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A cooperação internacional apresenta diferentes componentes. Os mais importantes são os que dizem respeito aos instrumentos, à coordenação das atividades colaborativas, às modalidades de cooperação, à escolha do número de parceiros, à identificação da finalidade das atividades e aos níveis nos quais a parceria pode ocorrer. Estes níveis de cooperação podem se apresentar entre indivíduos, instituições, países, bem como supra e subnacionalmente. As formas como todos estes componentes se apresentam e se relacionam na parceria caracterizam as diferentes relações entre os parceiros e a hierarquia entre estes, os objetivos da cooperação, bem como os meios utilizados para atingir os resultados desejados.

Os instrumentos das colaborações internacionais consistem nos meios pelos quais a cooperação é realizada. Eles são diversos, variando de mobilidade – nos níveis individual, institucional e empresarial – e cooperação física, até a cooperação virtual, transfronteiriça, participação em organizações internacionais de pesquisa. Os atores científicos procuram compartilhar ideias, métodos, equipamentos, competências especiais, dados e por isso interagem por meio de reuniões presenciais, co-publicações27 e troca de artigos, seminários, conferências e workshops, períodos de pós-doutoramento, visitas a laboratórios estrangeiros, parcerias formais, conversas telefônicas e por emails, (TONI, 1994), experimentações de pesquisa28, a escrita de descobertas científicas, redes de pesquisa, colégios invisíveis, entre outros.

As duas últimas formas requerem um pouco mais de conceituação. Os colégios invisíveis surgiram na Inglaterra do século XVII e consistiam de reuniões informais nas quais cientistas compartilhavam experiências e resultados de seus trabalhos, transcendendo os limites de seu departamento, da instituição e até mesmo de seu país e englobando diversos

27 Uma das formas mais comuns pela qual se mensura a colaboração internacional de um país ou instituição. 28 Segundo Wagner (2000) esta é a forma mais comum de interação.

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pesquisadores (PRICE; BEAVER, 1966, CRANE, 1975). Esta forma inicial de colaboração era o modo mais eficiente de comunicação entre os interessados por pesquisa científica e tinha a finalidade de requerer legitimidade (aprovação de métodos e metodologias aplicadas nas pesquisas, bem como confirmação de relevância do tema de pesquisa escolhido) e validade (pois era possível a reprodução dos resultados pelos pares) dos resultados obtidos (CELIS, 2002). Até hoje, os colégios invisíveis são formas de caracterizar grandes grupos informais de colaboração em C&T.

As redes de pesquisa são importantes formas de analisar a cooperação internacional. Segundo Newman (2000), redes sociais são conjuntos ou grupos de indivíduos que possuem relações de algum tipo com um ou mais integrantes pertencentes a outros conjuntos ou grupos distintos. As redes sociais tratadas neste trabalho são as redes de colaborações científicas, representadas pelas interações e relações entre cientistas. As redes de colaboração científica possuem algumas características peculiares: seus nós são formados por pesquisadores que possuem relações de colaboração (coautoria de artigos, organização conjunta de eventos, desenvolvimento conjunto de pesquisa, etc.) com seus pares; a distância que separa os nós da rede é pequena (small worlds) quando comparada a outras redes; sua conectividade é bastante alta e há um nível maior de agrupamento, atestando maior proximidade entre os atores, bem como maior inclinação de um autor a colaborar com outro.

Os instrumentos utilizados nas colaborações entre países do norte e do sul podem ser diversos daqueles usados em parcerias norte-norte ou sul-sul. Os principais instrumentos para promover a colaboração internacional norte-sul em C&T, segundo Gaillard (1998) são os voltados a frear a fuga de cérebros (braindrain) nos países do sul (como programas sanduíche); parcerias com benefícios para ambos os lados, nas quais os recursos tendem também a ser dispersos nos dois lados; a criação de redes que incentivam contatos entre pesquisadores e instituições; e suporte a instituições em termos financeiros, organizacionais e administrativos para compensar sistemas de pesquisa nacionais fracos29. Os mecanismos que viabilizam o apoio recebido pelos países do sul consistem em mecanismos bilaterais e multilaterais, articulações de organizações não governamentais (como a International

29 Este último tipo consiste em ações no sentido de integrar ensino e pesquisa, estimular pesquisa por meio de treinamento e financiamento e diminuir a sobrecarga de atividades de ensino e administrativas (BAUD, 2001).

