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1. SISTEMA DE RELAÇÕES DE TRABALHO BRASILEIRO E PODER JUDICIÁRIO

1.4. CAPACIDADE DE ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES

De todo o modo, um elemento que não pode ser

dissociado da análise do sistema de relações do trabalho implementado no Brasil é a baixa capacidade de intervenção dos trabalhadores em temáticas estratégicas, como o uso da força de trabalho, a duração da jornada de trabalho, e a fixação de barreiras de entrada e saída do mercado de trabalho. A assimetria entre capital e trabalho era e é de tal ordem que dificilmente se pode afastar a idéia de um regime despótico8, como regra prevalecente nas relações intramuros, sendo a

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Em feliz expressão, Michael Burawoy (1990: 29-50) segmentou os regimes fabris em três tipos ideais: despótico; hegemônico; e despótico-hegemônico, sem perder a referência histórica de tais configurações. Em síntese grosseira e apertada, a partir do reconhecimento da existência de aparelhos políticos de produção distintos de seu modo de regulação, permite analisar a interação entre Estado, capital e trabalho na fixação do grau de dependência da reprodução do trabalho em relação capital e das estratégias de legitimação dos aparelhos de produção. No regime despótico, a coerção ao trabalho é o fator fundamental de normalização da produção. Nos regimes hegemônicos, a regulação pública conduz o capital a buscar consensos e a persuadir o trabalho a cooperar. Por fim, a tipologia do despotismo-hegemônico reflete a crescente deslegitimação da ação coletiva do trabalho e da regulação pública, para enfrentar a concorrência internacional, com crescente ampliação do poder empresarial.

cooperação para a gestão do processo de trabalho, uma ruidosa exceção verificável apenas nos núcleos dinâmicos.

Freqüentemente, imputa-se à ampla legislação

“protetiva” a baixa mobilização dos sindicatos para a regulação do mercado de trabalho, ante a minudência da legislação (Cardoso, 2000: 503). Não é difícil concordar com esta assertiva, já que a CLT, na sua origem, tinha mais de 900 artigos. Todavia, afora o reconhecimento da assimetria entre empregado e empregador (que personificam na lei o trabalho e o capital) no plano individual; a fixação da responsabilidade jurídica do empregador pela atividade econômica e seus riscos; a regulação da jornada de trabalho; e dos procedimentos e direitos relacionados com a ruptura dos contratos, não é possível creditar à legislação o escasso recurso à contratação coletiva para elevar a qualidade das relações de trabalho e regular o uso do trabalho e mesmo sua remuneração.

Não se pode desprezar regulações para categorias específicas que se constituíram de forma mais robusta que outras, como a notória barreira de entrada no mercado de trabalho da estiva, análoga aos closed shops ingleses. Mas, a par de não ser regra universal, acentua mais o caráter fragmentário da ação do trabalho do que desestimula a negociação, de resto comum entre os portuários. No caso específico, é evidente a correção de assimetria contratual aumentando o poder de barganha do sindicato profissional, o que, aliás, foi um dos motivos da edição da lei de modernização dos portos de 1992, que rompeu o monopólio sindical na arregimentação e contratação do trabalho.

Assim, o efeito da legislação se bifurca: universalidade repressiva no plano do direito sindical e fragmentação de direitos no tocante ao uso e remuneração do trabalho. É evidente que as condições de uso da força de trabalho variam significativamente nos diversos setores da economia, como salienta Dedecca. Porém a transição da sociedade brasileira de seus contornos

agrário e produtor de comodities exportáveis, para uma complexa economia industrial, acrescenta traços peculiares ao sistema de relações de trabalho brasileiro: a suposta rigidez decorrente da regulação pública contrasta com o alto grau de rotatividade da mão-de-obra e com incentivo da regulação estatal em diversos momentos para o incremento do poder empresarial.

A superação do regime de estabilidade decenal, com a criação do regime do FGTS em 1966, e a regulação do trabalho temporário em 1974 (lei 6019/74), no auge do milagre econômico, expõe a peculiaridade do mercado de trabalho brasileiro e do seu sistema de relações de trabalho. Antes do completo amadurecimento do mercado, já houve introdução de regulação pública com amplo poder de impacto na capacidade de articulação das organizações sindicais. Assim, essas duas alterações do marco regulatório interferiram diretamente no poder de dispensa do empregador, aumentando-o consideravelmente, e no poder de dispor do trabalho, já que a lei será utilizada como estratégia para fixar parâmetros jurisdicionais que ampliem as hipóteses de terceirização, dificultando o exercício da representação do trabalho no interior das unidades de produção, com conseqüente ampliação do poder empresarial sobre o processo de trabalho.

A alteração mais recente – a lei que introduziu o contrato de trabalho temporário em atividades específicas via intermediação de mão-de-obra, porque eclodiu quando os arcabouços institucionais do sistema de relações de trabalho estavam mais espraiados, mormente a pulverização do Judiciário Trabalhista pelas unidades da federação, é mais relevante para o presente trabalho, pelo histórico institucional e sindical que a precedeu. Separados por uma ditadura de 21 anos está o “velho” e o “novo” sindicalismo. As mutações ocorridas ao longo das duas últimas décadas e as análises de mais longo prazo sobre o sindicalismo permitem novas abordagens sobre essas adjetivações. E nada parece demonstrar que a distinção seja a “combatividade”.

É que o “novo sindicalismo” é a representação de uma classe trabalhadora urbana de um país industrializado e com o contrato de emprego como eixo central da inserção dos indivíduos, enquanto o “velho sindicalismo” conviveu com o processo de industrialização e urbanização em seus períodos iniciais e na fase mais dinâmica, vivendo mais de perto a transição de uma economia agrária, regionalizada e exportadora, para uma economia industrial, com mercado de trabalho e consumidor de âmbito nacional e, posteriormente, hegemonicamente urbana.