• Nenhum resultado encontrado

O ESTABELECIMENTO DA EQUAÇÃO ECONÔMICO FINANCEIRA DOS CONTRATOS DE TRABALHO

DEMANDA JUDICIAL PROCESSOS RECEBIDOS E JULGADOS 1990/

PROCESSOS NAS DIVERSAS ESFERAS JUDICIÁRIAS

2.3.1.1. O ESTABELECIMENTO DA EQUAÇÃO ECONÔMICO FINANCEIRA DOS CONTRATOS DE TRABALHO

É possível fixar três condições distintas de regulação da possibilidade da Justiça do trabalho interferir na equação econômico-financeira dos contratos. A primeira, a partir da sua criação até 1965, quando a fixação de reajustes salariais se dava em condições de razoável discricionariedade26, geralmente a partir da análise de índices de custos de vida nacional e regionais. Os reajustes salariais abordavam o problema do custo de vida ou da prosaica “carestia”, mas ficavam condicionados à assiduidade ao trabalho, o que resulta em razoável grau de aproximação entre as decisões judiciais e os interesses de normalização do trabalho por parte dos empregadores, já que o combate ao absenteísmo era abraçado pela própria Justiça, para contrabalançar sua intervenção no regime econômico dos contratos. Das análises dos processos coletivos do período compreendido entre 1941 a 1964, três aspectos merecem relevo:

26

A discricionariedade refere-se ao grau de possibilidades de decisão dos magistrados e não à perspectiva de tomar decisões destituídas de sentido lógico, arbitrárias mesmo.

1) a sincronia na sistemática de concessão de reajustes salariais condicionados à assiduidade nos três Tribunais Regionais e no TST, somente superada quando da edição de nova regulação – a lei 2510/55 proibiu a condicionalidade de reajustes salariais à assiduidade ao trabalho;

2) Dois processos encontrados nos arquivos do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região (Minas Gerais), que mostravam o grau de interação da Justiça do Trabalho com o conflito interclasses. O primeiro, embora autuado como processo, era em verdade uma recomendação do Presidente do Conselho Nacional do Trabalho (embora o órgão já fosse nominado TST) em maio de 1946, recomendando o uso do art. 856 da CLT27 para reprimir indesejadas paralisações do parque fabril nacional, desvelando o caráter não neutral da jurisdição do período e sua participação na defesa e expansão do Estado nacional- desenvolvimentista e sua ideologia. O segundo era um autêntico processo judicial, em que o relator, diante dos argumentos do empregador de reiterados prejuízos em seus balancetes contábeis, concede o reajuste salarial em arguto voto em que separa duas espécies de remuneração do capital em seu contínuo e incessante processo de acumulação: o lucro e o investimento. Mesmo ausente o primeiro, a monta do segundo autorizaria o reajuste salarial, segundo a decisão do TRT mineiro, realçando a razoável capacidade de intervenção do Estado na correção da assimetria entre capital e trabalho.

3) A ausência de reivindicações de outra natureza que não os reajustes salariais, o que reduz o escopo de atuação da Justiça do Trabalho à revisão econômica dos contratos. Tal constatação, se atiça os brios ideológicos dos defensores da assimetria entre o capital e o trabalho, é verdadeira cláusula comum a qualquer regime contratual de longa duração. A análise dos processos pesquisados revela algumas exceções a essa regra, como o dissídio coletivo dos bancários da Bahia (004/1945, que continha 10 cláusulas), e dos padeiros de Salvador (239/1943), em

27

Artigo da CLT que até 1988 permitia aos Presidentes dos Tribunais instaurar o processo judicial coletivo para apreciar o conflito e evitar ou encerrar greves (com mais freqüência) e lockouts (raramente). O processo é o 001/46.

que se postulava a regulação da jornada de trabalho, o abrandamento da disciplina interna, e a exibição de balancetes dos empregadores, demonstrando a nítida intenção do trabalho de intervir na busca da redução da assimetria jurídico- política em favor do capital.

O segundo período, fixado a partir da ruptura institucional de 1964 e da introdução de nova regulação salarial em 1965, é marcado pela intervenção sistemática do Poder Executivo na regulação da política salarial e nos contratos individual e coletivo de trabalho. Essa intervenção imuniza do exame jurisdicional todos os atos do Poder Executivo que tivessem como fundamento os Atos Institucionais e cria sistemática de correção de salários com base na média ponderada da inflação de um período anterior ao reajuste, acrescentando um percentual de participação no aumento de produtividade geral da economia, e estabelecendo uma fórmula matemática a ser implementada nas convenções coletivas e nas Sentenças Normativas. A interação entre Judiciário e política econômica explicita o caráter não neutral da jurisdição. As pesquisas nos arquivos do TST revelaram duas passagens singulares dessa interação.

