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2.5 A apresentação das variáveis por meio de gráficos

2.5.4 Convenções e ambigüidades no uso de gráficos

Convencionalmente, o eixo vertical e o eixo horizontal dos gráficos representam respectivamente as variáveis dependentes e independentes do problema. Não existe, no entanto, uma razão para que essa convenção seja seguida, e nem é sempre que esse rigor é adotado quando os gráficos são usados para apresentar as variáveis de um problema.

Kerslake (1981), por exemplo, no teste que administrou para averiguar a habilidade de estudantes da faixa etária de 12 a 15 anos na interpretação de gráficos, usou um gráfico com os eixos representando as variáveis num caminho não convergente com a convenção mencionada. A Figura 7 apresenta os gráficos usados por Kerslake. A autora notou que os estudantes facilmente interpretavam o gráfico que convergia às convenções da apresentação das variáveis (Gráfico A), mas falhavam ao interpretar o gráfico que não convergia com essas convenções (Gráfico B).

Figura 7 – Gráficos convergentes e não convergentes com as convenções matemáticas. Fonte: Kerslake (1981), p. 127.

Kerslake sugere que os estudantes foram iludidos pela aparência do gráfico porque, em muitas representações gráficas convencionais, a altura (height) geralmente é medida no sentido vertical, se deslocando para cima, isto é, verticalmente. A essa hipótese somam-se outras que reforçam um ou outro aspecto do problema, as quais são apresentadas aqui.

Uma dessas hipóteses é proposta por Gattis (2002), que considera as dificuldades dos estudantes em compreender correspondências entre relações espaciais e abstratas por meio de gráficos, como resultantes de suas dificuldades em mapear relações de segunda-ordem representadas graficamente. Uma relação de primeira-ordem é estabelecida quando existe uma

correspondência entre a estrutura espacial encontrada graficamente e o seu significado: alinhamento entre altura e quantidade (ex. mais – para cima); velocidade e quantidade (ex. mais rápido – mais inclinado). (Uma relação de segunda-ordem, em contraste, envolve uma correspondência entre a altura e o gradiente da linha).

Outra hipótese é sugerida por Leinhardt, Zaslavsky e Stein (1990), para quem a causa da dificuldade dos estudantes na interpretação de gráficos decorre do fato de eles darem mais importância para os aspectos relativos à escala gráfica do que realmente é requerido; como conseqüência, eles falham no propósito de compreender o significado das inclinações das linhas de um gráfico como a representação de uma medida entre proporções, passando a ver o gráfico como uma fotografia da realidade.

A última hipótese é oferecida por Stavy e Tiroshi (2000). Para esses autores, quando estudantes são solicitados a comparar duas quantidades representadas externamente, os seus julgamentos podem se basear no uso de regras intuitivas. Essas regras consistem de esquemas lógicos intuitivos que os estudantes já trazem para as situações de aprendizagem. Regras intuitivas são ativadas quando a pessoa precisa comparar dois sistemas iguais em relação a uma quantidade A, mas diferentes com relação a uma quantidade B. Nessas situações, é comum os estudantes argumentarem que a mesma quantidade de A implica a mesma quantidade de B. Os autores também notam que quando A1 = A2 e B1  B2 os estudantes freqüentemente argúem que B1 = B2. Este argumento dos estudantes constitui-se em instâncias específicas de outra regra intuitiva a mesma quantidade de A implica a mesma quantidade de B.

O uso de lógicas intuitivas, segundo Stavy e Tiroshi, não emerge envolvida em nenhum domínio específico do conhecimento; elas, ao contrário, podem ser ativadas por fatores externos da tarefa que os estudantes usam como âncora para o raciocínio. A sua ocorrência pode ser observada em diferentes situações e independe do conteúdo do problema; elas dependem do tipo de representação externa usada para apresentar a informação. Estes autores identificam a ocorrência do uso de regras intuitivas pelos estudantes em diferentes estudos que analisam na literatura, como o estudo sobre a relação entre comprimento e distância realizada por Piaget, Inhelder e Szeminska (1960 apud STAVY; TIROSHI, 2000).

