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REFLEXÕES SOBRE O QUE FOI FEITO: A AVALIAÇÃO NA PRÁTICA

5. A TRÍADE CICLÍCA DA PRÁTICA PEDAGOGICA

5.3 REFLEXÕES SOBRE O QUE FOI FEITO: A AVALIAÇÃO NA PRÁTICA

A avaliação é um momento da prática pedagógica de reflexão sobre todo o processo vivido, e a preparação para um novo planejamento e execução, dando continuidade à lógica cíclica do fazer docente discutida neste trabalho. É necessário compreender que “o objetivo do ensino não centra sua atenção em certos parâmetros finalistas para todos, mas nas possibilidades pessoais de cada um dos alunos” (ZABALA, 1998, p. 197).

Nesse sentido, vimos, ao longo do planejamento e da execução, a preocupação da docente em atender as especificidades dos seus alunos, compreender as necessidades de cada um e propor ações pedagógicas que supram essas demandas. No momento da avaliação essa lógica não poderia ser diferente. Na avaliação é necessário considerar as diferenças dos sujeitos, seus avanços singulares e as suas limitações.

A avaliação no processo de alfabetização nos ajuda a conhecer o nível de leitura e escrita dos alunos, assim, possibilitando o desenvolvimento de novas atividades que potencializam a aprendizagem e desenvolvem as habilidades coma língua escrita. Para Zabala (1998, p. 199), “o conhecimento do que cada aluno sabe, sabe fazer e como é, é o ponto de partida que deve nos permitir, em relação aos objetivos e conteúdo de aprendizagens previsto, estabelecer o tipo de atividade e tarefas que tem que favorecer a aprendizagem”.

Nesse sentido, é necessário que a professora pense propostas avaliativas em sua prática pedagógica que transcendam a simples atribuição de notas, que busque conhecer de fato seu alunado. André e Passos (2015, p. 177) postulam que “a avaliação põe em destaque os princípios da ação pedagógica”, uma vez que por meio dela é pensado as propostas de ensino que buscam o avanço qualitativo na aprendizagem do aluno.

Como postulamos em nosso referencial teórico, o processo de avaliação possui uma dualidade, ele registra o nível de aprendizagem do aluno, assim como a forma que apreende os conhecimentos escolares, mas também, em contrapartida, avalia as propostas de ensino do professor. O fato de o aluno não aprender nem sempre diz respeito ao seu processo de aprendizagem especificamente, mas pode corresponder à proposta de ensino que não desafia o aluno, não o estimula a aprender e a avançar no processo de escolarização. Para André e Passos (2015, p. 179), “avaliação deve levar à escola toda a se olhar, a rever seus mecanismos de poder, sua forma de gestão, seus propósitos, suas práticas, as relações que aí se estabelecem”.

Nessa perspectiva, a avaliação não necessita ser um processo solitário para a professora, mas pode um ser momento de compartilhamento de conhecimento e experiências pelo corpo docente da instituição de ensino. A organização pedagógica da escola possibilita uma avaliação coletiva do corpo docente, onde demais professoras e coordenadora podem opinar sobre o desempenho do aluno.

Como a escola tem uma baixa rotatividade de professores e as crianças tendem a ficar do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental na instituição, geralmente mais de uma professora conhece o perfil do aluno e pode opinar sobre o estudante. Com isso, a instituição abre espaço para diálogo e reflexões avaliativas coletivas que colaboram para a prática pedagógica da professora Conceição. O episódio a seguir nos leva a entender isso uma dessas situações:

Todas as professoras, juntamente com a coordenadora e estagiária, se reuniram na sala da coordenação da escola, primeiramente as professoras abriram uma discussão sobre os alunos, mediada pela coordenadora. Todas as

professoras trouxeram questões sobre alguns de estudantes e a coordenadora comentou cada exemplo.

Em seguida a coordenadora entregou para as professoras tabelas que continham nome, idade e espaço para observações das turmas para as respectivas professoras dando o direcionamento: “Vamos fingir que vocês têm que entregar o resultado final de suas turmas hoje, então anotem quem irá passar de ano e quem não”.

[...]

Por fim, a coordenadora colocou que as professoras fizessem como tarefa de casa orientações ou sugestões para as professoras que ficariam com os meninos, principalmente os reprovados, durante o próximo ano letivo. E ainda colocou que era necessário que as professora desse ano então seguissem as próprias orientações para que até o fim do ano os meninos pudessem evoluir, e então tivessem a oportunidade de passar de ano (DIÁRIO DE CAMPO, DIA 14 – EPÍSÓDIO 2: “reunião das professoras”).

