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CAPÍTULO II – A REESTRUTURAÇÃO EMPRESARIAL

6. As operações de reestruturação empresarial previstas no ordenamento jurídico brasileiro

6.1. As formalidades a cumprir

As operações de reestruturação empresarial são, em geral, antecedidas de uma série de providências destinadas a garantir sua economicidade, iniciando-se, na maioria das vezes, através de contactos entre os Administradores das sociedades envolvidas na operação.

Depois de chegarem a acordo acerca da concretização da operação, cada uma das sociedades deve fornecer à outra o livre acesso ao seu estabelecimento e aos seus documentos, de modo a que possam ser realizadas auditorias. Daí que seja correto afirmar que, quando duas sociedades concluem a operação de reestruturação, possuem já os seus interesses muito entrelaçados, o que faz com que uma eventual irregularidade por parte de uma empresa contamine, necessariamente, a outra.”375

Relativamente às formalidades/obrigações que têm que ser cumpridas pelas sociedades nas operações de incorporação, fusão e cisão, a Lei afirma que tais operações devem ser deliberadas na forma prevista para a alteração dos respetivos estatutos ou contratos sociais376, e

que, quando a operação resultar na criação de uma sociedade, devem ser observadas as normas reguladoras da constituição das sociedades do seu tipo.377

Primeiramente, as empresas são obrigadas a apresentar um Protocolo, sendo que este tem como função a apresentação das condições da operação de incorporação, fusão ou cisão. Tal formalismo encontra-se previsto no artigo 224.º da Lei das Sociedades Anónimas:

“As condições da incorporação, fusão ou cisão com incorporação em sociedade existente constarão de protocolo firmado pelos órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas, que incluirá:

I - o número, espécie e classe das ações que serão atribuídas em substituição dos direitos de sócios que se extinguirão e os critérios utilizados para determinar as relações de substituição; II - os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, no caso de cisão;

375 Cfr. FÁBIO ULHOA COELHO, Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa, Volume 2… op. cit., p. 372. 376 Artigo 223.º da Lei das Sociedades Anónimas.

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III - os critérios de avaliação do patrimônio líquido, a data a que será referida a avaliação, e o tratamento das variações patrimoniais posteriores;

IV - a solução a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital de uma das sociedades possuídas por outra;

V - o valor do capital das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do capital das sociedades que forem parte na operação;

VI - o projeto ou projetos de estatuto, ou de alterações estatutárias, que deverão ser aprovados para efetivar a operação;

VII - todas as demais condições a que estiver sujeita a operação. Parágrafo único. Os valores sujeitos a determinação serão indicados por estimativa.”

Na opinião de MODESTO CARVALHOSA, "embora não produza efeitos definitivos quanto ao negócio jurídico de reorganização societária, o protocolo vincula, definitivamente, as sociedades pactuantes a operar o seu desfecho, vale dizer, deliberar favorável ou desfavoravelmente em assembleia geral."378

Após a elaboração deste Protocolo, e se pelo menos uma das sociedades envolvidas na operação for uma Sociedade Anónima, as operações de reestruturação empresarial serão submetidas à deliberação da Assembleia Geral das empresas intervenientes, mediante uma Justificação. Desta justificação devem constar: “ os motivos ou fins da operação, e o interesse da companhia na sua realização; as ações que os acionistas preferenciais receberão e as razões para a modificação dos seus direitos, se prevista; a composição, após a operação, segundo espécies e classes das ações, do capital das companhias que deverão emitir ações em substituição às que se deverão extinguir; o valor de reembolso das ações a que terão direito os acionistas dissidentes.”379

Em seguida, existe espaço para a avaliação do património a ser vertido, através de perícias técnicas. As operações societárias só poderão ser efetivadas nas condições aprovadas

378 Cfr. MODESTO CARVALHOSA, Comentários à Lei de Sociedades Anónimas, 3.ª edição, Volume 4, Tomo I, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 237,

citado por AMÁLIA PASETTO BAKI, “Considerações sobre Planejamento Tributário: Análise das operações de incorporação e fusão… op. cit., pp. 21-22.

