se manifestar dentro de uma determinada sociedade. Para

Condemarín, Galdemes e Medina (1997, p. 109), a habilidade de “escrever, enquanto modalidade de linguagem, se constitui uma competência fundamentalmente comunicativa que se realiza em situações concretas, diversificadas e com propósitos claros”.

Assim, é necessário considerar o ato de escrever como uma ação social, buscando interação com o outro/mundo e não se configura apenas uma atividade isolada de um único sujeito, sem fins práticos. Nesse sentido, a escrita como expressão, é sempre munida de intencionalidade e parte uma compreensão de linguagem enquanto forma de interação social (BAKHTIN, 2004).

Existem indícios históricos segundo os quais os primeiros métodos adotados para o ensino da língua escrita foram os métodos sintéticos (FRADE, 2005), tendo origem possivelmente no século XVI, com educadores alemães (JUSTINO, 2015). Apesar disso, esses métodos são amplamente utilizados e permanecem vivos na prática docente das escolas atuais. Para Frade (2005, p. 23), constituem o cerne dos métodos sintéticos e consistem na compreensão de que “o sistema de escrita se faz sintetizando/juntando unidades menores, que são analisadas para estabelecer a relação entre a fala e sua representação escrita, ou seja, a análise fonológica”.

A questão fônica surge como protagonista para esses métodos. Podemos compreender a fônica como o “estudo cuidadoso e concentrado das relações som-símbolo com o propósito de aprender a ler a escrever” (SAVAGE, 2015, p. 214). Ou seja, esse grupo de métodos se baseia fortemente na aprendizagem das relações grafemas e fonemas no desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita.

Oliveira (2006, p. 15) diz que o objetivo desses métodos é que “a partir das combinações dessas unidades [grafema-fonema], a criança venha a ser capaz de formar palavras, frases e textos”, sendo assim, a construção da compreensão de que a língua escrita representa a língua oral, feitas as devidas ressalvas, pode ser considerada um marco para esses métodos. O Quadro 2 apresenta sucintamente os métodos sintéticos.

Quadro 2 – Métodos sintéticos de alfabetização

M

étodos S

in

tic

os Métodos Características gerais

Método Alfabético

Historicamente, configura-se como um dos métodos mais antigos a ser utilizado. Caracteriza-se pela aprendizagem inicial das letras do alfabeto; somente após isto são estimuladas suas combinações com o

intuito de construir sílabas ou fragmentos de palavras, até chegar na construção por final da palavra ou texto.

Método Fônico

O método fônico tem como premissa a relação som-letra. Nesse método busca-se aprender o som da letra e não o nome dela, como no

método anterior. Dessa forma, aprende-se o som de uma letra, que, somado com o som de outra, resulta numa sílaba. Geralmente inicia- se ensinando os sons das vogais para depois introduzir as consoantes.

Método Silábico

O método silábico tem como marco de sua proposta a sílaba. Nesse método as famílias silábicas são protagonistas das propostas de ensino. Geralmente se inicia ensino as sílabas canônicas ou simples (sílabas com duas letras, ex.: ba – da – co), para então introduzir as sílabas nã-canônicas ou complexas (sílabas com três letras ou mais,

ex.: tra – pra – mens).

Fonte: elaboração do autor, tendo como base em Frade (2005), Oliveira (2004) e Savage (2015).

Destacamos que os métodos sintéticos ainda persistem nas salas de aula da atualidade, muitas vezes com o rótulo de tradicionais, porém, como afirmamos anteriormente, não cabe nesta discussão valorizar um método em detrimento de outro, mas tecer as análises nos contextos postos nos próximos tópicos. Os métodos sintéticos têm suas vantagens e desvantagens, assim como os métodos analíticos, porém não caberá nesta discussão se aprofundar em cada um deles. Ressaltamos, ainda, que no processo de alfabetização, notadamente em sua fase inicial, o uso de habilidades de síntese para garantir o desenvolvimento da habilidade de decodificação é pertinente.

Os métodos analíticos, ou também conhecidos como métodos globais, têm origem no século XVII, “visando ensinar à criança a leitura da palavra como um todo” (JUSTINO, 2015, p. 10), ou seja, basicamente “partem da síntese para a análise, do todo para as partes” (FRADE, 2005, p. 25).

Esses métodos seguem em fluxo contrário aos métodos sintéticos, por buscarem a aprendizagem a partir das unidades menores para chegar à construção do todo (a palavra). Para Justino (2010, p. 48); “de acordo com os defensores do método global, após o reconhecimento da palavra estar bem estabelecido, as crianças naturalmente desenvolveriam o conhecimento das correspondências letra-som”. Oliveira (2004, p. 22) afirma que os métodos analíticos “normalmente se utilizam de cartilhas onde abaixo das gravuras estão os nomes impressos para que os estudantes memorizem as palavras, sem associá-las a letras e sons”.

