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Mobilidade Metropolitana e Utilização Energética

5. Mobilidade e novas formas de desigualdade

5.3. A desigualdade ambiental urbana na escala local

O sistema de mobilidade, que historicamente era um sistema secundário na relação intraurbana e definição entre as formas de moradia e formas de tra- balho, torna-se um elemento estruturador destes sistemas no tecido urbano das metrópoles. A partir da urbanização dispersa, reforçou-se a dinâmica que relaciona fortemente as condições de moradia, trabalho e renda, e as formas de circulação. A identificação destes 3 eixos de estruturação da metrópole é um elemento chave para a compreensão dos sistemas de desigualdade social que se influenciam na metrópole contemporânea.

Assim, a desigualdade social dentro destas 3 dimensões tem um efeito cir- cular, tanto para o seu agravamento quanto para sua minimização, gerando a desigualdade ambiental urbana como um sistema. Estas variáveis afetam diretamente todas as outras dimensões da vida urbana. Assim, podemos ilus- trar esta dinâmica com o efeito “bola de neve”, que quanto mais gira para um lado, mais se torna grande e difícil de ser imobilizada.

Em um efeito positivo, a melhora nas condições de circulação pode gerar mais possibilidades de melhores postos de trabalho e renda, com a possibilidade de melhorar as condições de moradia e inserção na metrópole, melhoran- do assim sua capacidade de mobilidade na metrópole. Um acesso à moradia adequada abre a possibilidade de conseguir um bom emprego e melhorar a renda, melhorando sua capacidade de deslocamento e mobilidade, melhoran- do assim a possibilidade de ter moradia de melhor qualidade. Quando mais facilitado o acesso ao trabalho e à renda, mais fácil se torna o acesso à mora-

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dia, ampliando a possibilidade de mobilidade e acesso à cidade. O sistema de desigualdade ambiental urbano é diminuído a cada inserção positiva nestes 3 principais eixos de caracterização do padrão de mobilidade. A desigualdade ambiental urbana interfere na capacidade de mobilidade dos indivíduos na metrópole. (originado na nota de rodapé sobre capability, SEN [2001], pag. 12, Repenser l’Inegalité). Da mesma forma, a diminuição desta desigualdade amplia o acesso à cidade.

A partir disto se associam outros sistemas de desigualdade, como educação, cultura, consumo, saúde, sendo estes fortemente influenciados pelo tripé moradia/renda/transporte. Porém, o sistema de desigualdade se desenvolve sempre a partir das dimensões do ter, do saber e do poder. Assim, os ci- clos positivos e negativos são intensificados quando estas três dimensões são igualmente afetadas.

A diminuição desta desigualdade gera maior efeito progressivo quando esta diminuição afeta todas as dimensões citadas: ter recursos materiais para se deslocar, saber como podem ser as alternativas de deslocamento e oportuni- dades urbanas e que elas são disponíveis, poder influenciar politicamente nas decisões sobre as características e funcionamento dos meios de circulação da metrópole. Assim, cada nova medida no sentido de diminuir a desigualdade ambiental, terá seu reflexo na diminuição da desigualdade social, sendo que as maneiras mais eficazes são aquelas que conseguem impactar igualmente as dimensões do ter, do saber, e do poder.

Se a cidade está inserida em um contexto de sistemas de desigualdade, a con- sideração desta realidade leva a pensar que, para tratar de um, precisamos no mínimo, não desconsiderar a existência dos outros. Assim, tratando com um sistema complexo, constituído de vários outros subsistemas, a intervenção pontual em apenas um deles nem sempre pode contribuir para a mudança no sistema geral. Se pensarmos apenas no tema específico, como por exemplo o sistema de transporte, podemos levar a um resultado contrário ao inicialmen- te pretendido, como por exemplo o efeito Zahavi, a teoria do custo – tempo constante, que trata da manutenção do tempo de viagem e do aumento das distâncias dos deslocamentos com a melhoria do sistema de transportes, tema que será abordado no capítulo seguinte.

Como um exemplo, se for necessário escolher entre a igualdade no acesso à educação ou a igualdade ambiental, é certo que a primeira, no sentido estrito do termo, é mais importante para a liberação das capacidades humanas e para seu desenvolvimento. Porém, no contexto urbano em que vivemos, não existe esta escolha, já que para se ter uma boa educação é necessário ter acesso à ci-

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dade e a seus diversos recursos culturais e educacionais, e à sua diversidade de vida em geral. O pensamento sobre a necessidade de levar postos de trabalho e instituições de cultura para os lugares mais isolados da cidade é importante, mas é insuficiente frente à complexidade da vida metropolitana contemporâ- nea. A ideia de gueto feliz prescinde esta compreensão.

O reflexo da desigualdade ambiental nas cidades se reflete numa consequen- te segregação espacial. De acordo com Caldeira, 2000, a segregação social é uma característica das cidades, a partir das regraas que organizam o espaço: a diferenciação social e a separação. Dentro deste entendimento, Caldeira nos aponta 3 formas de segregação que foram se desenvolvendo ao longo da história de São Paulo:

Do final do século XIX até 1940

Neste período a segregação era concentrada, instalada em uma pe- quena área urbanizada. A segregação e a diferenciação se dava pelo tipo de moradia, coabitando na cidade os diferentes grupos sociais. • Dos anos 40 até os anos 80

Passa-se a conformar o modelo de segregação centro-periferia. Ins- talam-se grandes distâncias entre as classes de rendas médias e al- tas, que ocupam os bairros centrais, e as classes de baixa renda, que se instalam em periferias precárias e zonas extensas de loteamentos clandestinos.

Este modelo foi impulsionado pela ascensão do ônibus e do auto- móvel, viabilizando os deslocamentos difusos das aglomerações pe- riféricas.

A partir dos anos 80

Os grupos sociais passam a se instalar geograficamente próximos, mas separados por muros e tecnologias de segurança. Estas classes sociais passam a não mais interagir em espaços públicos, e entra em ascensão os espaços coletivos, de acesso restrito. A principal justifi- cativa para esta nova configuração da segregação na proximidade é o medo do crime.

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Estes processos mais recentes encurtam as distâncias físicas entre as classes sociais, mas muda e complexifica o padrão de segregação. Um meio impor- tante para viabilização destes processos recentes de segregação é o desloca- mento individual particular, o automóvel. Ele faz os deslocamentos das mais diversas distâncias sem que o indivíduo precise se misturar fisicamente com outros que estão na calçada ou em meios não motorizados, mesmo estando fisicamente próximo, separados pela proteção tecnológica da lataria. O auto- móvel viabiliza uma vida interna às edificações, já que possui a característica do deslocamento porta-a-porta.

5.4. Igualdade ambiental como caminho para uma economia mais