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A atuação internacional de unidades subnacionais

Da perspectiva do campo de Relações Internacionais, são os Estados os atores responsáveis por decidir e conduzir as relações com entes estrangeiros. Em algumas teorias do campo, a atuação internacional de outros agentes – como a sociedade civil, Organizações Não- Governamentais, entre outros - é reconhecida, porém sua importância subjaze aos grandes poderes do aparelho estatal. E os Estados tendem a zelar por esse controle (RODRIGUES, 2008), resguardando, muitas vezes, exclusividade na definição da Política Externa e na condução das Relações Internacionais.

Nas últimas décadas, o fenômeno da atuação internacional de entes não federais ganhou maior atenção devido à crescente atuação de governos e outras instituições regionais no plano internacional (KEATING, 2000)56. Um dos principais motivos para esse crescimento é o progresso da interdependência global tanto na esfera econômica quanto tecnológica (REQUEJO, 2010; FRY, 1993) que acabou por diluir a fronteira entre assuntos federais e estatais ou regionais e transformou a divisão de responsabilidades entre o Estado e outros entes políticos e econômicos nacionais (KEATING, 2000), ressaltando a importância de temas cujo interesse dos entes não federais é direto.

A paradiplomacia – termo utilizado por alguns teóricos da área – consiste na "atividade internacional direta de atores subnacionais (unidades federativas, regiões, comunidades urbanas, cidades), apoiando, complementando, corrigindo, duplicando ou desafiando a diplomacia do Estado-Nação" (SOLDATOS, 1993, p. 46, tradução nossa).As relações destes atores podem ser tanto formais e permanentes, quanto informais e ad hoc. Diversas são as motivações para essa atuação: econômicas – a busca por investimentos, tecnologia externa,

56Requejo (2009) nota que o fenômeno da atuação internacional de entes subnacionais não é um fenômeno novo. Segundo o autor, estudos comprovam que essa atuação já era intensa desde os meados do século XX. Há cerca de três décadas, no entanto, ocorreu a intensificação deste fenômeno devido à democratização e federalização cada vez maior dos Estados atuais somadas ao desenvolvimento econômico e à expansão dos mercados.

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oportunidades de exportação e turismo; culturais –promoção de um dialeto, preservação de patrimônio tangível, estabelecimento de relações e trocas com outras comunidades para promover ciência, educação; políticas – busca por apoio internacional para defesa de certas posições políticas contrárias as do Estado-Nação ou garantir que certas resoluções internacionais benéficas sejam cumpridas (REQUEJO, 2010; KEATING, 2000).

No âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA), a legitimidade do poder local em questões internacionais é reconhecida e valorizada: a Agenda 21 (1992), a Agenda Habitat (1996) e o painel da ONU sobre sociedade civil sugerem que os entes subnacionais participem da estrutura destas organizações (RODRIGUES, 2008).O grau de autonomia e controle concedido pelos governos centrais a entes regionais varia abruptamente de país para país. O contexto de integração permitido pela União Europeia incentivou os países do continente a expressar, por meios jurídicos, a liberdade de representação não Estatal em Bruxelas (KEATING, 2000). Nos Estados Unidos, a atuação dos governadores de Estado com entes estrangeiros em temas como comércio e defesa é bastante conhecida (MCMILLAN, 2008). Essas relações paradiplomáticas não se restringem ao campo do comércio, mas abrangem também relações políticas, de fronteira, culturais, sobre o meio ambiente e também relações em C&T.

A atuação internacional de unidades subnacionais gera, no caso brasileiro, debates no âmbito do Direito Internacional Público e do Direito Constitucional. No primeiro caso, segundo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, está vedado a qualquer outro ente além do Estado Nacional e de organizações internacionais celebrar tratados internacionais. Somente o Direito Interno pode conceder essa autorização aos estados federados por vias constitucionais (MELLO, 2000). Essa discussão abre espaço para o debate no terreno do Direito Constitucional. No Brasil, a União é a responsável por manter relações com entes internacionais, participar de organizações internacionais e celebrar tratados. Os estados federados possuem autonomia político-administrativa limitada pela Constituição, ou seja, aos estados cabem todas as competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição.