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Foundation for Science – IFS – e a Third World Academy of Sciences – TWAS) e de outras organizações que proveem assistência a atividades específicas, como a que é oferecida pelo Consultative Group on International Agricultural Research (CGIAR). É importante enfatizar que a eficácia destas iniciativas está condicionada à capacidade do país receptor de absorver, adaptar e expandir o conhecimento obtido (CGEE, 2006).

O estudo da FAPESP revela uma tendência bastante comum nas agências de fomento de utilizar uma grande diversidade de instrumentos cooperativos: intercâmbios, cooperação física e virtual, desenvolvimento e manutenção de redes de pesquisa, eventos, entre outros.

Ainda em relação às parcerias norte-sul, é possível identificar diferentes formas de envolvimento e coordenação em programas conjuntos (COMISSÃO EUROPEIA, 2009), ou seja, a forma de articulação e de divisão do trabalho entre parceiros. A primeira forma é aquela na qual o financiamento vem todo de países desenvolvidos, porém a agenda de pesquisa e a implementação desta é deixada inteiramente ao sul. O segundo caso ocorre quando a maioria da agenda e as decisões sobre as despesas são deixadas aos países do sul e o orçamento é provido pelo norte, porém há comitês de gestão para equilibrar uma possível assimetria. Outras duas possibilidades são quando o orçamento é provido pelo norte, mas há igual participação na decisão da agenda e na gestão do projeto e quando as despesas são responsabilidades do norte e não há garantias de simetria nas decisões. Por fim, a participação de cientistas de países do sul em pesquisa iniciada, desenhada, gerida e majoritariamente implementada por parceiros do norte (WAARDENBURG, 1997) completa as alternativas possíveis de coordenação de projetos de pesquisa conjuntos de países do norte e do sul, ilustradas pela figura abaixo. O dilema de Ganuza representaria uma sexta alternativa, na qual países do norte determinariam a agenda de pesquisa, devido à falta de articulação entre os diversos grupos de atores de países do sul (SCHWEIGMAN; WERF, 1994).

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Figura 2 – Modalidades de coordenação do processo de pesquisa.

Fonte: Rosseel et al.(2011).

Para os projetos em cooperação internacional da FAPESP, a coordenação é conjunta, pois envolve tanto os grupos de pesquisa paulistas, quanto os estrangeiros. Os pesquisadores paulistas assumem, casa vez mais, postos de coordenação de grandes equipes. Apesar de ter conseguido, em parte, reverter a posição de subordinação devido ao avanço da ciência paulista, a agenda da FAPESP ainda é pautada por padrões internacionais que avaliam a qualidade e relevância das pesquisas de acordo com índices que refletem a dominação dos países desenvolvidos.

Em relação à modalidade, as colaborações internacionais podem ser recebida, prestada ou mútua. A cooperação recebida é de cunho assistencial e tem por objetivo atender uma demanda interna. A cooperação prestada é um complemento da anterior e pode ser entendida como o atendimento das necessidades de outros países, como ajuda humanitária. Já na chamada cooperação mútua, as partes auferem benefícios mútuos, por meio do intercâmbio de conhecimentos, experiências, tecnologia (COSTA FILHO, 2006). As duas primeiras modalidades caracterizam as chamadas relações norte-sul30, pautadas pela expectativa de

30As nações que investem em parcerias com países do sul são as potências coloniais antigas (França, Reino Unido, Alemanha e outros), com os Estados Unidos se tornando um ator majoritário a partir do desfecho da Segunda Guerra Mundial. Nos últimos 50 anos, a cooperação internacional em pesquisa para o desenvolvimento tem sido apoiada por diversos países europeus e organizações internacionais (BAUD, 2001), pois as nações estão cada vez mais comprometidas com o avanço da capacidade global em C&T (HASSAN, 2010). O fortalecimento e a construção de capacidades no sul tornam-se objetivos cada vez mais aceitos pela comunidade científica e diversos modelos têm surgido nas últimas décadas para facilitar a implementação de projetos conjuntos. Em comparação com 30 anos atrás, quando a maioria destes programas surgiu, os países do sul se apresentam hoje em condições melhores - como demonstrado por alguns indicadores (ver GAILLARD, 1998, 1999 e BAUTISTA, VELHO, KAPLAN, 2001) - pois significativa capacidade científica foi construída.

