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A aproximação entre as operações de fusão e de incorporação

CAPÍTULO II – A REESTRUTURAÇÃO EMPRESARIAL

6. As operações de reestruturação empresarial previstas no ordenamento jurídico brasileiro

6.3. A incorporação

6.4.1. A aproximação entre as operações de fusão e de incorporação

Como conseguimos constatar através do estudo efetuado até ao momento, as operações de incorporação e fusão previstas no ordenamento jurídico brasileiro apresentam algumas características em comum:

(i) Representam a união de uma ou mais sociedades, daí resultando uma só;

(ii) O ingresso dos sócios de todas as sociedades envolvidas na sociedade resultante424;

(iii) A sucessão universal de todos os direitos e obrigações;

(iv) A extinção de sociedades, independentemente da liquidação e da dissolução.425

Devemos lembrar as palavras de JOSE MOTTA MAIA, quando este refere que a fusão, tal como a incorporação, constituiu uma forma de união de sociedades,tendo como consequência o

421 Artigo 228.º, § 2º da Lei das Sociedades Anônimas e Artigo 1.120.º, §1 e §2 do Código Civil Brasileiro. 422 Artigo 228.º, § 3º da Lei das Sociedades Anônimas e Artigo 1.121.º do Código Civil Brasileiro. 423 Cfr.FELIPE DE SOLÁ CANIZARES, Tratado de Derecho Comercial Comparado, Tomo III… op. cit., p.93.

424 Cfr. LÁUDIO CAMARGO FABRETTI afirma mesmo que “na incorporação e na fusão de sociedades há persistência do vínculo social, e a

finalidade da lei, ao regulá-las, foi a de evitar solução de continuidade que abrisse abismo entre o ontem e o hoje, e implicam que se admitam na sociedade incorporante ou fundante as accionistas ou sócios da incorporante ou fundida”. Cfr. LÁUDIO CAMARGO FABRETTI, Contabilidade Tributária, 11.ª edição, São Paulo, Atlas, 2009, p. 154.

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desaparecimento de pessoas jurídicas, para que surja outra, com maior dimensão e maior capacidade econômica. 426

Não obstante, enquanto na fusão existe, obrigatoriamente, a extinção de todas as sociedades envolvidas, que cedem lugar a uma nova sociedade, ou seja, a uma nova pessoa colectiva do ponto de vista jurídico, na incorporação existe apenas lugar para a extinção da sociedade ou sociedades incorporadas, sobrevivendo sempre uma pessoa jurídica, que continuará com o seu ramo negocial.

Se é verdade que as operações de incorporação e fusão apresentam como característica comum o facto de os sócios de todas as sociedades envolvidas ingressarem na sociedade resultante, também é verdade que estes mesmos sócios têm o direito de retirada (artigo 137.º da Lei das Sociedades Anónimas).

Não obstante, não terão direito de retirada os titulares de acções de espécie ou classe que tenham liquidez e dispersão no mercado, “considerando-se haver liquidez, quando a espécie ou classe de ação, ou certificado que a represente, integre índice geral representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de Valores Mobiliários; e dispersão, quando o acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade da espécie ou classe de ação.”427

É lícito afirmar que tanto a fusão como a incorporação apresentam como objetivo primordial o alcance da economia de escala. E isto porque, cada empresa apresenta características específicas que, quando conjugadas com características de outras empresas, tendem a ser alvo de otimização e potencialização. Para além disso, as operações de fusão e de incorporação tornam possível a eliminação do trabalho burocrático de duas ou mais empresas, já que os serviços passarão a estar concentrados numa só empresa.

Deve realçar-se, porém, que a incorporação detém, quando comparada com a fusão, uma significativa vantagem operacional. Tal acontece porque, considerando a Lei que a sociedade resultante da fusão constitui uma nova pessoa jurídica, esta deve, após a conclusão da operação, regularizar a sua situação junto da Junta Comercial e nas demais entidades

426 Cfr. JOSE MOTTA MAIA, Fusão e incorporação de empresas: doutrina, procedimentos administrativos e fiscais, São Paulo, Bushatsky, 1972,

p.44, citado por ALEXANDRE EDUARDO LIMA RIBEIRO, “Utilização de metodologias de reestruturação societária como ferramenta de planejamento tributário: um estudo de caso”… op. cit., p.43.

427 Artigo 137.º, II, a) e b) da Lei das Sociedades Anónimas. Vide, ainda, os artigos 137.º, IV – “O reembolso da ação deve ser reclamado à

companhia no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da ata da assembléia-geral” - e 230.º - “Nos casos de incorporação ou fusão, o prazo para exercício do direito de retirada, previsto no art. 137, inciso II, será contado a partir da publicação da ata que aprovar o protocolo ou justificação, mas o pagamento do preço de reembolso somente será devido se a operação vier a efetivar-se”-, todos da mesma lei.