No episódio acima podemos perceber que a coordenadora se envolve no processo de avaliação das crianças, fazendo com que as professoras reflitam sobre a própria prática, sobre como aperfeiçoar sua ação docente no intuito de potencializar a aprendizagem dos alunos e garantir o êxito escolar deles. Para Libâneo (2013), a avaliação é um momento rico para se refletir sobre seu próprio fazer docente e aprimorar sua prática, é necessária essa reflexão para que a práxis defendida por Freire (2016) de fato exista.

De acordo com Libâneo (2013), a avaliação colabora para a autopercepção do professor em seu processo de ensino, assim momentos como o episódio retratado ajuda o docente refletir sobre ele mesmo enquanto profissional de ensino. Esses momentos são significativos quando consideramos as trocas entre as professoras, as contribuições da coordenadora e o autoentendimento da professora Conceição sobre sua prática pedagógica, inclusive, no processo de alfabetização.

Para além disso, a professora ainda apresenta sua avaliação, quando se trata do processo de alfabetização, em dois instrumentos, um da própria instituição de ensino, o boletim, e um elaboradora por ela (Anexo A). Ambos os instrumentos são utilizados pela professora Conceição para todos os alunos. O boletim busca apresentar a avaliação dos alunos de forma geral, trazendo aspectos não apenas do processo de alfabetização, mas de todos os conteúdos curriculares.

É fundamental compreender que a avaliação da professora é contínua e processual, assim, não se baseia em uma atividade específica, teste ou prática, mas no andamento dos alunos ao longo do ano letivo. Desse modo, não há um documento específico para analisar como se dá a avaliação, mas as reflexões sobre o planejamento e a execução já apresentada anteriormente.

Essa avaliação que acontece ao longo do processo é registrada, então, em forma de conceito no boletim e descrita no instrumento que discutiremos posteriormente.

O boletim dos alunos se baseia não em notas com valores quantitativos, mas em conceitos com valores qualitativos. Nesse sentido, ao avaliarmos o boletim de Clarice, percebemos que segue um padrão e permanece como uma “Boa” aluna, de acordo com a professora Conceição. A Figura 37 apresenta o boletim da garota, porém, vale salientar que temos o documento preenchido apenas até o 2º bimestre.

Figura 37 – Boletim de Clarice: quadro de conceitos

Fonte: registro do autor.

Esse quadro reduz todo o desempenho do aluno a um conceito que não diz com precisão quem é o estudante dentro da prática pedagógica, assim, a partir dele não podemos inferir muita coisa sobre Clarice. Zabala (1998) compreende que, historicamente, as avaliações nas instituições de ensino se resumiam a quadros como esse, o que não traz ganhos qualitativos para a prática pedagógica e não produz grandes reflexões sobre o fazer docente e o processo de aprendizagem do aluno. Nesse sentido, é necessário ir além, e para isso o próprio boletim nos traz outro espaço.

O documento abre um espaço para que a professora faça comentários breves e gerais sobre o estudante. É necessário considerar que o interlocutor do professor na utilização do boletim são os responsáveis pelas crianças, assim, grandes comentários com fundamentações

teóricas ou algo semelhante são dispensáveis, buscando a otimização do tempo e espaço de todos. O comentário da professora no primeiro bimestre sobre Clarice foi o seguinte:

Figura 38 – Boletim de Clarice: comentário do 1º bimestre

Fonte: registro do autor.

A avaliação da professora traz sintéticos comentários sobre o processo da alfabetização da garota, tais como seu interesse pelas produções escritas e a utilização de sílabas canônicas, o que ela chama de sílabas simples, para produções de palavras. É necessário considerar que nessa avaliação a professora trabalha apenas com a função de controle da avaliação, postulada por Libâneo (2013).

Para o autor (2013, p. 218), “a função de controle se refere aos meios e à frequência das verificações e de qualificações dos resultados escolares, possibilitando o diagnóstico das situações didáticas”. Nesse sentido, a avaliação presente no boletim cumpre o requisito apenas de diagnosticar o nível de escrita e leitura do aluno e o seu perfil. Em relação ao segundo bimestre a professora teceu o seguinte comentário:

Figura 39 – Boletim de Clarice: comentário do 2º bimestre

Fonte: registro do autor.

