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Qualificar cooperação internacional em C&T não é uma tarefa simples. O conceito13 pode englobar diversas atividades distintas com diferentes níveis de interação e número de parceiros. Há muitas definições do termo, variando conforme a visão do autor sobre o tema.

Existem duas principais literaturas sobre cooperação internacional que são relevantes para este trabalho. A primeira delas, a mais conhecida, difundida e com maior número de

13É importante citar que alguns teóricos, como Silva (2007) diferenciam os termos cooperação e colaboração. Segundo estes, colaboração é uma relação assimétrica e não equitativa, tendo, de um lado, um ator principal responsável pela parceria e proprietário dos resultados e, de outro, seus coadjuvantes. Já cooperação é uma relação mais igualitária que privilegia o diálogo, a negociação e a decisão conjunta, a definição de projetos em comum acordo e o compartilhamento de custos. Apesar de reconhecer que na prática há dois tipos de relações de parceria, uma mais assimétrica e uma mais equitativa, marcada mais pela coordenação do que pelo controle, no âmbito deste trabalho os dois termos serão tratados como semelhantes, preservando as diferenças existentes nas análises caso a caso.

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estudiosos adota a perspectiva dos cientistas e/ou do Estado de uma forma geral, ou seja, o olhar destes atores para as principais questões atuais sobre a colaboração em C&T.

1.2.1. Do Estado e dos cientistas

Desta perspectiva, a colaboração em C&T é entendida como o trabalho de um conjunto de pesquisadores com a missão de produzir novo conhecimento científico (KATZ; MARTIN, 1997). Já Wagner (2005) acredita que os atores trabalham em projetos científicos ou experimentações específicas com um mesmo objetivo. Merton (1967) define cooperação de forma mais ampla, como uma decisão conjunta de uma sociedade (a comunidade científica) na qual as regras são conhecidas, aceitas e respeitadas por seus membros.

Alguns autores definem o termo mais especificamente, com o objetivo de apoiar trabalhos empíricos, como Leclerc et al. que a precisam como o "conjunto de trabalhos cooperativos desenvolvidos entre dois ou mais indivíduos/instituições/países e identificado por meio de artigos coassinados" (LECLERC, 1992, p.142). Crane (1975) e Velho (1985) também definem cooperação como a coautoria de artigos, mas também englobam no conceito a comunicação informal. A primeira definição é bastante estudada e utilizada em diversos trabalhos empíricos, mas a segunda é difícil de ser avaliada, pois não gera necessariamente resultados concretos que possam ser mensurados.

Ainda da perspectiva dos cientistas e Estados, outra forma de encarar a cooperação internacional em C&T é pensá-la como sinônimo de assistência, ou seja, apoio financeiro concedido a projetos liderados por agências voltadas ao desenvolvimento econômico dos países do norte, como a United States Agency for International Development. Esta abordagem, mais comum entre teóricos da colaboração norte-sul, refere-se à cooperação como os recursos concedidos e os programas implementados para contribuir com o desenvolvimento e o fortalecimento de capacidades científicas em diferentes países (VELHO, 2002, p. 32). Há também a abordagem essencialmente política, que encara a colaboração, principalmente a internacional, como forma de materializar as relações internacionais (COSTA FILHO, 2006).

Estas definições apresentam alguns elementos complicadores, pois englobam diversas atividades distintas que se encaixam ou não no conceito de acordo com características próprias

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do observador que a define. Conselhos gerais, insights, participação em projetos de pesquisa e coautoria de artigos representam tipos diferentes de colaboração em C&T, variando de contribuições essenciais para o objetivo comum a insignificantes. Segundo Katz e Martin (1997), a maior dificuldade na definição do termo consiste em delinear os limites deste conceito, identificando a proximidade que os cientistas devem ter para que sua atuação seja considerada colaboração. Características específicas da área em que os cientistas atuam, do país em que conduzem a pesquisa e da época em que vivem influenciam a definição.

Então o que é exatamente a colaboração internacional em C&T da perspectiva dos cientistas e dos Estados e como ela se diferencia de uma colaboração nacional? Em geral, atores em colaboração são aqueles que: trabalham juntos em uma atividade de C&T durante parte considerável de sua duração; fazem contribuições significativas para seu desenvolvimento; estruturam a ideia original; e se responsabilizam por fases essenciais de seu desenvolvimento (KATZ; MARTIN 1997). Ou seja, a colaboração internacional em C&T consiste no trabalho conjunto de cientistas de dois ou mais países, cujo objetivo é concretizar um determinado interesse, possibilitando o intercâmbio de conhecimento. A construção de bases de dados internacionais, organização de conferências, coleta e manutenção de fundos para um laboratório internacional, estabelecimento de padrões técnicos, assistência técnica e assistência ao desenvolvimento são somente alguns exemplos (WAGNER, 2005).

Quando a colaboração envolve órgãos do Estado14, ela também representa um instrumento de política externa e de ampliação dos interesses externos de uma nação. A cooperação internacional em C&T passa a ser uma ação coordenada de dois ou mais Estados, com vistas a atingir resultados por eles julgados desejáveis e deve ser desenvolvida no conjunto do relacionamento internacional do país (AMORIM, 1994), pois ela é uma ferramenta poderosa de aprimoramento das relações internacionais, bem como de aproximação e manutenção de relações em outros campos, como o econômico, por exemplo. Neste contexto, a cooperação para o intercâmbio deve ser diferenciada da colaboração internacional em C&T, que compreende o compartilhamento de conhecimento e possui o

14 No plano internacional, a colaboração está guiada pelos pressupostos do respeito mútuo entre as soberanias, da autonomia na construção de objetivos e da alteridade. O princípio da alteridade diz respeito não somente ao respeito de um Estado pela existência de outro, mas também à afirmação da interdependência entre estes em diversos âmbitos, como o político, econômico, cultural, etc. (AMORIM, 1994).