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competentes para o efeito. Todas estas providências exigem tempo, tempo durante o qual a nova sociedade não pode realizar qualquer negócio de forma regular. Por outro lado, na incorporação, a sociedade incorporadora sucede a incorporada, o que permite o normal desenvolvimento dos negócios das duas sociedades. Em virtude desta considerável diferença, a fusão, quando comparada com a incorporação, é uma realidade muito pouco frequente no ordenamento jurídico-societário Brasileiro. 428

Relativamente à proteção dos credores nas operação de fusão e de incorporação, o ordenamento jurídico brasileiro prevê uma variante de um dos sistemas tendentes a regular a fusão previstos no Direito Comparado, nomeadamente ao “sistema consistiendo en permitir la ejecución de la fusión sin espera de ningún plazo determinado, pero prescribiendo que los patrimonios de las empresas que se han fusionado serán administrados separadamente hasta el pago de las deudas o el ofrecimiento de adecuadas garantías a los acreedores.”429

E isto porque a lei Brasileira prevê que, num prazo de 3 meses, a partir da publicação da fusão e da incorporação, qualquer credor poderá solicitar, judicialmente, a anulação da operação. Para além disso, se neste prazo se declarar a falência da sociedade incorporadora ou da sociedade nova, qualquer credor anterior à operação de fusão poderá pedir a separação dos patrimónios com o fim de serem os créditos pagos pelos bens das respetivas massas (artigo 232.º e correspondente §3 da Lei das Sociedades Anónimas).

6.5. A cisão

Existiu, durante muito tempo, uma grave falha no ordenamento jurídico brasileiro que se traduzia na falta de uma legislação reguladora da figura da cisão de sociedades. Sempre que existia um conflito de interesses grave e irremediável entre os sócios que impossibilitava a sobrevivência da sociedade, o único caminho que se apresentava era a dissolução daquela.

428 Cfr. FÁBIO ULHOA COELHO, Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa, Volume 2… op. cit., pp. 370-371.

429 Cfr.FELIPE DE SOLÁ CANIZARES, Tratado de Derecho Comercial Comparado, Tomo III… op. cit., p.94. O mesmo autor considera ainda que, a

nível do Direito Comparado, existem mais dois sistemas de regulamentação da fusão: - “Aplicación de los principios de Derecho común con algunas medidas de protección, en ciertas legislaciones, de los socios o de los acreedores. Es el sistema de los países cuyas legislaciones no contienen una reglamentación de la fusión.”; - “Sistema consistiendo en realizar la fusión sin separación de patrimonios, pero concediendo un plazo a los acreedores para que puedan exigirse que se paguen o garanticen sus créditos.” Em Portugal, este último sistema é ilustrado pela norma do artigo 101.º - A do Código das Sociedades Comerciais – “No prazo de um mês após a publicação do registo do projeto, os credores das sociedades participantes cujos créditos sejam anteriores a essa publicação podem deduzir oposição judicial à fusão, com fundamento no prejuízo que dela derive para a realização dos seus direitos, desde que tenham solicitado à sociedade a satisfação do seu crédito ou a prestação de garantia adequada, há pelo menos 15 dias, sem que o seu pedido tenha sido atendido.”

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Atualmente, ao contrário daquilo que acontece no ordenamento jurídico português, é possível encontrar uma definição de cisão no campo legislativo, mais propriamente no artigo 229.º da Lei das Sociedades Anónimas: “A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu património para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu património, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.”

De uma forma mais simples, FÁBIO ULHOA COELHO explica que a cisão consiste na transferência de parcelas do património social de uma sociedade para uma ou mais sociedades, sendo que estas podem já existir ou ser constituídas na oportunidade.”430

A partir do normativo acima citado, conseguimos perceber que no ordenamento jurídico brasileiro existem duas modalidades de cisão: a parcial e a total.

Na cisão parcial, existe um destacamento de uma ou mais parcelas do património de uma sociedade, sendo que tal destaque se destina a uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes (cisão-destaque). Aqui, a sociedade cindida não se extingue, continuando com a mesma actividade, vendo apenas reduzido o seu património em consequência do destacamento a favor de outra ou outras sociedades.

Na cisão total, a sociedade divide-se por inteiro, em duas ou mais partes, sendo que estas partes têm como destino outras sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes - cisão-extinção. 431 Neste tipo de cisão, tal como o próprio nome sugere, há lugar para a extinção

da sociedade cindida.

No que diz respeito ao procedimento a ser encetado com vista à realização da operação de cisão, deve referir-se que na cisão com versão apenas de parcela do património em sociedade nova, a operação será deliberada pela Assembleia-geral da companhia. A Assembleia, após aprovar a operação, nomeará os peritos que, por sua vez, avaliarão a parcela do património a ser transferida. A mesma assembleia funcionará como assembleia de constituição da nova companhia.432 Por sua vez, a cisão com versão de parcela de património em sociedade já

existente obedecerá às disposições existentes sobre a incorporação (artigo 227),433 até porque,

430 Cfr. FÁBIO ULHOA COELHO, Manual de Direito Comercial – Direito de Empresa… op. cit., p. 222.

431 No mesmo sentido, vide FÁBIO BELLOTE GOMES, Manual de Direito Comercial – De acordo com a nova Lei de Falências e Recuperação de

Empresas… op. cit., p. 125 e ANTONIO LUIZ SANTA CRUZ RAMOS, Direito Empresarial Esquematizado… op. cit., p. 371.

