• Nenhum resultado encontrado

O papel do ensino no desenvolvimento do raciocínio requerido para a interpretação

2.5 A apresentação das variáveis por meio de gráficos

2.5.2 O papel do ensino no desenvolvimento do raciocínio requerido para a interpretação

Bell, Brekke e Swan (1987) realizaram estudo de intervenção que envolveu pré e pós- testes, como parte do projeto A Linguagem de Funções e Gráficos desenvolvido pelo Shell Centre. O experimento avaliava a eficácia do material e dos métodos desenvolvidos no projeto como suporte para o desenvolvimento do ensino e aprendizagem de funções e gráficos. Nessa intervenção, os autores estavam interessados, dentre outros aspectos, em analisar em que medida o suporte material poderia ajudar os estudantes a superarem as suas concepções erradas (misconceptions) no processo de interpretação de gráficos.

Os estudantes eram solicitados a dizer o que era um gráfico, a identificar coordenada em gráficos de linhas, a interpretar diagramas (scatter graph), gráficos de velocidade e pontos nos gráficos, além de esboçar gráficos (sketching). Um total de 48 estudantes de escolas inglesas participou do experimento. As questões mais difíceis foram aquelas em que os estudantes eram solicitados a dizer o que era um gráfico e a interpretar o significado de gráficos de linhas.

Bell et al. (1987) observaram que as questões consideradas mais difíceis não foram exploradas pelos professores durante as intervenções didáticas e esse fator poderia explicar o nível de dificuldade dos estudantes. Questões que requeriam maior acuidade para serem interpretadas e uma atenção para os valores eram mais suscetíveis de serem transferidas por meio do ensino. Esses autores estabelecem, portanto, uma relação bem próxima e recíproca entre os processos de ensino e as concepções específicas dos estudantes na interpretação de gráficos.

Curcio (1987) identifica um aspecto desenvolvimental na compreensão de gráficos por estudantes. O autor examinou esse aspecto com base nas dificuldades que estudantes apresentam para compreender relações matemáticas do tipo maior que, duas vezes maior que e tendências apresentadas graficamente.

Dois tipos de medidas foram utilizados no estudo de Curcio: teste gráfico e questões de múltipla escolha. As questões de múltipla escolha requeriam dos estudantes uma leitura pontual do gráfico, uma comparação entre os dados e uma leitura além dos dados (extrapolação). Os participantes foram estudantes de quatro escolas inglesas, 204 estudantes do quinto ano e 185 do oitavo ano. Os do oitavo ano apresentaram melhor desempenho do que

os do quinto ano. As questões pontuais foram mais facilmente resolvidas do que as de comparação e de extrapolação, confirmando os resultados dos estudos prévios na área.

Examinando a desempenho de estudantes de 11 a 13 anos de idade no tocante às suas habilidades para lidar com variáveis representadas por gráficos, Swatton e Taylor (1994) oferecem uma descrição dos aspectos “desenvolvimentais” associando-os especificamente com os fatores concretos e abstratos que podem ser incorporados num gráfico. Swatton e Taylor utilizaram gráficos de linhas e de barras, e questões que incluíam diferentes demandas (ex. número, pontos, variação, interpolação, extrapolação e descrição de gradientes e relações entre variáveis).

Com base no desempenho dos estudantes, Swatton e Taylor classificaram essas demandas como concretas (ex. leitura de um número ou localizar um ponto), semiconcretas (ex. localizar variações e tendências) e abstratas (ex. extrapolar e descrever as relações entre as variáveis). As questões concretas foram mais facilmente interpretadas do que as questões abstratas. Os autores concluem que é bastante difícil para os estudantes darem uma resposta verbal para uma simples questão que requeira que eles relacionem as variáveis apresentadas graficamente.

