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A condição de Clarice e suas individualidades

4. DO CONTEXTO AOS SUJEITOS

4.2 A INFLUÊNCIA DO PERFIL DOS ALUNOS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

4.2.2 A condição de Clarice e suas individualidades

É necessário para o desenvolvimento do nosso estudo compreendermos o perfil de Clarice com propriedade para que possamos entender as práticas pedagógicas voltadas para o ensino da língua escrita destinadas a ela. Clarice é uma garota de oito anos de idade que reside no bairro Cidade da Esperança, na cidade de Natal, a menina frequentou a Educação Infantil, estava no terceiro ano do ensino fundamental durante a investigação.

É importante destacar que Clarice ingressou na Escola Poesia ainda no primeiro ano do ensino fundamental, tendo Conceição como sua professora, que a acompanhou até o terceiro ano. Esse acompanhamento foi um acordo didático estabelecido entre a professora e a coordenação das instituições.

No entanto, a professora demonstra certo arrependimento por ter tomado essa decisão, em uma das entrevistas ela nos diz: “Aí onde é que a gente erra? Onde eu permaneci com [Clarice], porque [Clarice] poderia ter permanecido com a turma e ter avançado ainda mais. (SESSÃO DE ENTREVISTA – DIÁLOGO SOBRE A PRÁTICA 2). Em outra situação a professora nos explica o motivo desse arrependimento:

Professora – Exato, onde se ela tivesse acompanhado o grupo que ela já

estava há dois anos, talvez... agora são esses questionamentos que a gente faz né, por isso que próximo ano, a questão de [Clarice] seguir, justamente, eu

vou pedi para que ela retorne ao grupo dela, original, por essa demanda. Por quê? Porque facilita para o professor, o grupo já conhece ela, vai fazer a intermediação. Vai dar qualidade, que eu acho que a gente precisa entender, a qualidade do que ela vem fazer na escola, dessa dinâmica da escola. É uma das preocupações minhas para o próximo ano, uma das questões que vou levar para a coordenação. Pensando em [Clarice] permanecer comigo, eu não iria adivinhar que iria pegar um grupo que precisasse está todo mundo colado comigo (SESSÃO DE ENTREVISTA – CONVERSA INICIAL).

Essa situação de a turma compreender como a menina opera e poder colaborar com a prática em sala de aula acontece por conta da condição de Clarice, como pessoa com deficiência intelectual. A garota possui Síndrome de Down, que é “resultado da ocorrência de material genético extra no cromossomo 21” (CUNNINGHAM, 2008, p. 11) Essa alteração genética que resulta na Síndrome de Down aplica sobre o sujeito a condição de pessoas com deficiência intelectual.

Porém é necessário compreendemos a diversidade de pessoas que existe com essa mesma condição. Cunningham (2008, p. 11) explica que “existem grandes diferenças entre portadores de síndrome de Down em termo de suas capacidades intelectuais, sociabilidades, altura, peso, saúde, personalidade e assim por diante”, nesse sentido, precisamos entender a pessoa na sua completude, e não a partir de uma condição.

De acordo com Silva (2010, p. 56), as limitações da criança com Síndrome de Down “são muito mais sociais do que físicas ou orgânicas, pois, por apresentarem características físicas e orgânicas peculiares, ainda são – apesar do avanço social – consideradas incapazes pela maioria das pessoas”. Assim, o modelo de deficiência em uma perspectiva social, como postulado por Diniz (2007), se sobressai nesse contexto teórico.

Cunningham (2008, p. 222) explica que utiliza deficiência intelectual para falar do sujeito com SD “porque reflete a principal característica de uma diferença no funcionamento intelectual, que inclui a aprendizagem e o desenvolvimento mais lento”. Por tanto, concluímos dessa forma, que Clarice se caracteriza como um aluno com Deficiência Intelectual.

De acordo com Viena (2016, p. 49),

[...] as principais manifestações da deficiência intelectual situam-se, ao nível do desenvolvimento cognitivo, na menor eficiência em situações de aprendizagem, como na aquisição de aptidões e na resolução de problemas, ou seja, um desenvolvimento lento, se as compararmos com os indivíduos sem deficiência.

Quando se trata da pessoa com deficiência intelectual no espaço escolar, precisamos compreender como esse sujeito aprende, afinal, essa é a matéria-prima das práticas

pedagógicas. Pesquisas como a de Viena (2016) e Fonseca (2016) revelam que há um descrédito no potencial de aprendizagem da pessoa com DI, o que repercute no empobrecimento curricular e em práticas pedagógicas pautadas apenas nas limitações desses sujeitos.

