• Nenhum resultado encontrado

DESJURISDICIONALIZAÇÃO E INDIVIDUALIZAÇÃO DOS CONFLITOS COLETIVOS? O SISTEMA DE JUSTIÇA DO TRABALHO E SUAS INTERAÇÕES

DEMANDA JUDICIAL PROCESSOS RECEBIDOS E JULGADOS 1990/

VARAS DO TRABALHO

5. O JUDICIÁRIO TRABALHISTA E A POLÍTICA ECONÔMICA

5.3. DESJURISDICIONALIZAÇÃO E INDIVIDUALIZAÇÃO DOS CONFLITOS COLETIVOS? O SISTEMA DE JUSTIÇA DO TRABALHO E SUAS INTERAÇÕES

COM O NEOCONTRATUALISMO E NEO-INSTITUCIONALISMO

A relevante institucionalização das organizações sindicais nos anos 80, a reconstitucionalização do país e as eleições diretas de 198954, precederam e condicionaram a retomada da ação do Estado em administrar o conflito capital e trabalho. A eleição de Fernando Collor marca o início da inflexão conservadora na compreensão das relações sociedade, Estado e mercado, inserção nacional na economia global, modernização econômica e sistema de relações do trabalho.

À míngua de maioria congressual e de um mínimo de consenso sobre a agenda de reformas encampadas pelo Executivo, ao menos no nível do sistema de relações do trabalho, os reflexos ideológicos dos eventos históricos do final da década se espraiaram por todas as instituições públicas e

54

Simbolicamente acompanhada da queda do muro de Berlim e da derrocada do socialismo existente no Leste Europeu.

privadas. A interação entre o Judiciário e o sistema de relações de trabalho não passou incólume.

O diagnóstico acerca da litigiosidade judicial crescente, tanto no plano coletivo como no plano individual, é cirúrgico: excesso de intervenção estatal e mitificação da desorganização coletiva do trabalho, supostamente comprovada pelas múltiplas paralisações do trabalho no curso da década de 80 que comprovariam a capacidade de articulação do trabalho, faltando apenas estímulos à negociação coletiva. Mas, se não houve alteração significativa da regulação pública do trabalho, onde se operou o avanço do neocontratualismo no início dos anos 1990?

Uma multiplicidade de eventos e fatores vai interferir na ampliação da flexibilidade do sistema de relações de trabalho. É evidente que os desajustes macro e microeconômicos proporcionados pela longa superinflação, pelo esforço exportador para sustentar os serviços da dívida externa e o conseqüente uso seletivo das divisas excedentes nas importações de bens e serviços ao longo dos anos 80, juntam-se aos avanços sociais e institucionais da nova Constituição para formar os ingredientes que saltarão da caixa de pandora do avanço neoliberal.

Por último, mas não menos importante, a unilateral e abrupta abertura comercial no bojo do choque de oferta interno provocado pelo Plano Collor, amalgama os interesses da ofensiva neocontratual: abrupta exposição à concorrência externa e recessão econômica provocada pelo severo ajuste monetário e fiscal deflagrado faz voltarem-se as baterias da restruturação produtiva das empresas para a via de menor resistência – o sistema de relações do trabalho.

Parte das regras e táticas de flexibilização dos contratos é implementada unilateralmente pelas empresas. Aproveitando a longa trajetória

de não corrigir a assimetria entre capital e trabalho do modelo de relações do trabalho brasileiro e a gama de legislações produzidas ao longo da ditadura militar, as empresas encontraram vasto repertório legal para implementar modelos flexíveis de uso do trabalho e de estímulo e fragmentação da força de trabalho, rompendo a tênue relação institucional entre os white and blue collars nacionais.

Nessa esteira, é possível relacionar o incentivo a remuneração individualizada, a ampliação do pagamento de parcelas não salariais, a externalização de produção e serviços, inclusive com incentivos à autonomização do trabalho para gozar de isenções tributárias e de incentivos fiscais concedidos às áreas de serviços ou às pequenas e micro empresas.