Kieran, Boileau e Garaçon (1996) descrevem um programa de ensino que foi conduzido com estudantes de 12 a 15 anos de idade com o objetivo de testar como eles adotavam uma abordagem funcional, isto é, uma abordagem baseada na relação entre as variáveis. Os autores usaram a planilha eletrônica (spreadsheet) como ferramenta didática por esta incluir o uso de múltiplas representações, tais como problemas escritos, tabelas, gráficos e equações, constituindo-se numa forma dinâmica de trabalhar a idéia de relações entre variáveis. No programa, os estudantes sempre iniciavam as atividades resolvendo um problema escrito, como é o caso do problema apresentado em seguida:

Quando termina as atividades na escola, Karen trabalha vendendo assinaturas de revistas. Ela recebe $20 de salário base por semana e mais $4 por cada assinatura vendida. Quanto ela ganha numa semana? Quantas assinaturas ela tem que vender para ganhar no mínimo $50? (KIERAN; BOILEAU; GARAÇON, 1996, p. 258, tradução nossa).

Os autores descrevem a atividade de uma turma do sétimo ano. Depois de resolverem numericamente o problema descrito, os estudantes foram encorajados a organizar os dados em uma tabela de duas colunas e solicitados a nomear as variáveis. Enquanto trabalhavam, os estudantes aumentavam ou diminuíam o valor atribuído ao problema e verificavam o resultado. Os autores analisam essas estratégias dos estudantes como estratégias não contextuais, pois eram baseadas apenas em relações de ordem e nos padrões numéricos.

Os autores descrevem também a atividade de quatro estudantes de 15 anos que trabalharam em pares fixos durante quatro sessões na resolução do seguinte problema: escreva um programa que calcule a área de um quadrado, baseado apenas no comprimento de um lado. Os estudantes trabalharam com tabelas e gráficos. O trabalho com gráficos requereu que eles decidissem se o problema tinha mais do que uma solução. As entradas de dados no computador e os resultados obtidos (input-outputs) eram representados na janela aberta dos gráficos (graphing window) e também inscritos numa tabela de valores que podiam ser acessadas a qualquer instante pelos alunos. Quando usavam o gráfico, os estudantes não encontravam dificuldades para mudar o tamanho das escalas ou para decidir qual o valor apropriado para usar. A busca por múltiplas soluções para o problema foi uma estratégia mais eficiente quando os estudantes usavam os gráficos do que quando eles recorriam às tabelas de valores.

Nemirovsky (1996) distingue entre uma abordagem pontual e uma variacional na análise de relações entre variáveis. Uma abordagem pontual envolve a concepção de relações entre variáveis como um par de pontos ou a entrada e saída de dados do computador (input- output), enquanto que uma abordagem variacional descreve como uma quantidade varia, envolvendo uma concepção dinâmica da relação funcional entre as variáveis. Tomando como base essa distinção Nemirovsky argüi a noção que o programa de ensino proposto por Kieran et al. (1996) é determinado por uma abordagem pontual. Um indício é o fato de os estudantes abordarem pistas contextuais assim que eles iniciam os trabalhos com tabelas. Outro aspecto é o fato dos problemas permitirem apenas o uso de pontos discretos na representação gráfica em contraste com gráficos que apresentam continuidade. O uso de gráficos contínuos pode levar os estudantes a concepções erradas e ilusões perceptuais e, segundo Nemirovsky, esse aspecto pode ter motivado Kieran et al. a evitá-los no seu programa de pesquisa.

Um aspecto importante nos estudos reportados nesta seção é de que existe uma lacuna no tocante à compreensão dos fatores apresentados graficamente. Os fatores pontuais dos gráficos são mais facilmente interpretados e ainda mais fáceis de transmitir num processo de ensino. Os fatores globais e que requerem do estudante o estabelecimento de relações entre variáveis são mais difíceis de interpretar e de ensinar.

Nesses estudos o papel da aparência dos gráficos é enfatizado como fator básico nas interpretações que os estudantes precisam empreender. Uma análise mais detalhada da influência da aparência dos gráficos na interpretação dos estudantes é oferecida em seguida.