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Vergnaud (1997) baseava-se nas suposições de Piaget por considerar que a compreensão conceitual na Matemática encontra-se firmemente vinculada às estruturas lógicas do pensamento, ou invariantes, as quais se expressam nas ações das pessoas. Ele estende essas idéias na medida em que considera que o tipo de situação, que dá significado aos problemas, e o tipo de representação usada para apresentar as informações do problema, também precisam ser considerados nas ações que as pessoas empreendem para compreender os conceitos matemáticos. Essas diferentes dimensões da aquisição conceitual – invariantes situações e representações – podem ser analisadas com base nas ações que as pessoas estabelecem na resolução de problemas matemáticos.

Vergnaud (1983) estende a idéia de organização tabular sugerida por Piaget para apresentar as particularidades das situações que caracterizam os problemas multiplicativos. O uso de tabelas para representar dados e solucionar problemas é recomendado pelo autor por

ser essa uma forma de representação na qual as diferentes dimensões numéricas dos problemas podem ser identificadas por meio de linhas e colunas.

O autor reporta-se brevemente a uma experiência didática vivenciada com alunos de nono ano, na qual eles eram solicitados, dentre outras questões, a elaborar uma tabela a partir de uma situação apresentada por escrito. Uma situação típica usada no experimento foi a da fazenda:

Uma fazenda tem uma área de 254.5 hectares. Metade da área é destinada ao cultivo de trigo. A produção média da fazenda é de 6800 kg de trigo por hectare. Uma pessoa precisa de 1.2 kg de grãos para fazer 1 kg de farinha; 1.5 kg de farinha são necessários para fazer 4 pães. Um pão é o consumo médio de duas pessoas por dia. (VERGNAUD, 1983, p. 138, tradução nossa).

Este problema era apresentado aos alunos e eles eram solicitados a resolver diferentes tarefas, tais como formule e discuta uma variedade de questões a partir da situação proposta e faça uma tabela para representar os dados e as questões relevantes, organizando-os espacialmente. Era esperado que os estudantes formulassem questões do tipo: Qual é a produção da fazenda? Qual a quantidade de trigo necessária para produzir um pão? Quantas pessoas podem se alimentar durante um dia com a produção da fazenda? Quanto trigo é necessário para alimentar 100.000 pessoas durante uma semana? Era também esperado que os estudantes produzissem uma tabela simples de correspondência e uma tabela de dupla proporção.

Os resultados indicaram que os estudantes formularam muitas questões incompletas e, ainda, a equivalência de duas diferentes formulações não era facilmente percebida. No concernente à produção das tabelas, o uso de linhas e colunas diferentes para representar as diversas dimensões do problema não consistiu em descoberta fácil para os estudantes. Uma vez em uso, no entanto, a organização espacial dos dados ajudou a clarificar relações relevantes entre as diferentes dimensões do problema. A proporção simples e a proporção múltipla também foram mais discriminadas mediante o uso de tabelas.

Usando a classificação proposta por Vergnaud para os problemas do tipo multiplicativo, Sellke, Behr e Voelker (1991) realizaram uma intervenção didática com duplo objetivo: testar uma estratégia usando tabelas de correspondência simples como representação para problemas multiplicativos apresentados por escrito, e analisar em que medida a estratégia tabular suplantaria a influência de modelos intuitivos e as restrições numéricas associadas a eles.

A subtração repetida usada na divisão é considerada pelos autores como um modelo intuitivo limitado para a solução de problemas multiplicativos, uma vez que este só pode ser

usado para problemas em que o divisor é menor do que o dividendo. Os autores suscitam a hipótese de que, ao representar os dados de problemas multiplicativos num formato de tabelas, as crianças poderiam perceber mais facilmente as relações multiplicativas entre as quantidades, usando-as para determinar e escrever a sentença correta ou a equação.

Estudantes do oitavo ano participaram do estudo. Um total de 107 estudantes foi distribuído em dois grupos, um experimental, com 65 estudantes, e o outro controle, com 42 estudantes. O grupo experimental foi ensinado a representar os dados dos problemas apresentados verbalmente por meio de uma tabela e a usar o raciocínio funcional para solucioná-los.

A estratégia tabular destinada ao grupo experimental foi estruturada para prover uma forma intermediária da representação verbal de um problema multiplicativo e sua representação simbólica como sentença aritmética. Foi hipotetizado que a representação tabular dos dados poderia facilitar a prontidão dos estudantes para perceberem as relações multiplicativas entre as quantidades do problema, e o uso dessas relações para determinar e escrever corretamente a sentença ou a equação aritmética correspondente.