Nesse sentido, na busca pela superação do estigma da não aprendizagem, é fundamental que o professor comece a enxergar o sujeito a partir de suas potencialidades, entendendo sua condição, mas também o compreendendo como aluno capaz de aprender e se desenvolver. Viena (2016, p. 46) explica que:

Compreender como o indivíduo com deficiência intelectual aprende e qual sua apreensão dessa aprendizagem pode ser um importante meio para nortear as ações educacionais, evitando que elas sejam vagas e inconsequentes, e que desconsiderem as características peculiares da pessoa com deficiência, que possui aspectos que lhe são intrínsecos.

Assim, é fundamental compreender, antes de mais nada, que o sujeito com deficiência intelectual tem a capacidade de aprender, dentro de suas peculiaridades, mas com potencial de desenvolvimento. Com isso, é necessário a busca pela possibilidade de desenvolvimento de habilidades como abstração, generalização e atenção, que podem “contribuir para a inserção dos alunos com DI nos processos de ensino e aprendizagem na escola, e isso se refere também, às práticas curriculares de leitura e escrita (FONSECA, 2016, p. 16).

Ainda sobre o desenvolvimento dessas habilidades, Viana (2016, p. 48) postula que

A capacidade operatória de sujeitos com deficiência intelectual aponta, em unanimidade, que esses indivíduos possuem a capacidade de desenvolver habilidades cognitivas, que possibilitem a evolução de seu processo de aprendizagem, desde que as situações de aprendizagem ocorram em contexto de mediação, moldados por atividades estimuladoras e provocadoras do conflito sociocognitivo e que contemplem suas especificidades e potencialidades.

Compreendemos que a criança com DI tem a possibilidade de desenvolver habilidades cognitivas, desde que disponha em seu contexto de atividades que a desafiem a se desenvolver, explorando seu potencial e considerando sua realidade social e cultural. Nesse sentido, a prática pedagógica precisa sempre ser pensada sob a perspectiva do avanço no processo de aprendizagem da criança com DI, trabalhando as habilidades necessárias para isso.

Entretanto, é necessário considerar que o sujeito com deficiência intelectual pode tirar proveito de práticas pedagógicas que se voltam para o aluno sem deficiência. Viena (2016, p. 49) explica que “aspectos estruturais de sujeitos com [DI] são semelhantes aos de pessoas sem

deficiência, ou seja, sujeitos com [DI] apresentam semelhança, em seus esquemas de desenvolvimento cognitivo com indivíduos sem deficiência”.

Portanto, em determinadas circunstâncias, Clarice pode tirar proveito das mesmas atividades feitos por seus colegas. Porém, em outras situações, são necessárias propostas voltadas para a menina, pensando especificamente em suas necessidades educacionais e suas demandas particulares, levando em consideração suas limitações e potencialidades, além das características específicas de sua personalidade.

Nas nossas experiências em sala de aula, pudemos entender como a garota funciona. Primeiramente, ela entende a lógica da cultura escolar, sabe como a rotina funciona e entende seu papel dentro desse contexto, encontra-se, pois, socializada. Tal compreensão se baseia nas observações feitas durante a investigação. Por exemplo, em determinados dias, as carteiras estavam marcadas com o crachá dos alunos para que eles sentassem em cantos específicos escolhidos pela professora, nesses dias, Clarice, ao chegar, ia em busca do seu lugar; em outros dias, a escolha da carteira era livre, nessa situação, Clarice buscava sentar sempre na frente, próximo à professora e a uma colega com a qual tinha afinidade.

Outro exemplo de como a menina entende a lógica da escola e da prática pedagógica da professora: em determinados dias, quando a agenda já estava no quadro, ela abria seu caderno na página em que deveria fazer as anotações e esperava a professora para iniciar. O excerto a seguir descreve uma dessas experiências:

Enquanto a maioria da turma escrevia, Clarice chega na sala de aula, busca localizar seu lugar, considerando a marcação feita pela professora com os crachás. Ao localizar, ela se senta, abre sua agenda, busca seu lápis e borracha na bolsa e aguarda pela ajuda da professora, que finalizava uma conversa com outro aluno (DIÁRIO DE CAMPO, DIA 8 – EPISÓDIO 1: Roda de conversa inicial).

