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As liberdades de iniciativa económica privada e de gestão fiscal empresarial

CAPÍTULO I – O PLANEAMENTO FISCAL

5. A liberdade de gestão (fiscal) empresarial

5.1. As liberdades de iniciativa económica privada e de gestão fiscal empresarial

As liberdades de iniciativa económica privada e de gestão fiscal empresarial encontram expressão nos artigos 61.º, n.º1, 80.º, c) e 86.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa: Artigo 61.º, n.º1 - (Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária): “A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.”

Artigo 80.º, c) - (Princípios fundamentais): “A organização económico-social assenta nos seguintes princípios: Liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista.”175

173 Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS et al., Problemas Fundamentais de Direito Tributário… op. cit., pp. 199-202. 174 Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de Fevereiro de 2011, no Processo n.º 04255/10… op. cit.

175 O preceito assegura a liberdade de organização e iniciativa empresarial nos três sectores da iniciativa económica – privada, cooperativa e

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Artigo 86.º, n.º1 - (Empresas privadas): “O Estado incentiva a actividade empresarial, e fiscaliza o cumprimento das respectivas obrigações legais, em especial por parte das empresas que prossigam actividades de interesse económico geral.”

Podemos também encontrar a consagração das referidas liberdades na Constituição da República Federativa do Brasil, mormente nos seus artigos 1.º, IV, e 170.º:

Artigo 1.º (Dos Princípios Fundamentais): - “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.” Artigo 170.º: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Começando pela análise da expressão iniciativa privada, esta constitui o “direito fundamental das pessoas, singulares ou colectivas, e dos grupos (se escolherem as formas jurídicas próprias do direito privado) exercerem a actividade económica de produção”, correspondendo “a uma liberdade, reconhecida como valor fundamental pela Constituição, que só por esta e pela lei pode ser integrado e delimitado”.176

Nos ordenamentos jurídicos de carácter capitalista, a iniciativa privada consiste numa iniciativa económico-produtiva de carácter empresarial, na medida em que abrange a “produção e a comercialização de bens, assim como o fornecimento de serviços, para o mercado, através de uma organização autónoma constituída para o efeito, funcionalmente adequada e convenientemente implantada nos mercados relevantes dos bens e/ou serviços em causa – a empresa”.177

CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada – Artigos 1.º a 107.º, Volume I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 958 (interpolação nossa).

176 Cfr. ANTÓNIO L.SOUSA FRANCO e GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS, A Constituição Económica Portuguesa, Coimbra, Livraria Almedina,

1993, p.197.

177 Cfr. EVARISTO FERREIRA MENDES, “Artigo 61.º”, in Jorge Miranda e Rui Medeiros (orgs.), Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I – Artigos

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Por outras palavras, a iniciativa privada empresarial só se torna possível através da liberdade económica, sendo que esta se pode desdobrar em duas vertentes: a liberdade de produção - que abrange as iniciativas relativas aos meios e formas de satisfação de necessidades -, e a liberdade de consumo – que abrange as iniciativas relativas à satisfação de necessidades. No que toca à liberdade de produção, podemos falar numa “liberdade de organizar a produção, designadamente criando empresas – que são a forma típica de organização produtiva, marcada pela diferenciação dos factores de produção, nas economias de mercado (art.61,º, CRP)”, e ainda numa “liberdade de actuação das empresas, tanto colectivas (com ou sem personalidade jurídica própria) como individuais (do indivíduo como empresário; e dos indivíduos) ”.178

Neste seguimento, e de acordo com a ótica de JOSÉ CASALTA NABAIS, as liberdades de iniciativa económica e de empresa podem materializar-se nos seguintes vetores: na preparação e constituição da empresa; na escolha da forma e organização da empresa; na escolha do local da sede e do exercício da atividade da empresa; na sua estruturação e articulação apenas nacional ou também internacional; na escolha do financiamento; na política de gestão dos défices; na política de depreciações e amortizações, etc.”179

Se perspetivarmos o Estado Fiscal através da comunidade organizada em que se concretiza, concluímos que o mesmo assenta no princípio da livre disponibilidade económica dos indivíduos e das suas organizações de carácter empresarial. Num sentido lato, o princípio da liberdade de gestão fiscal exige que se permita, com a maior amplitude possível, “a livre decisão dos indivíduos admitindo-se a limitação dessa liberdade de decisão apenas quando do seu exercício sem entraves resultem danos para a colectividade ou quando o Estado tenha que tomar precauções para preservar essa mesma liberdade individual. Isto requer, antes de mais, uma economia de mercado e a consequente ideia de subsidiariedade da acção económica e social do Estado e demais entes públicos.”180

178 Cfr. ANTÓNIO L.SOUSA FRANCO e GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS, A Constituição Económica Portuguesa… op. cit., pp.193-194. Os

autores chamam ainda à atenção para o facto de que a identificação da livre iniciativa com a liberdade de empresa (iniciativa empresarial) não é totalmente correta, já que a “iniciativa económica abrange todas as formas de produção, individuais ou coletivas, e as empresas são apenas as formas de organização com características substancial e formal (jurídica) de índole capitalista, normalmente contempladas, quando são privadas, como objeto principal ou exclusivo, pelo Direito Comercial. “ (p.196).