A primeira evidência ocorreu no dissídio coletivo 001/64, em que as empresas de navegação buscavam revisar o acordo coletivo de trabalho de âmbito nacional, sob a alegação de coação institucional. Isso por terem celebrado o acordo de 1957 no Estado Maior da Marinha e terem celebrado o último acordo sob pressão do Ministério do Trabalho, que o assinou antes mesmo das partes o ratificarem; desse modo constituir-se-ia? numa ação institucional destituída de interesse nacional.

O acolhimento parcial da tese das empresas se deu sob o argumento de que era “fato notório que as greves de pressão eram fomentadas, dirigidas e custeadas pelo governo deposto, que tinha como objetivo a estatitização da indústria e do comércio pela implantação do caos no domínio econômico”.

A 2ª. constitui-se verdadeiro paradoxo, pois o Tribunal Superior do Trabalho concluiu que a supressão de direitos adquiridos pelos ferroviários era justificada (dissídio coletivo 03/1968) porque a inflação era uma questão de segurança nacional, e o poder revolucionário estabeleceu a possibilidade de revisão dos atos jurídicos dos últimos dois anos do governo deposto.

Nesse ponto é bom salientar que o regime militar criou amplo aparato jurídico para justificar essa aporia, ao introduzir um regime de imunidade de jurisdição para os atos institucionais editados desde 1964 e, ao mesmo tempo, autorizar que o poder revolucionário revisitasse os atos jurídicos pretéritos.

Assim, a fixação de salários passa a guardar direta relação com os objetivos da política econômica, e o Conselho Nacional de Política Salarial passa a ter proeminência sobre os interesses dos envolvidos nos conflitos. Além disso, influencia decisivamente o mecanismo judicial de solução dos conflitos econômicos, tanto os magistrados como os membros do Ministério Público do Trabalho, àquela época um misto instrumento de representação judicial do Poder Executivo e defensor em abstrato da ordem jurídica embora tais atribuições sejam potencialmente conflitivas: objetivos de curto prazo do Poder Executivo podem chocar-se com objetivos institucionais de longo prazo, ou com o simples conceito de legalidade.

Duas passagens são expressivas desse poder do CNPS: a direta manifestação do Procurador Geral do Trabalho em dissídio coletivo do ano de 1964 (Aeronautas x empresas aéreas) ao dizer que sua função era, em última instância, defender os objetivos da política econômica do governo, conforme decreto 54.018/64. E a freqüente consulta oficial do próprio Tribunal Superior do Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho ao CNPS para que

este informasse o índice de correção salarial, prática só reduzida quando os próprios Tribunais, por força de lei, criaram sua assessoria de cálculos. Passaram, então, a interpretar a fórmula de correção salarial fixada nas seguidas leis de política salarial editadas durante o regime militar, e na própria jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho.

Curioso é que a regra de conceder reajustes salariais pela média ponderada do período anterior e aumentos reais de salário com base na produtividade geral da economia foi institucionalizada pelos Tribunais, chegando ao grau máximo de cristalização jurisprudencial quando passaram a incluir precedente normativo fixando o percentual de concessão de aumento a título de produtividade. Embora não vinculassem os Tribunais Regionais, as reiteradas decisões regionais que mencionam o precedente demonstram a força balizadora da jurisprudência do Tribunal de âmbito nacional.

Como a jurisprudência foi construída num período de grande dinamismo econômico (60/80), sua aplicação ao longo dos anos 1980 e parte dos anos 1990 gerou a insólita situação de concessão de aumento de produtividade mesmo em períodos de franca estagnação econômica, sistêmica ou setorial. Desse modo, o já questionável conceito de produtividade, jurisdicionalizado, passou a significar concessão de aumentos reais de salário de modo pré-fixado.

O terceiro período coincide com o fim do ciclo de crescimento econômico e a desarticulação política e ideológica do nacional- desenvolvimentismo. Sua principal característica é a constante alteração do marco regulatório em busca de dois objetivos: combate à inflação crescente desde 1975 e desindexação dos preços econômicos, inclusive dos salários, na tentativa de descontaminar as expectativas futuras dos eventos do passado. A crescente deslegitimação da regulação pública produz resultados institucionais curiosos no interior do Poder Judiciário.

A perda do referencial monetário conduz à utilização de indexadores de salários, com base em 100% do índice inflacionário oficial entre a data-base anterior e aquela que se encontra em litígio. Acresça-se a isso soluções ad hoc para enfrentar a crescente mobilização dos trabalhadores, inclusive com a menção à virtual revogação da lei 3200/64, que regulava o direito de greve ao longo do regime militar.