O comentário sobre o processo de alfabetização de Clarice no 2º bimestre é ainda menor, porém segue a mesma linha de raciocínio do 1º bimestre, tendo uma coerência pedagógica e podendo ser entendido como uma continuação ao que foi comentado anteriormente. Os boletins dos demais alunos têm a mesma estrutura do boletim de Clarice, porém não nos deteremos em analisá-los. Entretanto, cabe salientar, que nessa lógica não há diferenciação entre o instrumento de avaliação institucional da criança com DI e o dos demais alunos.

Além disso, a professora nos traz um outro instrumento de avaliação, porém, restrito ao processo de alfabetização dos alunos (Anexo A). O documento construído em forma de quadro traz o nome dos alunos e espaços ao lado para preencher as seguintes informações: a hipótese de escrita, de acordo com Ferreiro (1995), o que já sabe sobre o sistema de escrita alfabético, o que ainda não sabe sobre o sistema e quais atividades podem ser desenvolvidas para avançar na aprendizagem da língua escrita. O instrumento foi utilizado apenas durante o último trimestre do ano letivo.

Essa proposta de avaliação no processo de alfabetização dialoga com a avaliação reguladora defendida por Zabala (1998). O autor explica que “o conhecimento de como cada aluno aprende ao longo do processo de ensino/aprendizagem, para se adaptar às novas necessidade que se colocam” (ZABALA, 1998, p. 200). Nesse sentido, não é apenas atribuir um conceito ao estudante de forma genérica, mas pensar caso a caso, trazendo à tona suas potencialidades, limitações e possibilidades pedagógicas.

Para Zabala (1998), essa lógica avaliativa vai além dos conceitos, pois entende que a “finalidade da avaliação é ser um instrumento educativo que informa e faz uma valoração do processo de aprendizagem seguido pelo aluno, com objetivo de lhe oportunizar, em todo

momento, as propostas educacionais mais adequadas” (ZABALA, 1998, p. 200). Nesse sentido, a docente se preocupa que sua avaliação localize espaços no processo de aprendizagem do aluno para atuar, e é justamente nesse sentido que o instrumento apresentado pela professora trabalha na descrição de alguns desses pontos.

Entretanto, é necessário pontuar que o instrumento contempla as habilidades de leitura e escrita, a essência do processo de alfabetização (SOARES, 2016), além de buscar comentários relativamente breves, considerando que a professora precisará preencher os mesmos espaços para todos os seus alunos, em nosso caso 17. É possível ler o documento na íntegra, considerando que ele está anexado neste trabalho, porém, aqui, nos deteremos à avaliação de Clarice, assim como fizemos no boletim.

A professora explica no documento que a garota já domina o sistema alfabético nos seguintes tópicos: “escrita com letras que são diferentes de números; escrita possui uma organização horizontal e uma direção padrão; as letras notam as pautas sonoras das palavras que pronunciamos” (DOCUMENTO DE AVALIAÇÃO, ANEXO A). Nesse sentido, a avaliação aponta que a menina já conhece a lógica da escrita alfabética, os grafemas e sua relação com elementos sonoros.

Quando se trata do que a garota ainda não consolidou, a professora registra o seguinte: “as letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas que pronunciamos; as letras têm valores sonoros fixos; correspondência som-grafia” (DOCUMENTO DE AVALIAÇÃO, ANEXO A). É possível notar a influência do método fônico que surgiu no planejamento, perpassou a execução e agora se manifesta no processo avaliativo da professora, nas pontuações sobre a relação grafema-fonema. E, como atividades para o avanço do processo de alfabetização de Clarice, a professora registra que são necessárias:

Atividades com letras móveis refletindo sobre a estabilidade das letras, a ordem, a variação, as combinações possíveis de letras; experiências diversas com a escrita; Atividades de comparação entre as palavras; atividades e jogos que estimulam a análise fonológica de palavras; atividades e jogos que estimulam a identificação e escrita de letras e o reconhecimento global de certas palavras (DOCUMENTO DE AVALIAÇÃO, ANEXO A).

Destacamos que, mais uma vez, o documento de avaliação é um único instrumento contempla a avaliação de Clarice e dos seus demais colegas, uma vez que se pauta em analisar o aluno em sua individualidade, não precisando de adaptações. Propostas como essa não demandam adaptações no instrumento, mas nas reflexões que ele traz, respeitando a subjetividade de cada educando.