De acordo com os métodos globais, a linguagem precisa ser entendida como um todo, a compreensão de que a criança primeiro aprende o todo para depois compreender suas partes. A alfabetização prioriza a compreensão e a aprendizagem da língua escrita precisa ser feita pelos

seus significados e não pelos seus fragmentos (FRADE, 2005). O Quadro 3 apresenta a síntese dos métodos analíticos:

Quadro 3 – Métodos analíticos de alfabetização

M

étodos

Anal

ític

os

Métodos Características gerais

Método Palavração/ Sentenciação

Esse método tem como ponto de partida para a aprendizagem a palavra ou a sentença como um todo. Nessa proposta o aluno começa seu contato com a língua escrita com uma palavra ou sentença completa, para em seguida trabalhar na sua fragmentação e em suas partes específicas. Esse método é usualmente utilizando nas aulas de língua estrangeira. Método também conhecido como da palavra ou da frase.

Método Global de

Contos

Esse método surgiu mais tardiamente, e tem como base para a aprendizagem o texto em sua íntegra. Também conhecido como método de conto ou historietas. O método compreende que a palavra ou a sentença dentro de um texto completo colabora para a construção de um significado da língua escrita a partir de seu contexto.

Método Natural

Também conhecido como método de imersão, consiste na compreensão de que o aluno poderia construir ‘espontaneamente” textos levando em consideração os conhecimentos prévios do estudante, sendo assim, a partir dessa construção se daria o ensino da língua escrita.

Fonte: elaboração do autor, tendo como base em Frade (2005), Oliveira (2004) e Savage (2015).

Os métodos analíticos, apesar de terem surgido mais recentemente e com pressupostos teóricos que tem protagonismo nas discussões pedagógicas atuais, ainda disputam espaço com os métodos sintéticos nas salas de aula pelo país (SOARES, 2016). Nesse campo de disputa, um agente pode determinar o ganhador ou o protagonista em um determinado instante, o aluno. O sujeito aprendiz que aponta como aprende, e os métodos estão disponíveis para funcionar como ferramentas pedagógicas (ou deveriam).

Assim, o professor não deve se portar como refém de um método, mas sim, utiliza-lo como ferramenta de sua prática pedagógica, a fim de atender a demanda do seu alunado. O intuito desta explanação não é evidenciar a disputa dos métodos na sala de aula, mas entender que eles podem coexistir, visto que as habilidades que cada método desenvolve nos alunos pode colaborar de diferentes formas para o fazer docente, pois o professor constrói a prática pedagógica alfabetizadora com base na articulação de saberes. Além disso, na atualidade, se

discute a existência de métodos mistos ou ecléticos (FRADE, 2005), que se configuram como aqueles que utilizam de pressupostos de diferentes perspectivas para se fazer na prática.

Para Frade (2005, p. 30) “[...] o caráter político da alfabetização, o contexto de aplicação, a escolha do universo vocabular, entre outros fatores, pode dar a um método um significado muito mais amplo, que extrapola a simples escolha por um ou outro princípio”. Essa configuração permite uma flexibilidade da prática pedagógica no ensino da língua escrita, possibilitando ao professor considerar os diversos elementos para se pensar o seu fazer docente.

Sendo assim, o professor precisa considerar o seu alunado na hora de pensar sua prática pedagógica no processo de alfabetização, planejando, executando e avaliando a partir da sua realidade e não de abstrações e concepções criadas antes da sala de aula. A escolha das estratégias de ensino do processo de alfabetização deve dialogar com o estilo de aprendizagem dos educandos, assim, a proposta pedagógica precisa levar em consideração as condições físicas, psicológicas, cognitivas, sociais, culturais e econômicas do aluno.

Nesse sentido, quando consideramos o aluno com deficiência intelectual no contexto educacional, precisamos entender sua limitação cognitiva, mas também suas potencialidades no ambiente escolar. A Associação Americana de Retardo Mental (AAMR), hoje Associação Americana de Deficiência Intelectual e Desenvolvimento (AADID), renomada instituição para a área, conceituou deficiência intelectual aquela que é “caracterizada por limitações significativas no funcionamento intelectual global, acompanhadas por dificuldades acentuadas no comportamento adaptativo, manifestadas antes dos dezoito anos de idade” (AAMR, 2002). Fontes et al. (2007) afirmam que a deficiência intelectual influencia em diversas áreas na vida do sujeito, tais como: habilidades intelectuais; comportamento adaptativo; participação, interação e papel social; saúde e contexto. Nesse sentido, podemos compreender que a condição tangencia as experiências dos sujeitos com DI em muitos aspectos, porém, é importante lembrar que a condição não os define, apenas se apresenta como mais uma característica. O sujeito com DI está para além da deficiência porque sua aprendizagem depende grandemente da forma como o entorno lida com suas possibilidades.

