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A INTERAÇÃO ENTRE EFETIVIDADE DA AÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUDICIAL DO MPT E A RESISTÊNCIA DO EMPREGADOR

EVOLUÇÃO DOS DISSÍDIOS COLETIVOS EM TRIBUNAIS SELECIONADOS

ENVOLVIDAS ALICIAMENTO 9

6.5. A INTERAÇÃO ENTRE EFETIVIDADE DA AÇÃO EXTRAJUDICIAL E JUDICIAL DO MPT E A RESISTÊNCIA DO EMPREGADOR

A dificuldade dos Estados nacionais de impor a lei e exercer o monopólio da violência legal é argumento recorrente nas análises sobre os países de industrialização tardia, cuja defasagem no processo de acumulação e concentração de capital e de incorporação e criação de progresso técnico soma- se a sua estrutura social pretérita, embora se reconheça o protagonismo do Estado no próprio processo de modernização pela via da industrialização e urbanização.

Esse desafio ganha novas proporções na América Latina78 e, particularmente no Brasil, onde o prolongamento da crise econômica do final dos anos 70 até o início do século XXI ampliou de forma significativa a mancha de informalidade no mercado de trabalho. Aqui, a intenção deliberada de violar a regulação pública e a impossibilidade de sustentar o empreendimento

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Jaime Marques-Pereira (1998: 337) sintetiza esse paradoxo afirmando que “Por mais que o Estado latino-americano tenha sido o principal ator da transformação social e da diversificação econômica, ele não deixou de ser por outro lado um Estado limitado, incapaz de impor o império da lei de forma efetiva, incapaz na verdade de consolidar sua soberania. A hipertrofia da função pública e a importância das intervenções econômicas do Estado não podem ser negadas mas, de um outro ponto de vista caberia falar de um subdesenvolvimento do Estado diante de sua incapacidade manifesta de cumprir suas funções básicas de guardião da lei, o que a análise do trabalho revela nas suas manifestações mais graves para não dizer chocantes”.

econômico nos moldes da formalidade fundem-se com a naturalização do cálculo econômico, com a inércia interessada do Estado e com a multiplicidade de regulações precarizantes, fundadas em regimes especiais de tributação79.

Além desse aspecto mais estrutural, que coloca o sistema de justiça, incluso o MPT, em potencial colisão com as múltiplas saídas ad hoc para o uso trabalho no Brasil, na tentativa de combater a precarização do trabalho pelo cumprimento das obrigações legais mínimas, o MPT enfrenta desafios para dar efetividade a suas ações extrajudiciais e mesmo às ações judiciais em que obtém êxito, pela complexidade dos fenômenos econômicos.

Se o combate a cooperativas fraudulentas, que passaram a intermediar mão-de-obra no campo, obteve razoável grau de efetividade, principalmente em atividades monocultoras e setores industriais com razoável grau de oligopolização a elas articuladas, enfrentar a precarização em setores mais atomizados da economia ou sujeitos a acirrada concorrência internacional, como a indústria de calçados, ou comércio e serviços, mostra-se tarefa mais complexa.

O nível de precarização em determinados setores que são intensivos em mão-de-obra e têm mercados atomizados – e, por conseqüência, cuja força de trabalho representa valor mais significativo nos seus custos – é tão elevado que a determinação do cumprimento de direitos mínimos por um empregador isolado tem como único efeito dificultar sua permanência no mercado80. Assim, as empresas passam a ter na legislação do trabalho uma

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Acrescenta Pereira que (Obra citada: 338) “ a informalidade já não pode ser considerada apenas como simples conseqüência de uma dinâmica econômica responsável por uma oferta insuficiente de trabalho, mas também como resultado do uso discricionário do direito pelos agentes econômicos sobre o qual o Estado fecha os olhos. Nesses termos, a questão econômica que levanta a informalidade não é mais a de saber como se articulam os setores formal e informal, mas a de entender o funcionamento de um sistema de emprego articulando comportamentos econômicos que se inscrevem na legalidade a outros que a contornam, na maioria dos casos de modo legítimo”.

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Em alentado estudo sobre as micro e pequenas empresas, o CESIT da Unicamp sintetiza as condições de concorrência em mercados atomizados, pontificando que “Na realidade, as MPE, por

barreira de entrada ao inverso: o cumprimento da lei, voluntariamente ou por imposição judicial, impõe ao capitalista uma desvantagem comparativa em relação aos seus concorrentes diretos.