432 Artigo 229.º, §2 da Lei das Sociedades Anônimas. 433 Artigo 229.º, §3 da Lei das Sociedades Anônimas.

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na verdade, “essa parcela de sociedades cindida será incorporada em outra sociedade já existente”.434

Relativamente ao arquivamento e à publicação dos actos da operação, sabemos que na cisão-extinção tal dever caberá aos “aos administradores das sociedades que tiverem absorvido parcelas do seu património, e que na cisão-destaque, tal “dever caberá aos administradores da companhia cindida e da que absorver parcela do seu patrimônio.”435

Quanto às garantias oferecidas pela lei aos credores, existem na Lei dois regimes distintos, consoante estejamos perante uma operação de cisão-extinção ou uma operação de cisão-destaque:

(i) Na primeira, as sociedades que absorverem parcelas do património da sociedade cindida, “responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta”436. Se

existir mais do que uma empresa a rececionar os bens da cindida, existirá solidariedade entre elas no pagamento aos credores.437

(ii) Na segunda “a companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão.”

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O Parágrafo Único, do Artigo 233.º, da Lei das Sociedades Anónimas, acrescenta ainda que “o ato de cisão parcial poderá estipular que as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, mas, nesse caso, qualquer credor anterior poderá se opor à estipulação, em relação ao seu crédito, desde que notifique a sociedade no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da publicação dos atos da cisão.” É aqui evidente o propósito legal de facultar aos credores a possibilidade de se manifestarem sobre a operação de cisão que possa significar um prejuízo ao seu direito de crédito.439

Face à ocorrência da operação da cisão, os acionistas possuem o direito de retirada. Este direito encontra limites no artigo 137, III da Lei das Sociedades Anónimas, que nos diz que somente haverá direito de retirada se a cisão implicar mudança do objeto social (salvo quando o património cindido for vertido para sociedade cuja atividade preponderante coincida com a

434 Cfr. RUBENS REQUIÃO, Curso de Direito Comercial, Volume II… op. cit., p.125. 435 Artigo 229.º, §4 da Lei das Sociedades Anônimas.

436 Artigo 233.º da Lei das Sociedades Anônimas.

437 Cfr. CARLOS BARBOSA PIMENTEL, Direito Comercial: Teoria e Questões comentadas… op. cit., p. 103. 438 Artigo 233.º da Lei das Sociedades Anônimas.

439 Cfr. FÁBIO BELLOTE GOMES, Manual de Direito Comercial – De acordo com a nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas… op. cit., p.

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decorrente do objeto social da sociedade cindida), redução do dividendo obrigatório e participação em grupo de sociedades. O reembolso da ação deve ser reclamado à companhia no prazo de 30 dias contado da publicação da ata da Assembleia Geral.440

No que concerne à natureza da operação de cisão, esta operação não deve, à semelhança da operação de incorporação, ser encarada como uma operação onerosa.

Destarte, a cisão afasta-se da venda ou da cessão de ativos, na medida em que consiste numa divisão patrimonial, e não numa eventual transferência de parte da atividade, derivada da cessão ou alienação de ativos.441

Este entendimento foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 2007: “a cisão não é forma onerosa de sociedade. Caracteriza, apenas, sucessão entre pessoas jurídicas, sem que o patrimônio da empresa sucedida ou cindida seja vertido, total ou parcialmente, para uma ou outras empresas sucessoras, sem nenhuma contraprestação financeira. Na cisão de sociedades, há transmissão de uma universalidade de maneira não-onerosa.”442

440 Artigo 137.º, IV, da Lei das Sociedades Anónimas.

441 Cfr. IVANETE LINKE, “Avaliação de empresas na reestruturação e transformação societária – Fusões, Cisões, Incorporações e Privatizações.

Estudo de caso – Copel – Companhia Paranaense de Energia”, 2004… op. cit., p. 44.

442 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Novembro de 2007, no processo n.º 944507 PE 2007/0092328-0, disponível em

http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4880/recurso-especial-resp-944507 [04.01.2015]. Vide, ainda a este propósito, o Acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região de 16 de Dezembro de 2008, disponível em http://trf-5.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8282894/apelacao-civel- ac-407728-pe-0002690-4520064058300 [04.01.2015]: “Os casos de incorporação ou cisão de sociedade” consistem num modo “não oneroso de sucessão entre pessoas jurídicas, em que os bens da empresa cindida ou incorporada passam ao patrimônio da nova empresa, a título gratuito, sem qualquer contraprestação.”

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CAPÍTULO III – PLANEAMENTO FISCAL, OPERAÇÕES DE REESTRUTURAÇÃO EMPRESARIAL E