Nise da Silveira nos traz um pensamento interessante sobre as diferentes formas de se estar no mundo, ela afirma que “há dez mil modos de ocupar-se da vida e de pertencer a sua época [...], há dez mil modos de pertencer a vida e de lutar por sua época”3. A famosa psiquiatra evidencia a diversidade de maneiras de se viver afirmando que as pessoas em geral não estão sozinhas no mundo, mas se relacionando com seus diferentes pares.

Nessa perspectiva, em nosso entendimento de deficiência, a partir de um modelo social, como já explicado anteriormente, é necessário que superemos essa compreensão que individualiza o sujeito com deficiência e se baseia apenas em suas supostas limitações, sem levar em consideração marcos sociais e culturais que envolvem essas pessoas. A esse respeito cabe destacar a seguinte declaração de Oliveira (2018, p. 22):

[...]sem dúvida que a deficiência intelectual não é uma diferença qualquer, que possa ser incorporada sem a compreensão adequada de suas múltiplas determinações, porém não se pode admitir que seja apreendida numa concepção biologizante, individualista e, portanto, desumanizadora, por subtrai destas pessoas aquilo que se tem de mais precioso: a dimensão humana.

A deficiência intelectual precisa ser entendida a partir de um contexto real de uma sociedade que não foi pensada para as características dos sujeitos que vivem sob essa condição. Oliveira (2018, p. 22) diz que a

[...] apreensão da deficiência intelectual [...] não pode se dar de forma abstrata ou descontextualizada das práticas sociais, da historicidade humana, assim, ao falar sobre a condição da deficiência intelectual, obrigatoriamente temos algo a dizer sobre as relações entre as pessoas e o processo de mediação que se estabelecem circunscritas num contexto cultural, histórico e social; contexto como centro gerador de interpretações que imputam significados às diferenças.

É preciso entender que a deficiência intelectual tem um contexto social e histórico que muitas vezes demarca a pessoa com tal característica dentro da sociedade. Por exemplo, um estigma relacionado à pessoa com deficiência intelectual no contexto educacional é o da não aprendizagem. Assim como Goffmam (1980), compreendemos estigma como uma marca dada a alguém que carrega um valor social pejorativo.

Fonseca (2016) compreende que existe um estigma da não aprendizagem sobre o aluno com deficiência intelectual, o que reverbera na prática pedagógica do professor com o estudante, assim como no currículo escolar. Nesse sentido, há um empobrecimento no processo de escolarização, uma vez que o fazer docente se fundamenta nas limitações (reais ou imaginárias, partindo de um senso comum) do aluno com DI, e não em suas possibilidades e potencialidades em sala de aula.

O estigma da não aprendizagem pode reverberar no processo de alfabetização da criança com DI, assim reduzindo seu acesso à língua escrita e retirando suas oportunidades de desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, limitando a prática pedagógica com a

língua apenas ao ensino do próprio nome. Nesse sentido, é importante buscar uma compreensão outra sobre a deficiência intelectual e seu processo de alfabetização pautada na noção de que na escola todos os estudantes aprendem desde que ampliadas as respostas educativas às suas demandas.

Esse processo tende a ser diferenciado dos demais sujeitos, considerando o déficit cognitivo da pessoa com deficiência intelectual, porém se consideramos que todos os alunos, mesmo os sem deficiência, têm ritmos e estilos de aprendizagem peculiares, a prática pedagógica deve levar em consideração uma heterogeneidade natural da sala de aula. Sobre esse processo de aprendizagem da língua escrita por parte do aluno com DI, Figueiredo (2012, p. 41) assevera:

Entretanto, embora a pesquisa tenha avançado muito no campo da deficiência intelectual, ainda não se tem respostas que permitam explicar a dificuldade que as pessoas que apresentam esse tipo de deficiência encontram para mobilizar seus conhecimentos em situação de aprendizagem e particularmente para a aprendizagem da língua escrita. Assim, a mediação assume papel fundamental no processo de aprendizagem dessas crianças, o que implica que a escolarização deve ser fortemente pautada sobre esse aspecto.