Piaget et al. (1960, apud STAVY; TIROSHI, 2000) solicitaram que crianças de quatro a cinco anos comparassem o comprimento de uma linha reta com uma linha ondulada. As linhas tinham diferentes comprimentos, mas iniciavam e terminavam em pontos paralelos da página. Piaget et al. observaram que 84% das crianças respondiam incorretamente que as linhas tinham o mesmo comprimento. Os autores interpretaram as falhas das crianças como

uma dificuldade conceitual, referindo que as crianças ainda não haviam desenvolvido o conceito de comprimento porque nesta idade o comprimento de uma linha é estimado apenas em função dos pontos finais analisados visualmente sem uma consideração para a retilinearidade da situação. Stavy e Tirosh, no entanto, interpretam as respostas das crianças como um possível caso da ocorrência de regras intuitivas, pois, para o mesmo A (distância versus pontos finais), mesmo B (comprimento das linhas).

Uma explanação alternativa que considera o gráfico como um artefato, envolvendo tanto os seus aspectos representacionais como os conceituais, é considerada neste trabalho. Nessa explanação alternativa, é possível argüir a idéia de que os estudantes falharam ao interpretar o gráfico B da Figura 7 porque eles realizaram uma leitura análoga para uma representação simbólica. As variáveis altura e cintura (height e waist) são apresentadas no gráfico, no entanto, a questão proposta introduz a terceira variável, que é a aparência das pessoas. Para os estudantes compreenderem o sentido dessa variável no Gráfico B, eles precisariam realizar inferências inversas: para determinada altura, quanto mais larga a cintura, menos esbelta a pessoa, enquanto que, no Gráfico A, para determinada medida da cintura, quanto mais alta a pessoa, mais esbelta ela poderia ser. Sugere-se que as dificuldades dos estudantes em interpretar o Gráfico B podem ter origem nas dificuldades que eles têm em realizar inferências inversas sobre a terceira variável e a figura do gráfico.

Hipotetiza-se nessa tese que dificuldades similares podem ser encontradas quando os estudantes forem requeridos a fazer inferências na interpretação de gráficos de linhas. Stavy e Tiroshi sugerem que os estudantes tendem a pensar que quanto maior A-maior B consiste numa regra geral que pode ser aplicada em qualquer situação. Espera-se nesta pesquisa que os estudantes apliquem essas regras não apenas para estabelecer relações entre as variáveis, mas também para construir um significado para as linhas, estendendo esta regra para quanto mais alta a linha no gráfico, maior a quantidade que ela representa. No Experimento 2 que se descreverá no Capítulo 5, o uso dessa regra consistiu em fonte de erros nas inferências dos estudantes sobre a terceira variável. Quando solicitados a julgar a variação no tempo do peso argentino e do dólar australiano em relação ao valor da libra esterlina, alguns estudantes consideram, conforme destacado mais adiante no Capítulo 5, que o peso argentino tem mais valor porque como a linha é mais longa ela provavelmente vale mais.

Tendo em mente a proposição de regras intuitivas sugerida por Stavy e Tiroshi (2000), é possível predizer que problemas em que os estudantes são solicitados a interpretar gráficos de linhas cujos significados não conflitem com as suas regras intuitivas serão mais fáceis do que os problemas onde essas regras sejam violadas. Os problemas não conflitivos

podem ser lidos e interpretados por meio de julgamentos visuais diretos, enquanto os problemas que conflitam com a regras intuitivas podem requerer uma interação dos aspectos visuais e conceituais. O conhecimento procedural (HIEBERT; LEVEBRE, 1986) requerido para a leitura de gráficos é importante para os estudantes compreenderem o uso das convenções, no entanto é justamente a interação de conhecimento conceitual com o raciocínio indexado pela inclinação das linhas que é requerido para uma competente compreensão de gráficos de linhas.

Nos experimentos propostos neste trabalho, os estudantes precisam relacionar as variáveis e formular um conceito que não está dado explicitamente no gráfico. A noção de valor monetário só pode ser devidamente compreendida se o estudante estabelece uma relação entre o valor de compra e de venda de uma moeda em relação a uma moeda de referência. Essa análise distingue interpretação de compreensão e revela a importância dos fatores conceituais do problema na construção de inferências. O tipo de informação possibilita a combinação de tipos diferentes de relações entre as variáveis com base no uso de questões específicas. Este ponto não tem sido investigado de forma sistemática nos estudos sobre gráficos.

Entende-se que o tipo de relação, direta ou inversa, se encontra associada com a lógica da informação e pode influenciar na construção dos significados pelos estudantes. Se a lógica da informação tem influência na compreensão de gráficos, então a familiaridade com o conteúdo talvez facilite a atividade interpretativa do aluno. Esse aspecto tem levado alguns autores a considerar a transparência do material externo a partir da familiaridade das pessoas com o conteúdo do problema representado.