Isso decorre, em parte, da forma de atuação do MPT, que se baseia em denúncias sobre pessoas jurídicas certas e determinadas, inexistindo a cultura de investigação de setores econômicos inteiros, ou mesmo da cadeia produtiva que se encontra por trás das grandes corporações, ou ainda da inclusão dos sindicatos de empresas no pólo passivo dos inquéritos e ações81.

É evidente que a simples judicialização de conflitos, e mesmo a sua coletivização, é incapaz de induzir o mercado de trabalho à formalização do emprego, que de um modo ou de outro continua a ser a forma hegemônica de utilização e mercantilização do trabalho – e nem poderia ser diferente numa economia capitalista. Não se pretende que o sistema de justiça seja a resposta aos desajustes macroeconômicos da economia brasileira como a apreciação cambial, ou sua forma de inserção no capitalismo global, aspectos de influência mais determinante sobre a dinâmica do mercado de trabalho.

estarem atuando em mercados extremamente competitivos, sem condições de determinar seus preços e obrigadas a aceitar os choques de custos repassados por fornecedores e credores (são tomadoras de preços), recorrem a estratégias de sobrevivência perversas, configurando um processo conhecido na economia como de seleção adversa. Pressionadas pela concorrência interna a seus mercados e sujeitas a fornecedores oligopólicos, a estratégia premiada com a sobrevida funda-se, em grande medida, no descumprimento das obrigações tributárias e trabalhistas, na desobediência às normas legais e de vigilância sanitária, na subdeclaração e na informalidade. Com poucas condições de construir vantagens competitivas virtuosas (diferenciação do produto, incrementos tecnológicos, ganhos de escala, etc), resta-lhes uma competição fratricida em que as piores condutas acabam por vencer, e o sucesso, muitas vezes, passa a depender da disposição de operar à margem dos marcos institucionais. Como contra-face desse padrão competitivo, decorre um processo de precarização das condições de trabalho nas MPE, com elevado descumprimento de direitos trabalhistas e sociais a comprometer a melhoria das condições de vida de parcela expressiva da população. Não por acaso, os dados da PNAD de 2001 indicam que apenas 44% dos trabalhadores em empresas com até 10 empregados têm suas carteiras assinadas.” Ver Problemas Trabalhistas Nas Micro e Pequenas Empresas: Diagnóstico e Sugestões para Implementação de Medidas Corretivas,Campinas, 2003, versão digitalizada do relatório apresentado ao SEBRAE.

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Um caso relevante ocorreu com uma indústria do setor calçadista na cidade de Franca-SP, que foi obrigada a cumprir uma série de dispositivos mínimos de proteção ao trabalho, desde a anotação da CTPS à entrega de EPIs, através de ação civil pública que tramitou em todas as instâncias da Justiça do Trabalho, tendo o próprio MPT constatado a situação assimétrica em que a empresa foi colocada, em relação a suas concorrentes.

Contudo, a efetividade das suas ações sofre severas restrições por força da interpretação que as instituições que compõem o sistema de justiça, e o MPT em especial, fazem das múltiplas representações e denúncias que recebem. Tratam-nas como lesões a patrimônios jurídicos determinados – que é efetivamente como se enquadram o problema do ponto de vista jurídico –, sem formar elos e encadeamentos relativos ao comportamento do capital e do trabalho em setores específicos da economia nacional e regional, não obstante a profusão de dados estatísticos e indicadores sócio-econômicos produzidos.

Além dos problemas enfrentados nos setores mais atomizados, a crescente externalização de atividades pelas grandes corporações que atuam em setores oligopolizados altera a percepção do sistema de justiça sobre as causas da precarização e sobre a qualidade das próprias relações de trabalho mantidas no interior da grande empresa. No limite, sempre que a parcialização do processo de trabalho e sua exteriorização não interferem na capacidade da empresa em defender sua posição de mercado, ela irá praticar outsourcing, que em sua forma extremada implica transferência de atividades para além das fronteiras do Estado nacional.

Por último, mas não menos importante, essa forma de atuação do MPT dificulta a efetividade das próprias conciliações celebradas, nos Termos de Ajustamento de Conduta e da prestação jurisdicional, e o estímulo à “ressolidarização” do mercado de trabalho, pois, em ambiente de acirrada concorrência entre as empresas, a combinação de informalidade da força de trabalho e baixo crescimento econômico, torna o cumprimento dos TACs e das ordens judiciais uma “desvantagem comparativa” para a empresa envolvida, alimentando a resistência ao poder do Estado de arbitrar conflitos.