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6 Região Metropolitana de Paris (IDF) p. 115

7 Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) p. 157

8 Situação e tendências da mobilidade metropolitana em IDF e RMSP p. 205

NOTAS DE CONCLUSÃO

p. 215

9 Padrões da mobilidade metropolitana p. 217

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Apresentação

O dia seria quente, sem sinal de chuva em Parelheiros. A moça sai de casa às quatro horas da manhã e vai a pé até a avenida principal do bairro, Teotônio Vilela, em uma caminhada que dura quinze minutos. Esperando o ônibus, cada minuto são dez naquela calçada, à margem da avenida barulhenta, onde os carros passam muito rápido. Finalmente, ônibus ainda com lugar pra sen- tar. Depois de vinte minutos a moça desembarca no Terminal Varginha e vai para a fila de espera do ônibus que vai levá-la até a estação Grajaú de trem CPTM, a porta de entrada da cidade na zona sul. Desce do ônibus lotado depois de vinte minutos, já faz calor. O trem lotado, todos precisam ir para ‘a cidade’ trabalhar, pelo mesmo funil, ou melhor, trilho. Ela acha bom que ao menos o trem tem ar condicionado. Finalmente chega à estação Pinheiros, conexão com o metrô, depois de quarenta e cinco minutos. A cada trecho percorrido em direção ao centro a sua condição de deslocamento fica melhor. Ainda bem que o trabalho está na mesma linha Amarela que vai tomar. Cami- nha para embarcar, metrô cheio, mas agora aqui as coisas são melhores, me- nor aperto. Entre embarque e destino, mais vinte e cinco minutos, e chega à casa de família onde trabalhará por mais oito horas antes de começar a viagem de volta, de mais duas horas, caso não haja imprevistos. São quatro horas de viagem por dia mais oito de trabalho. Ela serve a cidade, e depois vai embora. No mesmo bairro da zona sul, já no meio da manhã, um grupo de estudos vai conhecer a Área de Mananciais da RMSP. Dentro de um carro muito grande, preto e brilhante, tração nas quatro rodas, estão quatro pesquisadores paulis-

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tanos da temática metropolitana. Depois de verificar uma área ocupada por moradias construídas em madeira velha, latas, improvisação que já tem dez anos, a visita a campo segue tranquila ao som de jazz americano, e tempe- ratura interna marcando um agradável vinte e dois graus, apesar da canícula exterior. Outro bairro de densa paisagem autoconstruída, entre os que mais crescem na zona sul, se situa na margem de um dos rios que levam suas águas para a Represa Guarapiranga. À frente o carro popular para, bloqueando o 4x4, um indivíduo salta rapidamente e atravessa a frente do automóvel. Todos de dentro do carro ficam apreensivos esperando serem tomados de assalto. ‘Fiquem tranquilos, aqui estamos protegidos, é blindado’. O indivíduo remo- ve a bicicleta que o atrapalhava estacionar.

Ainda dentro do ambiente climatizado do 4x4, o grupo volta para a ‘cida- de’. O pesquisador se mostra consternado e triste com a situação que viu: o cachorro estava morrendo sozinho e doente no terreiro à frente da ocupa- ção. Durante os 30 quilômetros de volta a discussão sobre a urbanização da metrópole se intensifica, e as visões sobre a cidade são expressas através de termos como estressante, barulhenta, animada, difícil, cosmopolita, injusta, agressiva, etc. O pesquisador, sereno diante de seu volante, diz o que pensa sobre a metrópole. ‘Gosto muito de morar aqui. O que eu sinto é que a cidade está à minha disposição vinte e quatro horas pra que eu a aproveite.’

As duas situações são verdadeiras. Os dois mundos coexistem. A primeira é o relato de uma empregada doméstica que trabalha em casa de família na região da av. Paulista, a segunda foi vivida alguns dias antes do fechamento deste caderno. Esta segunda situação me pareceu condensada de tudo o que esta tese pretende mensurar de maneira acadêmica e quantitativa. No contexto, a frase dita não poderia ser mais sintética e verdadeira, traduzindo a dinâmica da metrópole de São Paulo.

A primeira parte da pesquisa é composta por tópicos que constroem o pro- cesso de urbanização e sua interface com as questões energéticas locais e também na esfera da geopolítica. A segunda parte investica, sobretuto através das pesquisas de origem e destino, as características das metrópoles estudadas em seus dados médios e nos extremos das faixas de renda da população. Demonstrar e trabalhar o óbvio vivido todos os dias pelos vários citadinos, é transformar o problema individual em questão social. Mesmo que partindo da perspectiva urbanística dos processos, a pesquisa caminha vislumbrando uma abordagem das questões urbanas que incorpore compreensão da sua dependência aos sistemas naturais.

Finalmente apresentamos em Notas de conclusão as principais idéias originadas

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Introdução

Falar sobre a mobilidade urbana é falar sobre utilização energética. Não se pode discutir padrões de deslocamento sem considerar o consumo de recur- sos em cada opção. Da mesma forma, não se pode discutir demanda energé- tica e suas implicações sem abordar os padrões de mobilidade das cidades. O estudo sobre as formas de mobilidade cotidiana correspondem ao estudo das formas de utilização energéticas no sistema urbano.

A compreensão destas formas de utilização energéticas são importantes para compreender como se estrutura a distribuição do acesso à cidade. A distribui- ção da utilização energética no contexto da metrópole reflete a distribuição do acesso à cidade e a distribuição da riqueza social, onde o deslocamento cotidiano passou a ser uma condição e norma social de inserção.

