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1. SISTEMA DE RELAÇÕES DE TRABALHO BRASILEIRO E PODER JUDICIÁRIO

1.5. A ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO E SUA FRAGMENTAÇÃO

Uma característica do sistema de relações de trabalho brasileiro é a acentuada presença do Judiciário na administração dos conflitos entre capital e trabalho. Essa interação, entretanto, não retira e nem mesmo secunda a participação do Poder Executivo como elemento indutor de políticas públicas e mediador de conflitos através do Ministério do Trabalho. Em verdade, insere um elemento normalizador das relações de trabalho, através de procedimentos judiciais formais, tanto em nível de contrato individual, como no contrato coletivo, já que, como elemento simbólico, o que é julgado pelo sistema de justiça transforma-se na síntese do “justo” para a comunidade. Isso ocorre mesmo que os atores envolvidos diretamente tenham uma percepção distinta das soluções prescritas pelos mecanismos judiciais de solução de conflitos.

A institucionalização do Judiciário brasileiro torna mais complexa a compreensão do seu nível de intervenção no sistema de relações de trabalho. Grosso modo, até a promulgação da emenda constitucional 45, em dezembro de 2004, três esferas do Judiciário nacional interagiam com o sistema de relações do trabalho: a Justiça Federal Comum, a quem competia processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho e exercer o controle da legalidade das ações do Ministério do Trabalho; as Justiças dos Estados, que

decidiam questões atinentes aos direitos e deveres de associação, processos eleitorais e disputas de representação sindical; e a Justiça do Trabalho, que se debruçava sobre os aspectos relativos aos contratos de trabalho – individuais e coletivos. Essa fragmentação de interesses comuns e próximos por variadas instituições judiciárias foi parcialmente corrigida pela emenda constitucional 45, embora o mundo do trabalho ainda não esteja completamente inserido na órbita de competência da Justiça do Trabalho9.

Numa sociedade complexa, cujo aparelho de Estado reflita essa complexidade, é de se supor que a atuação das três esferas de justiças tenha performances distintas. Quando este estado é uma federação, o grau de complexidade das estruturas de poder e das respectivas burocracias de implementação das políticas e serviços públicos, bem como a disparidade de performances se eleva consideravelmente. Métodos e procedimentos díspares previstos na legislação, recursos orçamentários e recursos humanos são alocados segundo o grau organizativo das estruturas judiciárias, prioridade e capacidade fiscal e financeira dos estados membros, que no Brasil é sabidamente baixa, dada a concentração das atividades econômicas em poucas unidades da federação. Ademais, o serviço judiciário é complexo e o acesso formal não implica acesso material, ante os custos de serviços auxiliares e a ausência de serviços públicos capazes de atender a demanda da população por profissionais do direito (advogados e defensores públicos), coleta e reprodução de provas técnicas (laboratórios judiciais, peritos médicos, contábeis, datiloscópicos, avaliadores).

O mercado de trabalho de uma economia capitalista supõe um razoável grau de mobilidade geográfica da força de trabalho, capaz de ser acionada pelos instrumentos típicos do mercado, tanto para atender a demanda por trabalho, como para modular o seu próprio custo, conformando o conceito marxiano de exército industrial de reserva. Num estado nacional de

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Seria importante que as questões previdenciárias estivessem sob administração da Justiça do Trabalho, dada a indissociabilidade entre trabalho e previdência.

dimensões continentais e conformação federativa, essa mobilidade só pode ser assegurada por uma regulação de âmbito nacional, sendo essa a marca da legislação criada pelas forças políticas e econômicas que emergiram da Revolução de 1930. Por sua vez, o localismo é a marca de organismos políticos regionais, inclusive no âmbito do Judiciário. A ausência de dados estatísticos disponíveis a respeito da performance dos Tribunais de Justiça dos Estados membros da federação impede uma apreciação crítica da atividade das Justiças dos Estados sobre os conflitos intersindicais entre facções de um mesmo sindicato e sobre as disputas de representação. Mas se pode inferir que a compreensão do “fenômeno sindicato” não mereceu tratamento distinto das demais associações civis, cujos conflitos são comumente apreciados pelo Judiciário local.

De todo o modo, o que se quer realçar é que as sucessivas constituições brasileiras posteriores à revolução de 1930 mantiveram o sistema de relações do trabalho sujeito aos efeitos de organizações judiciárias de origem e tradições diversas. À exceção do localismo, a mesma argumentação pode ser destinada à Justiça Federal, voltada para questões de interesse da União e suas interações com o cidadão, mormente questões tributárias, licitatórias, penais e administrativas. A complexidade desses temas, com uma multiplicidade de regulações públicas, regimes tributários especiais, regimes jurídicos variados para carreiras no serviço público e a própria organização administrativa da União, suas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, torna virtualmente residual a atuação da Justiça Federal Comum sobre o mercado de trabalho.

A conseqüência imediata dessa fragmentação é a ausência de compreensão comum e coordenação das justiças sobre fenômenos de alta interação, como a regulação dos sujeitos coletivos do sistema de relações de trabalho (sindicatos, empresas e Estado), e a regulação dos próprios contratos individual e coletivo de trabalho. Mas a trajetória desses sistemas de justiça também permite uma análise acerca da tendência de cada um voltar-se para

aspectos mais tradicionais da sua atuação judiciária. Assim, os Tribunais de Justiça tendem a alocar mais recursos e órgãos jurisdicionais para resolver questões de direito de família, conflitos de propriedade e aspectos tributários regionais e locais.

Já a Justiça Federal, tendencialmente, desloca sua atuação para os fenômenos tributários federais e para os problemas de direito administrativo da extensa máquina administrativa da União, ou para contratos de massa, como o problema decorrente da extinção do BNH, conjugado com o processo hiperinflacionário na década de 1980, que lançou o Sistema Financeiro Habitacional num nível de litigiosidade sem precedentes.

A hipótese de influência do path dependence de cada organização judiciária remeteria as questões envolvendo a regulação do sistema de relações do trabalho para um nível secundário das atenções dessas mesmas organizações judiciárias, pois a constituição de interesses em seu entorno acaba por impor escolhas de prioridades de atuação.

Embora nenhuma delas escape ao fenômeno da

judicialização da vida social e venham acumulando níveis crescentes de demandas judiciais sem solução, numa clara demonstração de inviabilidade do grau de litigiosidade da sociedade brasileira e da estrutura do seu aparelho judiciário, a especialização da Justiça do Trabalho nos conflitos envolvendo a regulação dos contratos individuais e coletivos de trabalho, e os próprios contratos individuais e coletivos, induz à conclusão de que a Justiça do Trabalho continua a ser a estrutura judiciária com menor índice de demanda judicial inconclusa, como demonstra o gráfico abaixo.

PROCESSOS ACUMULADOS NAS DIVERSAS ESFERAS