A atitude da menina também aponta para um certo grau de autonomia dentro da rotina estabelecida por ela e pela professora durante os anos. Essa autonomia desenvolvida é resultado da parceria criada entre a professora e a aluna, considerando que, pelo tempo que estão juntas, uma já conhece o modo de funcionamento da outra, e consegue lidar com tranquilidade dentro dessa lógica de operacionalização. Sobre esse tema, a professora Conceição explica o seguinte:

Professora – Ela tem esse entendimento, ela já sabe o papel dela na escola e

ela cobra isso de você também. Quando a demora é muita, ela tira e ela fica ali, fazendo cara e bocas, entendeu? Porque você tá demorando a chegar até ela. Como a atividade de ontem, é uma atividade que demanda, pela diversidade da turma, que eu acompanhe muitos. Isso é um agravante nesse

processo da [Clarice], justamente porque assim, os colegas dessa turma eu tenho [Marina] que faz esse trabalho de intermediação muito bacana com [Clarice], mas assim, a turma do ano passado, era uma turma que dialogava mais com esse processo de avanço de [Clarice]. Porque assim, enquanto eu estava com determinado grupo, aquele outro grupo chegava junto. Por mais que eu oriente, que eu converse com esse grupo que [Clarice] está em contexto de sala de aula para que todo mundo possa fazer essa intermediação, mas eles ainda não têm essa maturidade (SESSÃO DE ENTREVISTA – CONVERSA INICIAL).

Na fala da professora, dois pontos chamam a atenção, o primeiro deles, o entendimento de Clarice sobre o seu lugar na escola, e a cobrança sobre a professora quando se trata de esperar a sua mediação pedagógica. Esse elemento demonstra um empoderamento da menina com relação a sua vivência no espaço escolar, uma vez que sabe cobrar aquilo que ela já entende que é dela por direito.

O outro aspecto presente nessa fala da professora, já discutido neste tópico, é seu o desejo de que a garota retorne para sua turma anterior, assim buscando o seu aproveitamento e avanço no processo de aprendizagem. É necessário esclarecer que Clarice se relaciona bem com os colegas dessas turmas, tendo seus preferidos e seus preteridos, assim como qualquer outra criança. Nas atividades em grupo, a menina consegue lidar com qualquer aluno, e, por conta do empoderamento descrito anteriormente, ela se destaca nas discussões e nas atividades feitas em grupo. Ainda sobre o perfil da aluna, a professora Conceição diz o seguinte:

Professora – Não, agora assim, [Clarice] ela sempre... trabalhar com ela é

mais fácil porque ela está disponível, ele sempre está muito disponível. Tem dias que ela está, né? Uma benção, “Bora [Clarice]”, daí faz caras e bocas. Mas realmente ela tem muita disponibilidade. Quando eu a recebi ela já estava organizada no sentido de que: “Você vem para escola”, ela já conhecia uma rotina, como ela vem da Educação Infantil, ela já tem uma vivência de escola. Entendeu? Então para ela não foi um problema sentar, escolher um lugar, se organizar em grupos, não. Para ela o que estava precisando ser iniciado era esse processo de: “Vamos lá, você está aqui é para escrever, para ler”, porque estava muito naquela questão, é o social, “É, ela está socializada”, você ver que ela tem uma intimidade muito grande com qualquer grupo. (SESSÃO DE ENTREVISTA – DIÁLOGO SOBRE A PRÁTICA 1).

A fala da docente revela um ponto fundamental para o êxito da menina no ambiente escolar, a sua disponibilidade. Na maioria das propostas pedagógicas sugeridas para a menina, ela se mostra aberta a participar e se empenhar em finalizá-las, essa característica colabora com a prática docente na perspectiva de ampliar as possibilidades de trabalho contando com a anuência da criança em relação às propostas.

Outro elemento importante na fala da professora sobre Clarice, é seu entendimento do potencial de aprendizagem dos conteúdos curriculares da menina, uma vez que a docente aponta que a socialização apenas não basta, é preciso ir além. Nesse sentido, compreendemos que é fundamental que a criança com deficiência intelectual tenha acesso sistematizado aos conteúdos trabalhados com os demais alunos no ambiente escolar, buscando explorar seu potencial de aprendizagem, entre eles está a língua escrita, objeto de investigação desta pesquisa.

