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DEMANDA JUDICIAL PROCESSOS RECEBIDOS E JULGADOS 1990/

VARAS DO TRABALHO

4.3. A AUSÊNCIA DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DE SUJEITOS COLETIVOS

O sistema de relações de trabalho engendrado no Brasil tem seu marco regulatório fixado nos anos 30 e 40, e a judicialização dos conflitos entre capital e trabalho é um de seus traços característicos. Embora, de certo modo, e no plano estritamente jurídico, a CLT tenha sido inovadora ao coletivizar conflitos de interesse entre o capital e o trabalho, somente nos anos 80 o arcabouço legal será direcionado para a criação de mecanismos de atuação coletiva envolvendo os sindicatos e o Ministério Público para além das temáticas relacionadas com a negociação coletiva e a paralisação das atividades empresariais.

Nem mesmo o Poder Normativo conferido à Justiça do Trabalho investiu na criação de instrumentos de coletivização do conflito capital e trabalho. A aparente discricionariedade do Poder Normativo sofreu, desde a sua implementação, três níveis de limitações ao seu exercício:

1) A autolimitação, que se traduzia no termo polissêmico do art. 766 da CLT (assegurar a justa remuneração ao trabalho e justa retribuição aos empregadores), forma politicamente rebuscada de mencionar a busca do equilíbrio econômico financeiro dos contratos e a continuidade da atividade econômica;

2) A limitação jurisprudencial, imposta pelo Supremo Tribunal Federal ao interpretar as Constituições democráticas 1946 e 1988, e os simulacros de 1967 e 1969, limitavam e limitam o uso do Poder Normativo às lacunas deixadas pelo Poder Legislativo, sem intromissão na esfera de ação exclusiva do outro Poder, dando contornos jurisprudenciais à separação de poderes e à reserva legal, cânones das democracias liberais e burguesas;

3) Por fim, a partir de 1965, as limitações impostas pela nova regulação para a fixação de salários e a fixação de zonas de imunidade judicial criadas pelo regime de exceção que se instaurou no poder a partir de 1964, emanadas do Poder Executivo. O reconhecimento dessa possibilidade no início do regime de exceção, até como decorrência da jurisprudência do STF, marca a constante relação e influência das políticas econômicas, formuladas e executadas desde 1964 até os dias contemporâneos, sobre o Poder Normativo, principalmente na fixação dos níveis salariais.

As análises das decisões e dos Prejulgados da Justiça do Trabalho (incidentes de uniformização da jurisprudência com alto grau de abstração e efeito vinculante que vigoraram de 1943 a 1982) permite uma constatação: mesmo nas lacunas e brechas deixadas pelo Poder Legislativo, o Poder Normativo não implementou regras e procedimentos de incentivo à negociação coletiva com a correção de assimetrias entre capital e trabalho.

As decisões e os procedimentos de uniformização de jurisprudência das quatro Cortes Regionais e do TST não contemplam, por exemplo, concessões de estabilidades provisórias durante o processo negocial35; ou previsões de multas para a recusa à negociação, embora existam casos de concessão de proibição de dispensa por lapsos de 180 dias, ou mesmo até a data- base subseqüente, quando ocorrem traumáticos processos de paralisação do trabalho e aparente recusa empresarial em negociar com o trabalho.

Mas nem os extintos prejulgados, nem os atuais Precedentes Normativos do TST e dos Tribunais Regionais do Trabalho, contêm regra explícita contendo tal possibilidade, o que a coloca sob a margem de discricionariedade remanescente típica do Poder Normativo.

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O Tribunal Regional do Trabalho da Bahia tem um Precedente Normativo mais próximo desse efeito, pois assegura os salários do período entre o julgamento do dissídio e a publicação da decisão aos trabalhadores que são dispensados injustamente nesse intercurso (Precedente no. 20, que é reprodução de um Precedente do TST).

Nessa margem de discricionariedade, uma série de direitos individuais foi, paulatinamente, ingressando nos extintos Prejulgados e nos atuais Precedentes Normativos, como a licença-maternidade, o incremento do adicional de horas extras para inibir o uso do trabalho extraordinário e a majoração do adicional noturno.

Essas postulações foram formuladas em negociações coletivas de categorias profissionais relacionadas com os núcleos mais dinâmicos das economias regional e nacional. Muitas foram insertas em convenções e acordos coletivos de setores como petróleo, energia, metalurgia, siderúrgica, finanças e nas empresas estatais, como regra.

O revés nas negociações coletivas, que permitia a intervenção dos Tribunais do Trabalho, levou à construção dessa jurisprudência, que passava a balizar os marcos iniciais das futuras negociações coletivas, tanto nos setores mais organizados do trabalho, como naqueles mais fragmentados.

Isso permite suscitar a hipótese de que o Poder Normativo atuava e, ainda que em menor intensidade, atua como mecanismo de transmissão de direitos individuais das categorias mais fortes para as mais frágeis, interferindo até na incorporação legislativa de tais direitos, já que a legislação, embora não seja o único, é o mecanismo mais eficiente de espraiar direitos e deveres nos Estados modernos. Em certo grau, o Poder Normativo relativiza os efeitos da fragmentação da organização sindical brasileira, ao executar esse mecanismo de transmissão de direitos que, em outros sistemas de relações de trabalho, são objeto de negociações entre capital e trabalho.

Esse elo de comunicação entre os setores organizados do trabalho e do sindicalismo – com clara correspondência com os setores hegemônicos e dinâmicos da economia nacional – com os setores menos

organizados e articulados do trabalho, embora reforce a importância dos Tribunais do Trabalho, tem duplo inconveniente: o lapso de tempo entre a reivindicação de tais direitos e sua incorporação na jurisprudência dominante e a reiteração do efeito judicialização dos conflitos de classe, via espraiamento de direitos individuais. Já que os direitos assegurados nas sentenças emanadas dos Tribunais do Trabalho encontrarão o mesmo nível de resistência patronal ao cumprimento das leis e das normas contidas em contratos coletivos, emula ao menos a quantidade de postulações dos trabalhadores em sede de dissídios individuais.