179 Cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Introdução ao Direito Fiscal das Empresas… op. cit., pp.45-46. 180 Cfr. JOSÉ CASALTA NABAIS, Introdução ao Direito Fiscal das Empresas… op. cit., p.44.

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Neste contexto, podemos falar de uma sociedade contemporânea aberta, em contraposição a uma sociedade fechada181: a sociedade fechada é aquela que é orientada pelo

legislador, na medida em que é este que estabelece os fins sociais dos direitos, “nos quadros de um organismo acentuadamente político-legalista”. Esta sociedade pauta-se pelos valores da hierarquia e da direção, caracterizando-se pela existência de objetivos comuns que vinculariam todos os seus membros (sendo que cada um destes desempenha uma função específica dentro da sociedade); a sociedade aberta (contemporânea) é aquela que tem na sua base os ideais de liberdade e de autonomia da pessoa humana, “incompatíveis com o organismo social. O Estado fiscal assenta numa sociedade aberta, à qual se sobrepõe, respeitando os resultados do seu funcionamento e dos direitos de personalidade”.

Não se torna difícil, pois, concluir que a realidade da liberdade de gestão fiscal só se torna possível numa sociedade aberta, em que os contribuintes, para além de terem obrigações fiscais para com o Estado, possuem uma inegável liberdade negocial estatuída pela Constituição. Neste seguimento, LUÍS F. GONÇALVES PINTO distingue uma vertente tradicional – passiva – de uma vertente ativa da gestão fiscal. Enquanto na vertente passiva a gestão fiscal se condensa no cumprimento de obrigações fiscais de natureza principal e acessória, a vertente ativa pode ser vista como um planeamento fiscal que, mais do que assentar em obrigações fiscais, passa pelo uso adequado da variável fiscal de modo a que os objetivos da empresa sejam atingidos, “integrando os impostos no processo decisional, pelo acesso a benefícios fiscais e pelo uso de alternativas fiscais”.182

Devemos ainda chamar a atenção para a necessidade de se efetivar, na prática, o direito à livre iniciativa empresarial, na medida em que, consistindo a liberdade económico-produtiva fundamental da empresa numa “liberdade de mercado, realizando-se no quadro deste, através de organizações apropriadas, assume naturalmente o carácter de uma liberdade competitiva”, o que implica a criação, por parte do poder estatal, de “condições institucionais para o seu livre e efetivo exercício, assegurando nomeadamente a existência de um mercado regular e funcional, a abertura e transparência do mesmo e a correspondente liberdade de concorrência”. Daí que não seja de estranhar a estreita conexão entre a liberdade empresarial e o princípio da concorrência, cuja efetivação se consubstancia num encargo estatal prioritário. 183

181 Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS e JOÃO COSTA ANDRADE, A autonomia contratual e Direito Tributário (A norma Geral Anti-elisão)… op. cit.,

p.51.

182 Cfr. LUÍS F. GONÇALVES PINTO, “O “Timing” e a Gestão Fiscal da realização de mais-valias em sede de IRC”… op. cit., pp.224-225. 183 Cfr. EVARISTO FERREIRA MENDES, “Artigo 61.º”… op. cit., p. 1188.

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Não obstante, estas liberdades de iniciativa económica privada e de gestão (fiscal) empresarial não são, de maneira alguma, sinónimo de liberdades absolutas, como nos ensinam, e bem, o Acórdão do Supremo Tribunal Federal Brasileiro, de 27 de Junho de 2007, e o Acórdão do Tribunal Constitucional Português, de 24 de Outubro de 2001:

“o que ocorre é que o princípio da livre iniciativa nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo. Esses princípios claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, porém social, e que pode, consequentemente, ser limitada.”184

“não se está perante um direito absoluto, pois no próprio preceito se acrescenta que o mesmo deve ser exercido «nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral». O exercício da atividade económica privada é modelado pelo legislador ordinário, desde que observados os condicionamentos ou restrições que impeçam o exercício daquele direito de modo particularmente oneroso”.185

5.2. Os limites à gestão fiscal empresarial como ponto de partida para a introdução das Normas