Quando se trata desse conteúdo, podemos notar que Clarice já deu seus primeiros passos na aprendizagem da língua escrita, tendo um repertório significativo de letras, escrevendo o próprio nome com autonomia, produzindo com valor sonoro pequenos escritos e lendo independentemente sílabas canônicas. Como posto no Quadro 6, a menina se caracteriza como silábica, de acordo com os pressupostos de Ferreiro (1995), e lagográfica de acordo com a teoria de Frith (1985). A Figura 14 apresenta uma amostra da escrita de Clarice:

Figura 14 – Escrita de Clarice: silábica

Fonte: registro do autor

Na atividade a garota precisava escrever um e-mail para o Saci Pererê, em uma sequência didática sobre a personagem. A atividade foi mediada pela professora Conceição, essa mediação acontece durante as atividades com a língua escrita, a aluna aguarda a professora para iniciar a realizar sua tarefa. Figueiredo (2012, p. 43) postula que “a mediação assume papel

fundamental no processo de aprendizagem dessas crianças [com DI], o que implica que a escolarização deve ser fortemente pautada sobre este aspecto”.

O episódio a seguir registra a mediação da professora Conceição na elaboração da atividade:

A professora [Conceição] sentou em frente a [Clarice] e questionou o que a garota gostaria de escrever em seu e-mail para o Saci Pererê. A partir da fala da aluna, a professora foi orientando a escrita do texto, falando pausadamente cada palavra. A professora primeiro pronunciava a palavra pausadamente, em seguida repetia sílaba por sílaba, sempre solicitando que a menina prestasse atenção em sua boca e no som que emita. A garota então, após cada sílaba dizia em voz alta as letras e esperava a confirmação da professora, caso positivo ela escrevia, caso negativo, a professora repetia o processo. Em algumas situações a menina recorria a seu material, para relembrar o formato de uma letra (DIÁRIO DE CAMPO, DIA 21 – Episódio 3: Atividade: escrevendo um e-mail).

É possível notar a predominância da escrita bastão, assim como o tamanho da grafia da garota, escrevendo sempre com letras graúdas. Sobre as letras grandes, há duas considerações a serem feitas, a primeira é sobre a coordenação motora fina, que está em desenvolvimento, isso até certo ponto justifica a letra. Porém, a segunda é que a letra grande faz parte de uma estratégia utilizada pela menina para escrever menos, uma vez que, apesar de se dispor a fazer a atividade, ela sempre busca minimizar o seu trabalho. A professora Conceição explica essa situação:

Professora – E faz desse tamanho, se eu der uma linha desse tamanho e faz

desse tamanho para não precisar escrever o nome todo. Ela sabe o nome completinho, escreve com autonomia o primeiro, mas ela sabe falar o nome dela completo, mas na hora de escrever ela não é besta. Pode dar uma linha do tamanho do mundo, ela escreve apenas [Clarice] enorme, para não dá o restante do nome: “deu não”. Estratégia... (SESSÃO DE ENTREVISTA – CONVERSA INICIAL).

A Figura 14, que apresenta o registro da escrita da criança, nos ajuda a entender a organização da grafia da menina e corrobora tal argumentação. É necessário considerar que a criança com deficiência intelectual não é um ser neutro e passivo, suas ações também possuem intencionalidades e esses sujeitos desenvolvem estratégias para viver no mundo. No caso de Clarice, por conhecer bem a professora e o contexto escolar, ela desenvolveu ferramentas para ajudá-la a viver no contexto educacional com menos trabalho.

A professora busca sempre contornar tais estratégias a fim de promover a aprendizagem da língua escrita da criança. Entretanto, em determinadas situações, quando essa compreensão

não é trabalhada, acontece o empobrecimento do currículo da criança em detrimento da mediação pedagógica e da relação da menina com a língua escrita. Agora, sobre o nível de domínio da língua escrita da garota, a professora explica que:

Professora – E uma coisa que a Clarice tem: ela não está mais nas letras

isoladas, pronto T e I, ela sabe o que é um TI. Qual a questão de letra para Manu. Surgiu a demanda ontem, e eu fui tirar uma dúvida. Eu coloquei uma palavra e “[Clarice], essa palavra, o que eu coloquei aqui no quadro?” E ela lê a letra, lê a sílaba, mas a palavra não chegou ainda (SESSÃO DE ENTREVISTA – CONVERSA INICIAL).