Na ofensiva, o Judiciário torna-se um palco fértil para a exploração de uma das possibilidades de flexibilização da regulação do trabalho: a flexibilização jurisprudencial55. A histórica dissensão entre contratualismo e institucionalismo, faz com que a regulação pública do mercado de trabalho contenha termos polissêmicos ou dispositivos contraditórios, permitindo, no Judiciário, inflexões interpretativas que atendam à correlação de forças entre as correntes jurisprudenciais.

A crise da versão brasileira da sociedade salarial incorporou um considerável movimento de flexibilização jurisprudencial, para ampliar o uso de contratos de trabalho atípicos e triangulares, com a revisão da súmula 256 do TST e sua substituição pela súmula 331. Assim, o longo processo de ampliação da aplicação das leis 6.019/74 e 7.102/83 que disciplina a contratação de trabalhadores temporários em apenas duas hipóteses e a contratação de vigilância privada, a despeito da disputa interna no Judiciário, culmina na adoção de regra jurisprudencial de flexibilidade, com larga repercussão no funcionamento do mercado de trabalho e no sistema de relações de trabalho.

55

A flexibilização jurisprudencial é um fenômeno brasileiro. Embora a jurisprudência formalmente não tenha caráter impositivo, o protagonismo judicial brasileiro torna-a um instrumento relevante na regulação do trabalho. A este respeito ver Uriarte, 2002: 45-47.

Essas repercussões vão do aumento da hipótese de rotatividade da mão-de-obra, sem os ônus monetizados pela legislação em relação aos Contratos de Duração Indeterminada, CDI; redução da influência do sindicato profissional, pela alteração da representação dos trabalhadores terceirizados; corrosão da capacidade econômico-financeira do sindicato dos trabalhadores pela virtual redução de sua base de representação; até a diminuição de resistência dos empregados remanescentes às novas alterações do regime de trabalho implementado pela empresa.

Uma outra esfera de alteração é o da própria conceituação de salário, ampliando o uso de salário-condição e relativizando o conceito de estabilidade econômica consagrado em diversas súmulas criadas a partir de 1978 56. Não menos importante foi a flexibilização das alterações promovidas pelo empregador, reduzindo prazo para a alegação da nulidade da alteração, quando o direito lesado estivesse apenas assegurado pelo contrato individual ou coletivo57.

Também o próprio acesso à Justiça sofreu severa restrição, tanto pela restrição imposta aos sindicatos para substituir seus associados, através da edição da súmula 310, como pela adoção de Instrução Normativa 04/93 que estabelecia regras para o ajuizamento de dissídio coletivo.

Como o procedimento judicial dos dissídios coletivos contempla grande margem de maleabilidade pelos Tribunais Regionais do Trabalho para conciliar ou julgar o conflito de interesses entre capital e trabalho, o estabelecimento de regras de procedimento rígidas pelo TST induziu à supressão das situações específicas enfrentadas pelo trabalho, pelo capital e pelo próprio

56

Como a súmula 76, que indicava a incorporação definitiva das horas extras ao salário e que foi substituída pela súmula 291 do TST em 1989, permitindo a supressão de horas extras, mediante o pagamento de uma indenização cuja fórmula foi criada pelo próprio Tribunal!

57

Estado para a administração dos conflitos de âmbito local e regional, pelo simples recurso à fórmula procedimental criada no TST.

O gráfico abaixo demonstra a redução dos dissídios coletivos a partir do 2º. qüinqüênio dos anos 90. É evidente que isso não se relaciona apenas com a restrição do acesso à Justiça, pois, a partir da edição do Plano Real, debelado o processo de hiperinflação e restabelecido algum nível de legitimidade ao padrão monetário brasileiro, a principal incerteza sobre o regime dos contratos de trabalho desaparece do cenário, reduzindo o efeito emulador à ação coletiva.

A considerável elevação do número de dissídios coletivos apreciados pelo TST58 no qüinqüênio 91/95 permite suscitar a hipótese de que, através da instrução normativa, o TST deliberou mais vezes sobre recursos ordinários interpostos contra as decisões dos Tribunais Regionais, substituindo decisões de mérito, por decisões formais sobre o atendimento da sua própria Instrução extinguindo-os sem apreciar a controvérsia de fundo.

58

Como o TST julga originariamente dissídios coletivos de âmbito nacional, a estatística de julgamento envolve também os julgamentos dos recursos interpostos contra as decisões dos Tribunais Regionais.