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Mobilidade Metropolitana e Utilização Energética

2. Mobilidade metropolitana e o pressuposto da desigualdade

2.3. A América Latina no contexto da economia internacional

A partir da necessidade de interconexão que a dinâmica metropolitana pre- coniza, o funcionamento da economia metropolitana também é abordado de maneira dialética em relação ao seu sistema de mobilidade, com ênfase para a necessidade crescente de investimentos em transporte. Considerando que o crescimento econômico vem sendo uma das principais tarefas dos gover- nos desde o fim da segunda guerra mundial, e agora enfatizado como uma condição para o desenvolvimento e melhoria de vida das metrópoles latino- -americanas, o investimento em infraestrutura de transportes regionais é um dos grandes eixos de atuação dos governos locais com o objetivo de promo- ver o crescimento econômico.

Esta lógica se repete nos investimentos em infraestrutura urbana de transpor- tes, principalmente em infraestrutura viária. A partir da característica cíclica dos sistemas de mobilidade, atendendo novas demandas e gerando outras, direcionando os eixos de valorização do solo, e ainda a partir dos impactos ambientais e sociais gerados pelo sistema, seus efeitos contraditórios em geral são sofridos por aqueles que não conseguem se inserir na lógica do mercado e posteriormente pelo conjunto da população.

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2. Mobilidade metropolitana e o pressuposto da desigualdade

A metrópole que alguns autores chamam de fordista não chegou a se con-

cretizar nas realidades econômicas dos países do hemisfério sul. Entretanto, a revolução urbana para um novo ciclo do sistema econômico também se verifica nas economias mais periféricas ao sistema do capitalismo industrial. Para o contexto das cidades latino-americanas, este fenômeno tem algumas características especificas. Elas estão, sobretudo, associadas ao conjunto de reformas estruturais e mudanças significativas na economia a partir da década de 70 e principalmente 80, orientadas pela política internacional de financia- mento para o ajuste estrutural dos países do hemisfério sul a partir do Consenso de Washington.

• política de desregulação e flexibilização, internacionalizando seu mercado financeiro;

• diminuição da intervenção estatal na economia e redução do controle e planejamento dos espaços urbanos;

• generalização de estratégias de competitividade urbana e marketing urba- no, tentando atrair capitais financeiros internacionais.

Estes fatores mostram a crescente importância do papel dos investimentos privados no desenvolvimento urbano (DE MATTOS, 2007). Com o apro- fundamento em escala global da dependência estrutural das sociedades em relação à economia internacional, o seu crescimento econômico está direta- mente ligado aos níveis de investimento aplicados, relação demonstrada no esquema abaixo.

Figura 2.01 Nova dinâmica estrutural para o

desenvolvimento urbano Fonte: elaboração própria a partir de

De Mattos (2007)

Investimentos dependem da valorização e do retorno de capital que o lugar pode

oferecer

crescimento econômico depende do nível de

investimentos capitalismo financeiro e

dependência estrutural das sociedades em relação ao

capital

crescimento econômico como condição para elevar

a renda da população

Isto demonstra a dependência estrutural em relação à economia externa que se consolidou neste período, que gera a necessidade de ajustes constantes da economia em relação aos processos de transformação mundiais em curso, uma adequação ao cenário mundial. Desta dinâmica no contexto da América Latina, ao mesmo tempo que promove centralidades extremamente equipa- das e inseridas na lógica global, na mesma cidade, acaba por acentuar a urba- nização precária em outras áreas.

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Mobilidade urbana e utilização energética

Surgem ainda as instituições supranacionais de regulação e o reforço dos po- deres públicos locais num contexto de concorrências interterritoriais (AS- CHER,1995). Com o aumento da importância dos mercados financeiros e investimentos privados, as gestões urbanas passam a dar maior importância para o funcionamento do sistema urbano como lugar de valorização deste capital a ser atraído. Em concordância com a nova lógica dominante, a des- centralização política e administrativa se torna um caminho para limitar as atribuições do Estado central em benefício da sociedade civil e das comunida- des locais de um lado e de outro reforça a atuação dos agentes supranacionais, tanto da economia financeira como da influência de agentes internacionais e centros de estudos urbanos (De MATTOS, 2008). Para a realidade das metró- poles latino-americanas, esta descentralização e nova forma de gestão se con- solida na ideia de governança: a regulação e parceria do estado com os demais agentes da sociedade se tornam um jogo desequilibrado, onde os poderes dos diversos agentes se apresentam de maneira desigual, característico do proces- so de desenvolvimento urbano e estrutura social até então. Este desequilíbrio se dá pelo peso e poder adquiridos pelos capitais, frente tanto aos poderes públicos locais, que muitas vezes estão servindo aos interesses dos grandes poderes econômicos ou estão fragilizados diante deles pela necessidade de captar investimentos e alavancar o crescimento econômico dentro da nova lógica da economia global.

A gestão dos sistemas de mobilidade, a partir da generalização destas transfor- mações na metrópole, sobretudo a partir da década de 1980, passa também a se adaptar a este novo perfil. Para este setor, as soluções em geral são baseadas na privatização da operação dos serviços de transporte e dos investimentos para sua expansão e a retirada das políticas de subsídios estatais, ficando ao poder publico o papel regulador do sistema. O sistema de transportes passa a viabilizar os serviços a partir da transferência de custos diretos para a popula- ção usuária, através da tarifa, e a retificação de sistemas deficitários.

Este novo papel do poder público na gestão da mobilidade gerou a liberali- zação da atividade e desaparecimento ou privatização das empresas públicas, incrementando a participação do setor privado na dinâmica da mobilidade metropolitana. Este incremento se deu, sobretudo, pelo surgimento de novos empresários de transporte pela redução do emprego publico e do afastamen- to de muitos funcionários, assim como a promoção, por parte do Estado, de contingentes para o transporte automotivo. Este incentivo ao transporte au- tomotivo se associa ainda à necessidade de impulsionar a indústria automotiva e as indústrias ligadas aos setores de infraestrutura, tomadas como matrizes do crescimento econômico. Alguns incentivos como a drástica redução da ta- rifa de importação de veículos e também em incentivos fiscais para a indústria automotiva em território nacional impulsionaram a generalização do uso do

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2. Mobilidade metropolitana e o pressuposto da desigualdade

automóvel como matriz do sistema de mobilidade dos novos padrões urba- nos. Esta característica impulsionou também a expansão da oferta de veículos privados adaptados ao transporte coletivo, muitas vezes se incorporando ao transporte informal e acentuando a setorização e hierarquização social na mo- bilidade metropolitana.