• Nenhum resultado encontrado

Num estudo pioneiro sobre a compreensão de estudantes a respeito da idéia de combinação, Inhelder e Piaget (1958) estavam interessados em descobrir como os estudantes elaboram essa idéia com base no julgamento de uma relação proporcional hipotética entre as variáveis. Os problemas foram apresentados para 15 estudantes de 12 a 15 anos. Os autores usaram um aparato para analisar como os estudantes construíam a idéia de correlação entre cor de olhos e de cabelos. Este consistiu de um conjunto de cartões, cada um com uma face desenhada de acordo com essas quatro associações: olhos azuis e cabelo louro, olhos azuis e cabelo castanho, olhos castanhos e cabelo louro e olhos castanhos e cabelo castanho. Os estudantes precisavam elaborar essas quatro associações para estimar as relações entre os casos que confirmavam e os que não confirmavam a hipotética relação.

A idéia era que os estudantes organizassem uma tabela de dupla entrada com o auxílio dos cartões, conforme destacado na Figura 6.

Olhos azuis Olhos castanhos

Cabelo louro a c

Cabelo castanho b d

Figura 6 – Tabela de dupla-entrada ou coeficientes de associação. Fonte: Baseada em Inhelder e Piaget (1958), p. 231.

Os casos a e d confirmam a hipótese de que existe uma relação entre olhos azuis e cabelo louro e olhos castanhos e cabelo castanho, enquanto os casos b e c representam os casos que não confirmam. Com base nessas quatro possibilidades, de acordo com Piaget, os sujeitos podem tentar estabelecer estratégias visuais entre as variáveis, usando relação “maior que” ou “menor que”; ou eles podem ir mais adiante e estimar a relação em termos numéricos, comparando os dois conjuntos de dados que confirmam e não confirmam a hipótese de que existe uma associação entre as variáveis (INHELDER; PIAGET, 1958, p. 232).

A organização e a compreensão dessas classes ou links não são fáceis, e os sujeitos freqüentemente iniciam procedendo a uma leitura vertical ou horizontal da tabela de dupla- entrada, sem considerar a associação diagonal dos casos que confirmam e não confirmam a hipotética relação. Segundo Piaget, se os sujeitos determinam numericamente a diferença (a +

d) - (b + c) e sua relação com o todo (a + d) + (b + c), em vez de ficarem satisfeitos com as comparações baseadas nas estratégias visuais, então eles estão explicitamente usando a idéia de correspondência. Apenas os estudantes com idades entre 14 e 16 anos eram capazes de apresentar um raciocínio numérico.

Piaget trabalhou com a apresentação das variáveis do problema sob a forma de cartões, representando os casos isolados. Estes foram entregues aos sujeitos, misturados ou já classificados acompanhando a classificação dada em tabelas. Piaget observou que a segunda forma de apresentação parecia facilitar as formulações das “relações numéricas” pelos estudantes (INHELDER; PIAGET, 1958, p. 240).

Piaget faz importante distinção entre relações não-numéricas e relações numéricas na compreensão dos estudantes sobre uma hipotética relação entre variáveis. Embora ele tenha sinalizado a importância da forma tabular de apresentação da informação para o aluno passar de uma relação visual para uma relação numérica, ele não aprofundou esse ponto, pois o seu interesse estava voltado apenas para investigar os aspectos lógico-matemáticos da informação. Uma análise sobre gráficos encontra-se ausente dos experimentos de Piaget, em parte decorrente da pouca ênfase no período das suas pesquisas para os aspectos visuais da informação na construção de significados matemáticos. Considerando que os gráficos realçam tanto relações visuais como numéricas entre as variáveis, é importante verificar se os casos isolados poderiam facilitar a compreensão de gráficos pelos estudantes.

Watson e Moritz (2001) entrevistaram 90 estudantes com idades variando entre oito e 18 anos. O objetivo dos autores era examinar como casos isolados facilitariam os processos de representação, interpretação e predição das informações, com os estudantes trabalhando com elementos pictográficos. Watson e Moritz definem a idéia de pictográficos a partir das ações exibidas pelos estudantes durante o trabalho de resolução de problemas por meio da manipulação dos cartões, isto é, casos isolados. O problema envolvia informação sobre o número de livros que alguns estudantes fictícios haviam lido e era introduzida para os estudantes por meio de cartões que representavam os casos isolados (os estudantes e os livros). Os estudantes eram solicitados a responder a três questões sobre: representação (você pode usar os cartões para apresentar a informação?) interpretação (se alguém entrar nessa sala, o que essa pessoa poderia dizer olhando para a figura que você elaborou com os cartões?) e predições (suponha que Paulo acabou de chegar e não sabemos quantos livros ele leu. Olhando a figura elaborada, qual poderia ser a melhor estimativa ou predição de quantos livros ele poderia já ter lido?). No segundo momento da pesquisa, buscando estimular o conflito cognitivo, respostas de outros estudantes a essas questões eram apresentadas.