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se os peritos nomeados determinarem que o valor do património ou patrimónios líquidos a serem vertidos para a formação de capital social é, pelo menos, igual ao montante do capital a realizar.380 Esta última regra traduz o respeito pelo Princípio da Realidade e Integralidade do

Capital Social, importantíssimo no seio do Direito Societário Brasileiro: o capital constituído na sociedade incorporadora, na sociedade resultante da fusão ou nas sociedades decorrentes da cisão há de ser real, e os bens vertidos para a sua formação hão de coincidir, pelo menos, com o montante do capital a ser realizado.381

Devemos ainda acrescentar que, no caso de incorporação, fusão ou cisão de uma companhia emissora de debêntures em circulação, a operação dependerá da prévia aprovação dos debenturistas, que se reunirão em Assembleia particularmente convocada para esse fim.382

No que concerne à transformação, esta operação obedecerá aos preceitos que regulam a constituição e o registro do tipo a ser adotado pela sociedade (Parágrafo Único do artigo 221.º da Lei das Sociedades Anónimas).

No próximo ponto teremos oportunidade de analisar os artigos que apresentam as vicissitudes atinentes ao procedimento imposto para a ocorrência de cada tipo de operação de reestruturação empresarial em particular.

6.2. A transformação

A operação de transformação de sociedades tem lugar sempre que uma sociedade abandona o seu tipo societário com o fim de adotar outro, não existindo dissolução ou liquidação da pessoa jurídica em questão, como nos ensina o Código Civil Brasileiro no seu artigo 1.113.º: “O ato de transformação independe de dissolução ou liquidação da sociedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se”.

O conceito de transformação consta ainda do artigo 220.º da Lei das Sociedades Anónimas: “A transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro.” No lugar de existir dissolução ou liquidação,

380 Artigo 226.º da Lei das Sociedades Anónimas.

381 Cfr. RUBENS REQUIÃO, Curso de Direito Comercial, Volume II… op. cit., p.125.

382 Artigo 231.º da Lei das Sociedades Anónimas. Não obstante, “será dispensada a aprovação pela assembléia se for assegurado aos

debenturistas que o desejarem, durante o prazo mínimo de 6 (seis) meses a contar da data da publicação das atas das assembléias relativas à operação, o resgate das debêntures de que forem titulares”, sendo que, neste caso, “a sociedade cindida e as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelo resgate das debêntures”: § 1 e § 2 do Artigo 231.º da Lei das Sociedades Anónimas.

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MODESTO CARVALHOSA considera que existe uma extinção dos actos constitutivos, que são, assim, substituídos por outros. 383

Na ideia de RUBENS REQUIÃO, a flexibilidade típica do Direito Comercial permite que uma sociedade modifique a sua estrutura jurídica, passando a adotar outro tipo societário, sem que se verifique, contudo, a não continuidade ou a alteração da sua personalidade. Estamos, desta maneira, perante de uma das mais importantes conquistas no âmbito da Ciência Jurídica.”384

Destarte, nesta operação societária existe uma mudança de forma societária, sem haver, no entanto, mudança da pessoa jurídica, que continua a ser a mesma. O mesmo é dizer que esta operação não envolve a extinção da pessoa jurídica da sociedade, nem tão pouco a criação de outra nova, já que se constata a permanência do mesmo sujeito de direito coletivo anterior à operação.385

Na transformação não pode falar-se propriamente em sucessão, já que não existe transmissão de direitos e obrigações: estes continuam a pertencer à mesma pessoa jurídica. Daí que figure como natural o facto de esta figura receber um tratamento diferente daquele que é concedido às operações de fusão, incorporação e cisão.386

É importante frisar a ideia de que, sendo a transformação uma operação que não leva à liquidação nem a dissolução das sociedades envolvidas, não existe razão alguma para que os direitos dos credores sejam prejudicados. Além disso, já que operação de transformação significa uma modificação estrutural do contrato societário, alterando-o relativamente à responsabilidade dos sócios, estes tornam-se merecedores de verem as suas garantias salvaguardadas.

Neste seguimento, a Lei dispõe que “a transformação não modificará nem prejudicará, em qualquer caso, os direitos dos credores, que continuarão, até o pagamento integral dos seus créditos, com as mesmas garantias que o tipo anterior de sociedade lhes oferecia.”.387

383 Cfr. M. CARVALHOSA, Comentários à lei de sociedade anônima: Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com as modificações das Leis nº.

9.457, de 5 de maio de 1997, e nº. 10.303, de 31 de outubro de 2001, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 185, citado por ALEXANDRE EDUARDO LIMA RIBEIRO, “Utilização de metodologias de reestruturação societária como ferramenta de planejamento tributário: um estudo de caso”, Dezembro de 2008, texto disponível em http://unihorizontes.br/novosite/banco_dissertacoes/121220111531415975.pdf [03.01.2015], p.36.

384 Cfr. RUBENS REQUIÃO, Curso de Direito Comercial, Volume II… op. cit., p.123.

385 Cfr. FÁBIO ULHOA COELHO, Manual de Direito Comercial – Direito de Empresa … op. cit., p. 221. 386 Cfr. HUGO DE BRITO MACHADO, Curso de Direito Tributário… op. cit., p.163.