Para alguns juristas brasileiros, é justamente esta definição, que consta no Artigo 25, parágrafo 1º da Constituição brasileira de 1988, que representa o principal argumento da permissibilidade de atuação internacional de unidades subnacionais: não há dispositivo que

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vete esta atuação que deve estar dentro da esfera da respectiva competência e limitada constitucionalmente a questões que não lhe são vedadas (BRASIL, 2005). Durante a redemocratização do país alguns governos estaduais iniciaram suas atividades no exterior, no entanto, foi a década de 1990 que viu a verdadeira expansão desta atuação, em especial, porque a nova Constituição de 1988 continuava a concentrar nas mãos do Itamaraty as decisões a respeito da Política Externa do Brasil.

Os entes subnacionais brasileiros têm usufruído amplamente deste vácuo de legislação. Alguns exemplos são57 o escritório do estado de Pernambuco em Lisboa, a representação da província argentina de Entre Rios em Porto Alegre, as diversas viagens para o exterior do governador de Santa Catarina entre 2000 e 2001 e a iniciativa entre províncias argentinas e brasileiras chamada Codesul/Crecenea-Litoral (PRAZERES, 2004). No âmbito do MERCOSUL, em 2007, foi organizado o Foro Consultivo de Municípios, Estados, Províncias e Departamentos do MERCOSUL cujo objetivo era conceder espaço a estes entes para formular e opinar a respeito da política de integração (RODRIGUES, 2008).

Os entes subnacionais, no entanto, não podem celebrar tratados internacionais, sendo suas atividades no exterior definidas como atos internacionais, ou seja, compromissos políticos ou acordos informais (LESSA, 2002). O Itamaraty é partidário desta visão.

Em termos políticos, há uma grande preocupação do Itamaraty em monitorar as atividades internacionais subnacionais, evidenciada pela criação de escritórios regionais de representação em diversos estados e pelo fortalecimento da Assessoria de Relações Federativas, criada em 1997 e renomeada de Assessoria Especial de Assuntos Federativos e Parlamentares (AFEPA) em 2003 (PEREIRA, 2004). Um dos principais motivos da criação destes órgãos é a captação dos "interesses das unidades da federação na formulação da política externa" (PRAZERES, 2004, p. 300), embora a própria reativação da Assessoria revele o reconhecimento, por parte do Governo Federal, da legitimidade de atuação internacional destes entes (RODRIGUES, 2008). O Estado Nacional pode também ter interesse neste monitoramento, pois os entes subnacionais podem reforçar ou apoiar posicionamentos do país no exterior, reforçando a política nacional (NUNES, 2005).Em entrevista concedida a Pereira

57 O governador do estado do Rio de Janeiro entre 1983 e 1986, Leonel Brizola, foi o representante que de forma pioneira criou a primeira assessoria estadual de relações internacionais (RODRIGUES, 2008).

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(2004), um funcionário do Escritório de Representação do Itamaraty em São Paulo declarou que o Itamaraty preocupa-se com a possibilidade de que a nova realidade de relações com o estrangeiro e de captação de recursos por órgãos locais possa descaracterizar a Política Externa Brasileira conduzida pelo governo central e de competência única e exclusiva deste (PEREIRA, 2005, p. 150).

No âmbito da C&T, "é crescente a quantidade de convênios de cooperação técnica entre municípios e estados federados brasileiros e contrapartes estatais estrangeiras para implementar políticas públicas de proteção ambiental" (RODRIGUES, 2008, p. 1020). Em sua dissertação, Nunes (2005) investigou as principais atividades de oito estados brasileiros e concluiu que eles buscam constantemente atuação internacional para o estabelecimento de cooperação técnica e de relações com órgãos internacionais de financiamento e cooperação para, principalmente, obtenção de recursos para financiar projetos estaduais. Os governos de São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal possuem secretarias estaduais dedicadas ao tema da C&T que empreendem atividades internacionais com o objetivo de fomentar a cooperação científica e as parcerias entre instituições e empresas brasileiras e estrangeiras.