O estudo se ampara numa base empírica comparativa entre as tendências entre duas metrópoles contemporâneas, a fim de ampliar os conhecimentos no que diz respeito às dinâmicas urbanas das metrópoles. Recorrendo ao à comparação, a pesquisa pode apontar regularidades e desvios, continuidades e descontinuidades, no que diz respeito à formulação de conceitos gerais den- tro dos processos de urbanização recente, na tentativa de ir além das singu- laridades de eventos. Nas pesquisas sobre o urbano, assim como nas demais

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pesquisas sobre processos sociais, não podemos experimentar, reproduzir situações, e neste contexto a comparação é um instrumento importante de produção de conhecimento para a temática, induzindo teorias e esclarecendo processos.

A pesquisa irá fazer um paralelo entre a situação e as tendências na mobilida- de urbana cotidiana para o caso da metrópole de São Paulo e de Paris. Esta escolha se justifica pelo contraponto possibilitado pela análise de condições históricas díspares, porém com alguns processos semelhantes, no que diz res- peito à desigualdade de condições na cidade na sua tendência de dispersão do tecido urbano metropolitano e das configurações da mobilidade urbana, baseadas em sua condição de metrópole inserida em um mesmo sistema de economia de mercados.

Para tanto, faremos uma análise geral sobre as características da mobilidade nas metrópoles, e a partir deste quadro, serão mostrados os casos de polari- dade social, aqui selecionando a renda como parâmetro, por uma condição de viabilidade de existência e manipulação de dados, e acreditar que no contexto atual esta variável reflete de maneira mais próxima a condição de acesso à cidade. Assim, teremos a leitura das médias e dos extremos a partir das rendas por domicílio.

Para os estudos na região metropolitana de São Paulo, a principal fonte de dados adotada foi a Pesquisa Origem-Destino, realizada pela Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô. Com 3 séries de pesquisa, nos anos 1977, 1987, 1997 e a Mini OD de 2002. Para a análise das características da sua mobilidade foi utilizada a última pesquisa, realizada em 2007 e a pesquisa anterior, de 1997. Para o caso francês, as principais fontes de dados são as

Enquête Globale Transports - EGT) (Enquête Global de Transporte) , especial-

mente as de 2001 e 1991, desenvolvidas pelo STIF - Syndicat des Transports d’Ile-de-France, e Institut national de la statistique et des études économiques (Insee).

O Problema

As formas de utilização e distribuição dos recursos energéticos surgem a par- tir das características da mobilidade urbana metropolitana, que por sua vez são viabilizadas pelas energias e tecnologias adotadas. Novas formas de de- sigualdade ambiental surgem a partir dos novos padrões de mobilidade. A pesquisa demonstra que esta leitura pode ser feita através das formas sociais de uso da energia na mobilidade urbana e as características desta dinâmica cotidiana nas metrópoles, evidenciando as disparidades de consumo e acesso. As análises sobre as implicações do padrão urbano metropolitano mostram

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que os problemas do ambiente urbano são inseridos e originados nas dinâmi- cas sociais. Assim, as características de acesso à mobilidade e as características ambientais (poluição, acidentes, gasto energético, gasto de tempo), o padrão urbano dos locais de moradia (segregação, aumento das distâncias e depen- dência da tecnologia, homogeneização, etc.) se associam a uma desigualdade inerente ao processo de urbanização dispersa, gerando impactos diferencia- dos entres diversas camadas sociais da população. Alguns deslocamentos re- querem grandes gastos energéticos e a necessidade de uma grande dedicação de espaço urbano para sua manutenção, enquanto outros, dentro do mesmo sistema urbano, utilizam pouco recurso material e energético e sofrem maior impacto do modelo de mobilidade.

Tomamos como bases empíricas os casos polarizados de condições de in- fraestrutura de circulação e transporte dentro das metrópoles, evidenciando diferentes contextos dentro do mesmo processo, a urbanização na era do petróleo. Além da verificação das características gerais da mobilidade urbana, os casos serão estudados para demonstrar a relação entre o padrão de mobi- lidade e o pressuposto de desigualdade na estrutura urbana no processo de dispersão das metrópoles.

Hipóteses

O padrão de mobilidade urbana cotidiana está associado às características da estruturação das metrópoles, marcadas pelas características de seu processo de urbanização dispersa. A dispersão urbana tem no sistema de mobilidade a estruturação desta característica desigual. O padrão de mobilidade e o padrão do tecido urbano possuem uma relação dialética, que gera um efeito catalisa- dor nos processos de desigualdades sociais e ambientais, tanto na escala do tecido urbano quanto na escala da estrutura metropolitana.

Na busca de uma mudança do quadro atual, o transporte coletivo amplo e de boa qualidade é extremamente importante e necessário, mas não significa a democratização do acesso à cidade, já que a metrópole dispersa possui a característica rodoviarista em seu cerne. A mobilidade está inserida em um sistema de desigualdades sociais, que estruturam a condição na mobilidade urbana, dentre os quais se destacam os locais de moradia na estrutura urbana, a distribuição do trabalho no território e o modelo de circulação e transporte (as opções adotadas como o padrão de circulação para a cidade).

O objetivo geral é contribuir para as reflexões que visam alterar os paradigmas de mobilidade nas grandes metrópoles. Iremos demonstrar que as caracte- rísticas da mobilidade cotidiana das metrópoles contemporâneas possuem o

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pressuposto da desigualdade, traduzida no acesso diferenciado à cidade, aos recursos necessários a este acesso, aos meios de deslocamento e ao acesso às suas oportunidades sociais e econômicas.

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