387 Artigos 1.115.º da Lei n.º 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 e 222.º da Lei das Sociedades Anónimas.555555555555555 Vide, ainda,

relativamente à proteção conferida aos credores no seio da operação de Transformação, o artigo 222.º, Paragrafo Único da Lei das Sociedades Anónimas: “A falência da sociedade transformada somente produzirá efeitos em relação aos sócios que, no tipo anterior, a eles estariam sujeitos, se o pedirem os titulares de créditos anteriores à transformação, e somente a estes beneficiará”

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Ora, se uma Sociedade em Nome Coletivo se transformar numa Sociedade Anónima, os credores já existentes à data da mudança do tipo societário continuarão a deter a titularidade dos créditos, podendo arguir a responsabilidade subsidiária, solidária e ilimitada dos sócios. Numa situação oposta, aplica-se o mesmo raciocínio, na medida em que o credor de uma Sociedade Anónima transformada em Sociedade em Nome Coletivo não pode arguir a responsabilidade dos sócios na satisfação do seu crédito. E isto porque, neste caso, apenas os titulares de créditos constituídos após a operação de transformação possuem tal prerrogativa.”388

ANTÓNIO LUIZ SANTA CRUZ RAMOS alerta para o facto de a operação de transformação não ocorrer apenas quando uma Sociedade Limitada se transforma numa Sociedade Anónima, e vice-versa. Embora seja normal que o foco doutrinal esteja centrado neste tipo de transformação, já que a Sociedade Limitada e a Sociedade Anónima são os dois tipos de sociedades que mais proliferam no ordenamento jurídico brasileiro, nada impede que uma Sociedade em Nome Coletivo se transforme numa Sociedade Limitada, ou que uma Sociedade em Comandita Simples se transforme numa Sociedade em Comandita por Acções.389

Vejamos, então, a título de exemplo, onde residem as vicissitudes decorrentes da transformação de uma Sociedade em Nome Coletivo numa Sociedade Limitada:390

(i) Ao nível da responsabilidade dos sócios, que deixam de ser solidariamente e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações sociais, para passar a ter uma responsabilidade restrita ao valor das suas quotas, embora todos respondam solidariamente pela integralização do capital social (Artigos 1.039.º e 1.052.º do Código Civil);

(ii) Ao nível do nome social, passando a existir a opção da adoção de uma Denominação ou de uma Firma Social, faculdade concedida às Sociedades Limitadas, já que que as Sociedades em Nome Coletivo apenas se podem valer das Firmas Sociais (Artigos 1.041.º, 1.054.º, 997.º, II e 1.064.º do Código Civil);

(iii) Ao nível do quórum exigido para futuras deliberações. Enquanto na Sociedade em Nome Coletivo se exige a “maioria absoluta de votos se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime” (Artigo 999.º ex vi Artigo 1.040.º do Código

388 Cfr. CARLOS BARBOSA PIMENTEL, Direito Comercial: Teoria e Questões comentadas… op. cit., p. 101. 389 Cfr. ANTÓNIO LUIZ SANTA CRUZ RAMOS, Direito Empresarial Esquematizado… op. cit., p.369.

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Civil391), na Sociedade Limitada exige-se votos correspondentes, no mínimo, a três

quartos do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do art. 1.071.º; votos correspondentes a mais de metade do capital social, nos casos previstos nos incisos II, III, IV e VIII do art. 1.071.º; maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada (Artigo 1.076.º do Código Civil392).

Para que o ato de transformação produza os seus efeitos, terá que obedecer às formalidades legais relativas à constituição e registo do novo tipo societário a ser adotado, segundo o Parágrafo Único do artigo 220.º da Lei das Sociedades Anónimas.

O artigo 221.º da mesma Lei estabelece que “a transformação exige o consentimento unânime dos sócios ou acionistas, salvo se prevista no estatuto ou no contrato social, caso em que o sócio dissidente terá o direito de retirar-se da sociedade.”393 Ademais, “os sócios podem

renunciar, no contrato social, ao direito de retirada no caso de transformação em companhia” Cabe ainda referir que a Lei Complementar n.º 128/2008 introduziu uma novidade no ordenamento jurídico-societário brasileiro, ao permitir a transformação de um empresário individual numa Sociedade Empresária e vice-versa. As regras que regem esta operação encontram-se previstas no § 3 que foi acrescentado ao Artigo 968.º, e no Parágrafo Único, adicionado ao artigo 1.033.º, ambos do Código Civil Brasileiro.394