Maior participação Menor participação

Modalidade 1 Modalidade 2 Modalidade 3 Modalidade 4 Modalidade 5 Somente apoio

financeiro do norte

Voto majoritário do sul

Colaboração simétrica com igual voto Sem garantias de simetria real Iniciada, desenhada e majoritariamente implementada pelo norte

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transferência de conhecimentos e fortalecimento de capacidades no sul31. Elas ocorrem por meio de missões, assistência técnica, programas de capacitação e colaborativos, entre outros32. Como alternativa a esta modalidade, surge a colaboração sul-sul, cujo principal objetivo é superar entraves impostos pela cooperação com países desenvolvidos. Como colaboração, ela contribui para o fortalecimento da capacidade científica33,troca de conhecimentos, reafirmação da soberania nacional e aumento da capacidade de negociação dos países envolvidos, além da redução de assimetrias e do estímulo ao desenvolvimento autóctone e sustentável (CGEE, 2006). Atualmente, considera-se fundamental a relação entre países em desenvolvimento, principalmente pelo fato de enfrentarem problemas similares.

A modalidade de cooperação que a FAPESP implementa é bastante diversa daquela praticada por outros órgãos de fomento do país. O Brasil ocupa uma posição periférica no sistema internacional em C&T, mas a FAPESP não se satisfaz somente com as modalidades de colaboração recebida ou prestada, nas quais, há somente a atuação de um parceiro que provê conhecimentos. A fundação transpõe as barreiras da cooperação norte-sul assimétrica e inaugura relações altamente equilibradas entre os parceiros em termos de participação, decisão e desenvolvimento. Sua comunidade de pesquisa está inserida internacionalmente e levanta pontos importantes na agenda internacional de pesquisa. Em relação a países com menor desenvolvimento científico e tecnológico, a FAPESP também procura por parcerias simétricas com instituições de alta qualidade. Exemplos interessantes são a grande colaboração com o CONICET argentino e com instituições no México e na África do Sul.

Em relação ao número de parceiros, a cooperação se classifica em bilateral34, realizada entre governos ou instituições de dois países – modalidade mais utilizada – e multilateral,

31 Durante a Conferência de Bandung, em 1955, que consistiu no encontro de países africanos e asiáticos - a maioria recém-independentes - no qual se afirmou a oposição destas nações ao neocolonialismo que se iniciava e promoveu a cooperação econômica e cultural entre os países do Terceiro Mundo, a ajuda ao desenvolvimento se tornou um instrumento de persuasão entre as potências da Guerra Fria: EUA e URSS.

32Algumas estratégias utilizadas neste tipo de parceria são: treinamento no exterior; participação e construção de centros de excelência; desenvolvimento de atividades de networking; apoio a cientistas, grupos e instituições; ações de coordenação entre os doadores e os recebedores; e parcerias colaborativas para pesquisa (GAILLARD, 1998).

33 Aspecto que hoje representa um requerimento de aproximação com a ciência internacional .

34 É importante notar, neste caso que, em contraste com programas multilaterais, os acordos bilaterais são tipicamente feitos por razões diplomáticas e políticas e não estão necessariamente diretamente relacionados a prioridades da comunidade de pesquisa. Da mesma forma, estes últimos cobrem diversas áreas da ciência, muitas vezes complementando acordos multilaterais, mas não os substituindo (COMISSÃO EUROPEIA, 2009).

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acordada entre um país ou uma instituição nacional e um organismo internacional ou ainda entre vários países, cujas fontes financiadoras podem ser privadas ou ligadas a um ou mais governos. Neste caso, há um custo alto de coordenação, devido ao grande número de atores envolvidos (COSTA FILHO, 2006).

A FAPESP pratica ambos os tipos de cooperação. Apesar de estabelecer mais vínculos bilaterais, diversos programas envolvem um conjunto de países e instituições de natureza diversa.