Na fala da professora é possível entender que a menina está a caminho de usar a rota lexical para o processo de leitura, porém, ainda há passos a serem dados nesse percurso de aprendizagem no processo de alfabetização. Figueiredo (2012, p. 39) explica que, dentro da aprendizagem da língua escrita da pessoa com deficiência intelectual, há “crianças que apresentam respostas mistas, isto é, demonstram alguma capacidade de focalizar a palavra como sequência de sons, mas ainda estão ligadas às características do objeto representado pela palavra”.

Ou seja, no caso de Clarice, ora ela entende que as representações gráficas presentes na estrutura da palavra representam fonemas e formulam o signo que nomeia algo, ora ela busca outros recursos para realizar sua leitura, trazendo significados sobre elementos sobre os quais ela já tenha se apropriado em vivências anteriores. Marca da leitura pela habilidade logográfica (FRITH, 1985).

Para além disso, é necessário entender os pequenos nuances da escrita de Clarice, como ela apreende a letra e a reproduz em outros escritos. Esse entendimento nos faz compreender a prática pedagógica da professora Conceição. Em uma das nossas sessões de entrevista, a docente nos revela o seguinte:

Professora – então eu fui criando as estratégias com Manu. Primeiro eu tinha

que entender. Um dos pontos que eu acho importantíssimo nesse processo, principalmente de crianças que têm uma deficiência e de você trabalhar esse sistema de escrita com ela, e ela já tem essa... ela está disponível para isso. Você primeiro saber como aquele outro apresenta essa escrita, não você: “vamos lá, vamos fazer um C”. O C é seu, o C não é dele. Você tem que deixar muito à vontade para você perceber, de onde começa essa letra para ele, para ver dali... você vê como [Clarice] escreve o S, você já observou? Ela escreve o C ao contrário e completa.

Entrevistador – O 5 também, ela escreve o C ao contrário e completa. Professora – Entendeu? Então olhe só, ela foi me mostrando. Ela não

[Clarice] acontece diferente, entendeu? Então você precisa entender isso (SESSÃO DE ENTREVISTA – CONVERSA INICIAL).

De acordo com a fala da professora, Clarice constrói e amplia seu repertório a partir de referências prévias, uma lógica categorial presente nas explicações vigotskianas sobre o pensamento da criança (VYGOTSKY, 2007). No exemplo, a menina primeiramente se apropriou da letra C, e a partir dessa referência foi apreendendo outros signos gráficos, como a letra S e o número 5. Uma estratégia de aprendizagem aprendida pela menina com independência no percurso do seu processo de alfabetização e suas vivências com a língua escrita.

O episódio a seguir registra a situação em que Clarice faz uso dessas estratégias:

Enquanto [Clarice] escreve seu texto, ela utiliza de estratégias para o registro gráfico dos signos da língua escrita. Por exemplo, para escrever a palavra “Casa”, no registrado da letra S, a garota primeiramente escreveu a letra C invertida, e complementou o signo. Em outro momento, para escrever a palavra “Felicidade”, para registrar a letra F, ela primeiramente fez um traço na vertical, e pausadamente fez os traços na horizontal, contando 1 e 2, com a letra E foi semelhante, porém contando 1, 2 e 3 (DIÁRIO DE CAMPO, DIA 8 – EPSÓDIO 2: Atividade de Português).

Porém, quando falamos sobre alfabetização da criança, com ou sem deficiência, além da escola, outro fator é determinante, a família. Fonseca (2016, p. 64) esclarece que “não adianta inserir o aluno com Síndrome de Down em uma sala de aula regular, sem que haja, por parte da equipe escolar e da família, um investimento sistemático no desenvolvimento e na aprendizagem desse aluno”.

Nesse sentido, é fundamental compreender que importância dessa família no contexto educacional e no processo de alfabetização da criança com deficiência intelectual. Sendo assim, a professora nos revela que um “ponto, uma coisa positiva de [Clarice] ter passado comigo esse tempo todo, como a família é muito disponível, a mãe é muito disponível” (SESSÃO DE ENTREVISTA – CONVERSA INICIAL).

A participação da família de Clarice, principalmente da mãe, contribui para o êxito da menina na aprendizagem e no desenvolvimento dentro do espaço escolar. Esse apoio é fundamental para que a criança tenha o acesso sistematizado ao conhecimento nas duas instituições sociais de que faz parte, a de ensino e a familiar. A professora Conceição ainda nos