O grupo-controle, por sua vez, foi ensinado a usar uma estratégia de substituição, comumente utilizada na escola, na qual os estudantes aprendem primeiro a reconhecer a estrutura sintática e semântica do problema que melhor se harmonize aos modelos intuitivos que eles trazem para a aprendizagem dos conceitos multiplicativos. Na estratégia de substituição, primeiro, os estudantes inventavam e resolviam problemas com números simples e que se adequassem ao seu modelo intuitivo; em seguida, eles aprendiam a substituir esses números inteiros simples para números mais complexos, escrever e resolver a sentença aritmética correspondente, substituir novamente os números originais na sentença e resolver a sentença.

Um teste padronizado para medir a habilidade dos estudantes sobre conceitos matemáticos e as suas aplicações foi administrado no início do estudo; os resultados não evidenciaram diferenças significativas entre os grupos.

Um teste intermediário consistindo de 12 problemas escritos envolvendo os contextos de custo, velocidade, consumo, produção e mistura, foi administrado aos dois grupos. Todos os problemas tinham a forma: a para b, quantos para c? (a per b, how many per c?). Por exemplo, Uma fábrica de alimentos infantis produz 0.36 toneladas de sucos de maçãs em uma hora. Quanto suco a fábrica pode produzir em 42 horas?, Robson comprou 1.3 pés de fio elétrico por $1.00. Quanto fio ele poderia comprar com $0.65?.

Metade dos problemas (seis) do teste intermediário apresentava números que não violavam o modelo intuitivo que os alunos traziam para a escola; é o caso do problema da fábrica de alimentos infantis. A outra metade dos problemas violava as restrições dos modelos intuitivos. É o caso do problema da compra do fio elétrico. O pós-teste consistiu de 18 problemas escritos, nove de cada tipo.

O grupo experimental teve desempenho significantemente melhor nos dois testes e também nos dois tipos de problemas utilizados. A representação esquemática das quantidades em tabelas ajudou os estudantes do grupo experimental a considerarem as relações matemáticas entre as duas quantidades. Os autores concluem que a apresentação dos problemas em forma de tabelas, constitui-se em representações naturais para os problemas multiplicativos estudados.

O estudo citado focaliza o uso de tabelas para guiar os estudantes na compreensão de funções matemáticas, sendo, portanto, um meio auxiliar para o ensino e a aprendizagem desse conceito. Embora as concepções intuitivas tenham se configurado em obstáculos à compreensão matemática, o uso de tabelas nesse estudo ajudou os estudantes a contornarem as limitações na resolução de problemas que normalmente resultam dessas concepções intuitivas. Um problema apresentado pelos autores é que eles consideram as tabelas como um meio natural de representação dos problemas multiplicativos. Tabelas, no entanto, são convenções usadas para apresentar dados e requerem um processo de aprendizado sobre essas convenções.

Brizuela e Lara-Roth (2002) também analisaram a possibilidade de se usar tabelas para auxiliar os alunos na resolução de problemas. Como parte de um experimento de ensino conduzido em escolas dos EUA, Brizuela e Lara-Roth exploraram a elaboração espontânea de tabelas por 39 crianças da segunda série. As autoras tinham duplo objetivo: conhecer o que as crianças consideravam relevante no arranjo de uma tabela e compreender o que as crianças conheciam sobre adição com base nos aspectos refletidos nas tabelas elaboradas. As crianças foram entrevistadas em pares e durante as entrevistas elas eram apresentadas a uma situação por escrito a qual fazia referência a uma relação aditiva. A situação descrevia a acumulação de dinheiro por três crianças (casos) em três dias distintos: no primeiro dia, elas tinham R$7, R$4 e nenhum dinheiro, respectivamente; no segundo dia cada uma recebeu R$2 da avó e no terceiro dia R$4. As crianças eram solicitadas a mostrar por meio de uma tabela o que havia acontecido do primeiro até o terceiro dia.

As respostas das crianças variaram desde representações muito peculiares (uma tabela desenhada com quatro pernas) até tabelas mais convencionais (com colunas e fileiras e com

os nomes das variáveis). Metade da amostra das crianças entrevistadas acompanhou a seqüência temporal do problema nos seus desenhos das tabelas; a organização observada foi o uso de fileiras para representar cada criança e de colunas para a passagem do tempo. Os desenhos elaborados pelas crianças revelaram uma tendência de elas não prestarem muita atenção para os nomes das variáveis apresentadas no problema.

No que concerne às relações aditivas, as autoras observaram que a maioria das crianças concentrou as suas ações na quantidade total de dinheiro. Nesse sentido, quase todas as crianças entrevistadas apresentaram em suas tabelas a quantidade de dinheiro acumulado por dia em vez da quantidade de dinheiro recebido por dia.

Do ponto de vista das habilidades cognitivas básicas, portanto, crianças pequenas apresentam dificuldades em organizar espontaneamente as informações dadas em um problema em fileiras e em colunas, aproximando essas representações da forma tabular. Ao que parece, o uso de tabelas para representar os dados em vez de ser natural, como concluído por Sellke et al. (1991), é antes mediado pelo processo de ensino que ocorre em sala de aula.