De modo geral, a finalidade consiste no principal objetivo do estabelecimento da parceria. Neste âmbito, a cooperação pode ser técnica, científica e tecnológica ou financeira. A primeira consiste na transferência ou absorção de conhecimentos técnicos. A segunda compreende o intercâmbio e/ou desenvolvimento conjunto de novos conhecimentos proporcionando oportunidades de capacitação e desenvolvimento econômico. A última é o financiamento de atividades de pesquisa para o fortalecimento ou modernização da infraestrutura científica e tecnológica de um país (COSTA FILHO, 2006).

No Brasil, a maior parte das agências de fomento (federais e estaduais) investe unicamente na cooperação científica e tecnológica, por meio de projetos conjuntos, organização de eventos, intercâmbios, entre outros. A cooperação técnica é bastante praticada pela agência do Ministério das Relações Exteriores, a Agência Brasileira de Cooperação. O Brasil não é um país de tradição na cooperação financeira, como os países desenvolvidos, em especial na Escandinávia. A FAPESP investe em projetos cooperativos que visam a aproximação entre cientistas, a troca de conhecimentos, o avanço tecnológico e até mesmo a compra de equipamentos e materiais. Não faz parte das atribuições da agência investir diretamente em infraestrutura e a cooperação técnica está representada por programas em parceria com empresas e por aqueles voltados ao desenvolvimento de novas tecnologias.

O modo pelo qual os pesquisadores decidem colaborar – seja em relação aos níveis, instrumentos, coordenação, modalidades, número de parceiros ou finalidade – depende não somente das decisões individuais destes atores científicos, mas também da área do conhecimento na qual atuam - algumas exigindo um grau de formalidade maior para a conclusão de determinados objetivos (KATZ; MARTIN, 1997) – bem como das influências exercidas por agências de financiamento ou assistência e órgãos do governo. É preciso notar

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que estes últimos atores detêm o capital econômico crucial ao desenvolvimento cognitivo da ciência e por este motivo exercem grande influência na definição dos elementos da cooperação internacional.

Nesta breve identificação dos elementos da colaboração internacional em C&T foi possível verificar que existem diversas e inúmeras formas de se colaborar e que a enumeração de todas estas, bem como sua descrição e as diferentes combinações entre seus elementos é impraticável. A seção pretendeu apresentar de forma sucinta as formas mais comuns dos instrumentos da colaboração internacional em C&T, da coordenação desta, bem como suas modalidades e finalidades e a forma de organização dos parceiros. A apresentação destes elementos consiste na base do entendimento do conceito de colaboração internacional em C&T que será explorado mais profundamente nos próximos capítulos. É essencial também notar a interdependência entre estes elementos, ou seja, o fato de estarem intrinsecamente relacionados entre si e de que decisões a respeito de um elemento afetam os demais.

A decisão a respeito da escolha destes diversos elementos é feita caso a caso e depende de uma série de fatores, como o tema da pesquisa, as competências e a cultura (política, econômica, social) dos parceiros, a área do conhecimento que atuam35, o tipo de envolvimento desejado, objetivos, prazos de conclusão da pesquisa, a necessidade de expertise ou conhecimento local, a disponibilidade de recursos e equipamentos, bem como fatores ligados à agência financiadora da parceria ou ao governo do país a que pertencem, entre outros. Muitas vezes, os cientistas se envolvem em determinadas pesquisas por pressões políticas ou por convocação de órgãos públicos onde trabalham ou aos quais estão afiliados. Desta forma, nem sempre todos os envolvidos na parceria tomam decisões ou participam delas de forma igualitária. É importante notar que os elementos da cooperação entre países do norte e do sul diferem daqueles das colaborações norte-norte que por sua vez também não possuem as mesmas características dos elementos presentes em geral nas colaborações sul-sul. Um exemplo bastante representativo desta afirmação é a escolha da modalidade da parceria que difere de acordo com a direção para a qual o conhecimento flui.

35 Uma área mais tecnológica exige capacitação prévia; uma área multidisciplinas exige competência de diversas disciplinas; uma área muito específica exige o envolvimento de determinados atores (estudos de determinadas regiões geográficas ou populacionais, por exemplo); algumas áreas exigem maior formalidade, dependendo do tipo de pesquisa que conduzirão (genoma, por exemplo).

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