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DEMANDA JUDICIAL PROCESSOS RECEBIDOS E JULGADOS 1990/

VARAS DO TRABALHO

5. O JUDICIÁRIO TRABALHISTA E A POLÍTICA ECONÔMICA

5.2. SALÁRIO E CUSTO DO TRABALHO COMO VARIÁVEL DE AJUSTE: A TECNICALIZAÇÃO E A PROCEDIMENTALIZAÇÃO DO PODER NORMATIVO

5.2.1 REI MORTO, REI POSTO OS PRECEDENTES NORMATIVOS E AS SÚMULAS DO TST

Inviabilizados pela decisão do STF e pela lei revogadora do art. 902 da CLT, os prejulgados foram substituídos pelas súmulas do TST (enunciados) e pelos Precedentes Normativos (quando relacionados com o direito coletivo do trabalho) que, embora destituídos de força vinculante, constituem balizadores relevantes do comportamento dos atores econômicos e dos Tribunais Regionais do Trabalho.

A análise dos Precedentes Normativos, formados majoritariamente ao longo dos anos 80 e no início dos anos 90 e que constituíam e constituem um balizamento do comportamento das Cortes trabalhistas nos dissídios coletivos, permite extrair algumas indicações do comportamento médio da Corte51.

Uma delas é a reiterada recusa em influenciar a correlação de forças no interior das empresas, como demonstram os Precedentes 13, 16 e 25, relacionados à cessão de locais para sindicalização no interior da empresa, formação de comissões mistas para criar planos de cargos e salários, e regular a eleição da CIPA. Essa recusa, quaisquer que sejam os argumentos jurídicos da sua adoção, revela o traço de maior intensidade da regulação pública brasileira: a manutenção da assimetria entre capital e trabalho, quer sob uma ótica

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É sempre bom ressaltar que a composição colegiada dos Tribunais do Trabalho impede um diagnóstico estático sobre suas manifestações institucionais, dado que sua composição varia no tempo, assim como as condições políticas e sócio-econômicas em que ocorrem os julgamentos e o processo de consolidação de nova jurisprudência.

institucionalista, quer nos influxos contratualistas, captados em muitos episódios da alteração da regulação.

Outra sinalização importante é a tendência a ampliar direitos individuais relacionados com segurança ambiental, transporte, remuneração, alimentação e moradia dos trabalhadores rurais, como conseqüência provável maior das alterações institucionais promovidas pela Constituição: a isonomia dos trabalhadores urbanos e rurais, consolidando o ingresso do “campesinato” no regime de trabalho capitalista, para além dos limitados espaços definidos no início dos anos 70, no auge do regime militar.

O curioso nos Precedentes relativos aos trabalhadores rurais é o Precedente 46, que prevê o deferimento de cláusulas relacionadas com a cessão de terras do empregador, para a exploração do empregado em seu próprio proveito, inserindo numa relação contratual, supostamente capitalista, uma clara limitação ao direito de propriedade e mesclando institutos do capitalismo com relações estatutárias do feudalismo.

Essa tendência à ampliação de direitos individuais não deixa de ter alguma correspondência histórica com a ampliação da organização sindical brasileira no final dos anos 70 e ao longo dos anos 80 e também com a crescente deslegitimação do Estado nacional em organizar e administrar as demandas da sociedade, principalmente o conflito entre o emergente movimento sindical e as grandes empresas públicas ou privadas.

A crise da dívida externa e a perda da dinâmica de acumulação do capitalismo brasileiro são elementos importantes para compreender a deslegitimação do Estado. Beluzzo & Almeida (2002,) sob o prisma econômico, sintetizam o período afirmando que “Essa crise das economias latino-americanas foi sobretudo uma crise da soberania do Estado, ameaçado em uma de suas prerrogativas fundamentais, a de gerir a moeda”. De certo modo, é a

partir dessa expressão do poder do Estado que a sociedade articula todas as suas relações econômicas e jurídicas52. Mas associado a isso está o surgimento de uma nova conformação do trabalho: hegemonicamente urbano, com larga penetração em atividades nos grandes conglomerados industriais nacionais e transnacionais, empresas públicas, infra-estrutura e serviços públicos, no entorno das principais capitais do país, embora destituído de identidade com os dois partidos políticos criados pela ditadura militar.

A disfuncionalidade da regulação pública para lidar com a emergência de um novo ator na esfera política e no sistema de relações de trabalho resta patenteada nas decisões judiciais. Como exemplo, temos a prolatada no dissídio coletivo 1996/86 do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia, que reconheceu a legalidade de uma greve, sob o argumento da desatualização da própria lei de greve 4.330/64, que não pode criar procedimentos que acabem por esvaziar o direito à paralisação, confrontando a formalidade da lei ao direito dos trabalhadores de lutar pela subsistência.53

A tensão permanente entre a regulação do trabalho e a representação dos trabalhadores é a marca dos anos 80, junto com a constituição de um partido de massas com grande identidade com o movimento sindical e os movimentos sociais, e ainda de um ciclo de greves em escala nacional, sem precedentes históricos. Essa interação entre sindicatos e partido político, comum ao welfare state europeu passa a ser um elemento inovador das relações de classe no Brasil e, mais pronunciadamente, no sistema de relações do trabalho.

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Como salientam Beluzzo & Almeida (2002: 27): “A moeda e a confiança nela são fenômenos coletivos, sociais. Tenho confiança na moeda porque sei que o outro está disposto a aceitá-la como forma geral de existência de valor das mercadorias particulares, dos contratos e da riqueza. O metabolismo da troca, da produção, dos pagamentos depende do grau de certeza na preservação da forma geral do valor, que deve comandar cada ato particular e contingente. A reprodução da sociedade fundada no enriquecimento privado depende da capacidade do Estado de manter a integridade da convenção social que serve de norma aos atos dos produtores independentes”.

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O dissídio coletivo havia sido proposto pela Procuradoria Regional do Trabalho, sob o argumento da ilegalidade da greve em indústria química e a natureza “selvagem” da ação direta dos trabalhadores, sem intermediação de seu sindicato (embora o sindicato dos petroquímicos tenha tentado auxiliar a negociação, mesmo não sendo representante legal dos trabalhadores).

Esse tensionamento explica em parte a confusão entre liberdade sindical e “desregulação” do trabalho, elemento reivindicatório presente no interior do movimento sindical, como expressão da sua capacidade de auto-organização, e que será revisto e reprocessado no curso dos anos 90.

Mas, a despeito dessa interação inovadora, as tendências aqui identificadas na formação dos Precedentes Normativos permitem o reconhecimento do comportamento de longo prazo do Estado em relação ao conflito capital e trabalho: não produzir regulação tendente a reduzir a assimetria política no interior das empresas, mantendo o amplo poder de disposição dos empregadores na contratação e uso da força de trabalho, ainda que certas decisões possam influenciar na formação dos custos.

5.3. DESJURISDICIONALIZAÇÃO E INDIVIDUALIZAÇÃO DOS CONFLITOS