Dito isto, observa-se que é cada vez maior o interesse de unidades subnacionais na atuação internacional em temas relacionados à C&T. Este fenômeno tem suas raízes também na ascensão da qualidade da ciência brasileira e em sua internacionalização, muito estimulada na última década. É neste contexto que surge o interesse em investigar a atuação internacional da FAPESP, a principal agência estadual de fomento à C&T no Brasil, uma instituição subnacional autárquica do estado de São Paulo e uma das instituições mais reconhecidas nacional e internacionalmente por suas atividades internacionais. É objetivo deste trabalho não só compreender a atuação internacional da instituição, mas relacioná-la às características da instituição– como sua autonomia financeira, por exemplo – e explorar seu relacionamento tanto com o governo estadual quanto com o federal.

No que tange ao debate a respeito da atuação internacional da FAPESP da perspectiva legal, há pouco o que se acrescentar ao que já foi apresentado. Como parte representativa de uma unidade subnacional do Estado Brasileiro, a FAPESP fica autorizada a atuar naqueles âmbitos nos quais não está vedado atuar. Apesar disso, a FAPESP conserva uma grande

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autonomia em relação ao Governo Federal. Sua história confirma esta afirmação: mesmos nos anos de ditadura, a FAPESP resistiu às "intimidações recebidas, a acusações de estar apoiando 'comunistas', a pressões de cortar bolsas ou oferecer endereços de bolsistas de 'esquerda'." (FAPESP, 1999, p. 141). O princípio de apoiar a pesquisa e o pesquisador sem qualquer interesse por posição política, religiosa, entre outras, prevalecia. "Assim, a FAPESP permaneceu independente diante das tentativas de interferência de qualquer natureza, seja por parte do governo federal, seja do estadual." (FAPESP, 1999, p. 141).

A autonomia financeira e política se mantiveram no século XXI, ou seja, nenhuma instância federal, nem mesmo o Itamaraty, interfere na atuação da FAPESP. De qualquer forma, a fundação paulista tem um cuidado especial com burocracias federais relacionadas a pagamentos no exterior, vistos para estrangeiros e outros assuntos de competência de órgãos federais.

Em suma, a FAPESP utiliza os recursos públicos que recebe do estado de São Paulo da forma mais eficiente que encontra para cumprir a missão que lhe foi destinada: estimular o desenvolvimento científico e tecnológico no estado e divulgar a C&T lá produzidas. A atuação internacional foi um envolvimento necessário para completar mais uma etapa em direção à efetivação de sua missão institucional. A dinâmica da C&T atuais demanda a constante troca entre comunidades científicas e o progresso técnico compartilhado.

A revisão dos conceitos fundamentais que se procurou fazer neste primeiro capítulo consistiu em uma introdução ao foco principal do trabalho, a FAPESP. Os temas tratados contribuíram primeiramente ao entendimento do que a cooperação internacional representa hoje e por que a elegem como modo de trabalho em pesquisas científicas. Em segundo lugar, a revisão possibilitou a observância de importantes custos e assimetrias que não podem ser ignorados, devido ao fato de condicionarem comportamentos de atores que lidam com atividades colaborativas. Além disso, o entendimento de como as colaborações podem ser iniciadas será fundamental para dar base ao assunto do próximo capítulo: a elaboração e implementação de políticas. O capítulo também abordou os fatores que propiciaram o crescimento inédito atual das colaborações internacionais – que também ocorre hoje no Brasil - e foi possível verificar o porquê da importância deste tema. A introdução do debate a

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respeito da atuação internacional de unidades estaduais ou regionais e sua relação com o governo nacional será de grande valia no objetivo a que se propõe este trabalho, qual seja, o de compreender como a ação internacional da FAPESP afeta o desenvolvimento da C&T no Brasil e sua comunidade de pesquisa. Por fim, os elementos da cooperação internacional esclareceram como a cooperação é instituída, coordenada e como pode se apresentar, contribuindo para introduzir a ideia de que existem diversos tipos de política de cooperação internacional em C&T que variam conforme estas características.

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CAPÍTULO II-A TRAJETÓRIA E AS CARACTERÍSTICAS DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL EM C&T DA FAPESP