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O DESTINO COMUM COMO ELEMENTO DE COESÃO X PULVERIZAÇÃO DOS SINDICATOS PELA COMPETIÇÃO ORGANIZADA NO MESMO AMBIENTE

PROCESSOS ACUMULADOS NAS DIVERSAS ESFERAS JUDICIÁRIAS

1.6. O DESTINO COMUM COMO ELEMENTO DE COESÃO X PULVERIZAÇÃO DOS SINDICATOS PELA COMPETIÇÃO ORGANIZADA NO MESMO AMBIENTE

REGULATÓRIO

A estratégia de industrialização brasileira levada a cabo desde os anos 1930 até a eclosão da crise da dívida externa que se explicita agudamente no início dos anos 1980 tem continuidades e descontinuidades institucionais. Esses movimentos podem ser cotejados na regulação pública do mercado de trabalho e na peculiar interação do sistema de relações de trabalho com duas faces do Estado: o Poder Executivo e o Poder Judiciário.

O tratamento monolítico dado a questões como negociação coletiva, liberdade sindical x interferência do estado e incentivo à colaboração de estado, secunda a interação entre a sociedade e as instituições criadas pelo Estado, particularmente no âmbito das relações de trabalho.

Explorar a performance, as interações entre esses mecanismos e traçar distinções sobre a presença dos poderes Executivo e Judiciário no sistema de relações de trabalho brasileiro é um dos objetivos desse trabalho, já que há escopos e premissas distintas nas suas ações, além de certa fragmentação no tocante à ação do Judiciário.

A partir da 3ª década do século XX, os mecanismos de intervenção direta no sindicalismo ficavam a cargo do Executivo e do Poder Judiciário Estadual, a interferência na execução do contrato de trabalho era (é) atribuição do Judiciário trabalhista. Pôr em perspectiva histórica essa interação é outro dos dos objetivos deste trabalho. Outra vertente é realçar que a regulação estabelecida representa um compromisso com a fixação de uma cesta de direitos mínimos, comuns ao processo de urbanização e industrialização do país. Esse era o amálgama do Estado Nacional e do compromisso entre as classes sociais ao longo do processo de modernização da sociedade brasileira, como síntese dos incentivos do corporativismo includente.10

A crise econômica irrompida com a crise da dívida externa e a nova feição produtiva e social do país, com o acirramento da sociabilidade competitiva, inclusive entre sindicatos, compromete a idéia de destino comum e os mecanismos de solidariedade intraclasses. A sociedade urbana e marcada por uma sociabilidade de padrões ocidentais assistiu à emergência dos trabalhadores representados pelo “novo sindicalismo”, mas também à emergência de elementos que potencialmente trincam a organização coletiva do trabalho.

Alguns indicativos dessa tendência se manifestam ao longo das discussões da reforma da previdência, já nos anos 1990, quando ganha relevo o seccionamento de interesses entre trabalhadores nas empresas privadas,

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A existência de incentivos e constrangimentos é uma característica do corporativismo apontada por Araújo e Tápia (1991: 1-30).

trabalhadores do serviço público e os empregados de empresas públicas, cada um com seus regimes previdenciários próprios11. Para não mencionar a larga parcela da população imersa em relações de trabalho informais e precárias. É essa nova forma de sociabilidade que permeia as relações de trabalho e o próprio sistema de relações de trabalho nacional.

Uma boa análise sobre a formação do destino comum como elemento de coesão nacional está em Biavaschi (2005: 109/127), onde a autora disseca a formação dos atores sociais da modernização do país e, sobretudo, os sujeitos de direito da relação capital e trabalho na superação do liberalismo econômico. Ressalta, ainda, o protagonismo do Estado na articulação dos interesses econômicos, políticos e sociais, num momento de grave crise de hegemonia no plano externo e, principalmente, no plano interno, permitindo a implementação de um amplo programa de modernização sócio-econômica e institucional no país, em condições bem distintas do regime de competição fundado no constante tensionamento do Estado e das regulações por ele editadas.

É elucidativa a transcrição de Biavaschi aqui reproduzida:

Getúlio tinha presente essa realidade (a crise da economia agrário-exportadora). Seu projeto era claro: industrializar o país e transformá-lo numa nação moderna, com as massas proletárias integradas e protegidas por meio de normas sociais eficazes358. Os homens que o assessoravam, sobretudo no campo do trabalho, comungavam dessa mesma preocupação e apostavam na intervenção do Estado nas relações sociais. Ademais, Getúlio Vargas era positivista e, nesse sentido, um antiliberal

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. Os atores, cujos interesses precisavam ser compostos, estavam definidos: de um lado, os empresários da indústria, com ênfase ao processo de industrialização; de outro, a massa operária precariamente organizada e destituída de um estatuto jurídico trabalhista

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Contemporaneamente, percebe-se certa fricção entre compromissos intergeracionais até numa mesma categoria profissional. Um exemplo é a discussão entre os aposentados do Banespa, regidos pelo regulamento do banco estatal, e os atuais empregados da mesma instituição após a sua privatização. O contínuo uso de esquemas remuneratórios não compartilháveis com os aposentados e inseridos em convenção coletiva, conduz ao literal congelamento de salários dos aposentados, que atualmente lutam na justiça para ver estabelecida alguma forma de reposição do poder de compra das suas pensões.

integrador. As esparsas normas de proteção ao trabalho habitavam os campos do Direito Civil e Comercial e não dariam conta das demandas que decorreriam do processo de industrialização que se iniciava. Nesse sentido, colocava-se como precondição à implementação das transformações propostas uma regulação que assegurasse aos trabalhadores urbanos uma inserção econômica e social adequada, que não dissociasse as ordens econômica, política e jurídica.

Para tanto, era necessário inverter a equação histórica e retirar a sociedade brasileira de sua característica agrária para transformá-la em uma nação moderna. O que se está a olhar, em última instância, é um processo que não se inicia com Getúlio Vargas no marco zero, mas que marca, como antes sublinhado, nova fase do período de transição do capitalismo: a da industrialização restringida, que, segundo periodização que se encontra em Cardoso de Mello

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, estende-se de 1933 a 1955.

Ao reverso dos sindicatos livres do período posterior a 1930 e da ampla mobilização sindical do final dos 1970 e de toda a década de 1980, fundadas em compreensões contestatórias, negadoras e superadoras da regulação estatal, as movimentações contemporâneas dos sindicatos (principalmente de trabalhadores) em torno da regulação sindical revela objetivos mais modestos. Menos do que contestatório ou articulado em torno de grandes projetos políticos nacionais ou universais, a ação sindical pauta-se pelo uso pragmático da regulação pública brasileira.

O regime de competição instaurado entre os sindicatos, via de regra através das centrais sindicais, explorando as próprias regras estatuídas, expõe o caráter particularista desses movimentos, em oposição ao sistema do período getulista: calcado na preservação e promoção dos interesses particulares a partir da sua ressonância e articulação com os interesses da comunidade nacional. Noutras palavras, as centrais sindicais e os sindicatos valem-se da lei nacional como instrumento de criação de identidades e ações particularistas. Por isso mesmo, o conteúdo dela é motivo de contestação. Esses movimentos assumem caráter ativo e, noutras vezes, reativo, a depender da posição em que se encontre cada uma das centrais sindicais e mesmo de suas tendências internas