Os resultados evidenciaram que os estudantes ofereciam diferentes níveis de respostas às questões propostas. Os autores puderam caracterizar essas respostas em quatro estágios de desenvolvimento tomando como base as ações dos estudantes para representar, interpretar ou predizer informações por meio de elementos pictográficos: 1. Empilhamento das informações onde cartões de uma mesma informação eram arranjados em pilhas (nível icônico ou IK); 2. Dispersão das informações em que os cartões eram espalhados em direção única (nível uni- estrutural ou U); 3. Organização dos dados em uma única coluna ou em uma única linha (nível multi-estrutural ou M) ou 4. Criavam um pictográfico (nível relacional ou R).

No estudo de Watson e Moritz (2001), as elaborações dos estudantes com os casos isolados se configuram no ponto de partida para o desenvolvimento de raciocínios mais complexos como a análise de relações entre variáveis. Os casos isolados, como unidade básica da informação, contribuíram para diferentes tipos de raciocínios pelos estudantes, desde os mais concretos até raciocínios mais abstratos.

Cabe, no entanto, uma consideração sobre esses resultados: os estudantes desenvolveram realmente uma representação mental da idéia de relações entre variáveis ou eles apenas apresentaram noções sob a forma de Teoremas-em-ação (VERGNAUD, 1998)? Teoremas-em-ação são noções intuitivas que emergem da prática, fundamentados no conhecimento prévio dos estudantes, mas que não se encontram ainda formalizados do ponto de vista da Matemática acadêmica. É importante analisar em que medida os casos isolados contribuem realmente para o desenvolvimento de formalizações matemáticas mais abstratas que pertencem ao campo das estruturas conceituais do pensamento.

Selva, Falcão e Nunes (2005) testaram a importância didática da combinação de casos isolados e gráficos de barras em 39 crianças com idades entre seis e oito anos sobre a compreensão de conceitos aditivos. Os casos isolados foram representados por material manipulativo, como é o caso do Lego e cartões com figuras. As crianças foram distribuídas em três grupos: Experimental 1 (intervenções didáticas usando casos isolados e gráficos de barras); Experimental 2 (intervenções didáticas com gráficos) e Experimental 3, representado pelo grupo de controle (intervenções didáticas com algoritmos).

As crianças dos três grupos resolveram os mesmos testes imediatamente antes e depois das intervenções; o mesmo teste também foi realizado pelas crianças oito semanas depois das intervenções didáticas. Em todas as intervenções didáticas, as crianças trabalharam em pares. As crianças dos dois grupos experimentais apresentaram um desempenho significativamente melhor do que aquelas do grupo-controle. Os grupos experimentais 1 e 2, no entanto, não diferiram quando a desempenho das crianças foi comparada no pós-teste. No

teste realizado oito semanas depois das intervenções, uma diferença significativa foi encontrada entre o grupo experimental 1 e o grupo-controle. As crianças que receberam a intervenção didática com o suporte da combinação dos casos isolados e gráficos apresentaram melhor desempenho do que os outros dois grupos.

Os autores concluem que os casos isolados podem constituir em precursores na compreensão de gráficos de barras. Além disso, quando combinados com esses gráficos, configuram importante meio auxiliar na aprendizagem de conceitos aditivos por crianças na faixa etária de seis e oito anos. Os autores deixam ainda em aberto qual a contribuição dos casos isolados para a construção do conhecimento matemático pelos estudantes.

O uso de casos isolados enfatiza conexões diretas entre os signos e as unidades às quais eles se referem, configurando-se estas, portanto, em representações análogas da informação (NUNES, 2004). Os gráficos e tabelas pertencem à classe das representações simbólicas por fazerem referências às relações entre variáveis (NUNES, 2004). Nunes utiliza as unidades matemáticas da informação como critério de classificação das ferramentas de representação matemática em análogas ou simbólicas. Essa forma de classificação é adotada nesta tese para organizar os aspectos matemáticos das informações e suas representações. Essa classificação encontra-se descrita em detalhes no Capítulo 3.