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envolvimento ativo do Estado. No primeiro caso, em geral, o Estado não interfere no seu desenvolvimento e realização, pois há forte influência e iniciativa da comunidade de pesquisa15. Já no segundo caso, o Estado é um ator essencial que deve garantir e incentivar o desenvolvimento da comunidade de pesquisa e fornecer apoio institucional e financeiro para os programas, protegendo também a propriedade intelectual gerada (DUARTE, 2008)16. Desta forma, é possível conceber a cooperação internacional em C&T apoiada em três pilares fundamentais: o conhecimento, os cientistas e o Estado (DUARTE, 2008). Os cientistas geram e disseminam o conhecimento, sustentados por sua contínua busca por respostas e pelo desenvolvimento da ciência. O conhecimento é o objeto desses homens da ciência e o objetivo das propostas do Estado, formuladas para superar problemas da sociedade. Este é o fornecedor do aparato institucional e do aporte financeiro para formação, qualificação, intercâmbio de recursos humanos, troca de experiências e conhecimento, buscando o desenvolvimento nacional da C&T (COSTA FILHO, 2006).

Além da importância do Estado para o estímulo às atividades de colaboração internacional, outro aspecto muito importante e que é muitas vezes deixado de lado pela literatura que trata do tema é o fato de que a cooperação internacional deve ser entendida como um complemento ao esforço interno, ou seja, à base científica e tecnológica nacional existente (AMORIM, 1994) e deve estar concentrada em áreas cujos recursos humanos estejam formados e integrados na comunidade científica, pois "o estoque de conhecimento, estrutura e cientistas são a base para experiências de intercâmbio e colaborações" (DUARTE, 2008, p. 149). A qualidade da capacidade doméstica regula tanto a demanda – escolha pelos parceiros – como a oferta de colaboração - quanto maior é a qualidade da pesquisa, maior será o número de parceiros interessados em colaborar17 (PRIMI, 2010). Assim, a cooperação como "fonte exclusiva ou principal de desenvolvimento pode levar à dependência e submissão" (AMORIM, 1994, p.149).A cooperação apoia o desenvolvimento da C&T, mas não pode

15Este é o caso dos acordos de intercâmbio entre instituições de Ensino e Pesquisa nacionais e estrangeiras. Nestes, os contatos dos pesquisadores no exterior são uma grande influência para o início do intercâmbio de estudantes.

16O projeto Genoma e a Estação Espacial Internacional são exemplos de projetos nos quais a atuação do Estado foi essencial.

17 A partir disso, pode-se concluir que políticas de apoio à cooperação em C&T devem ter um forte componente de fortalecimento de capacidades domésticas.

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compensar a falta estrutural de capacidades endógenas (PRIMI, 2010). Desta forma, a capacidade de absorver o conhecimento gerado pela colaboração é um importante aspecto limitante da cooperação em C&T.

1.2.2. Das agências de fomento

No debate sobre colaboração internacional, há uma segunda literatura pouco difundida e desenvolvida que aborda os investimentos em projetos de C&T da perspectiva das agências de fomento. Os estudos se concentram principalmente na tensão que estes órgãos enfrentam entre o atendimento de demandas do Estado e da sociedade. Alguns pontos sobre esta literatura precisam ser levantados.

Dietmar Braun é o nome mais expressivo desta literatura, um dentre poucos experts em política científica a questionar como o sistema científico lida com a questão do desenvolvimento cognitivo da ciência, ou seja, do processo incremental e paradigmático de transformação do conhecimento (BRAUN, 1998, p. 808). A análise de Braun (BRAUN, GUSTON, 2003) está concentrada no chamado dilema do agente-principal, que explora os desafios com os quais as agências de fomento lidam em seu trabalho diário de delegar recursos e responsabilidades aos cientistas (papel de principal) e ao mesmo tempo orientar sua atuação com base nas demandas de seus financiadores (papel de agente) que muitas vezes são representados por órgãos políticos.

Em seu artigo de 1998, Braun explica que são os capitais econômico, cultural e social que determinam esse desenvolvimento cognitivo. O primeiro capital, o econômico, se refere aos recursos financeiros e organizacionais, bem como a infraestrutura necessária para o desenvolvimento da ciência; o segundo corresponde aos recursos cognitivos e às faculdades mentais adquiridas pelos cientistas durante o período de sua formação; e o capital social representa o reconhecimento dos pares e sua reputação em seu campo de atuação (BRAUN, 1998).

Mas qual a relação entre este debate e a cooperação internacional? A questão é que na busca pelo desenvolvimento cognitivo da ciência, aquele que detém ou possui a autoridade sobre a distribuição do capital econômico possui influência direta ou pelo menos indireta neste

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desenvolvimento. Desta forma, os detentores deste capital determinam o tema da investigação, bem como os responsáveis por ela e a forma como ela deve ser conduzida (BRAUN, 1998), incluindo o campo de colaboração internacional. Braun (1998) explica que as agências de fomento tem atraído significativa atenção da comunidade de pesquisa devido ao fato de que elas detêm o controle do capital econômico relacionado ao desenvolvimento cognitivo da ciência, ou seja, estipulam condições e critérios para a pesquisa científica aos quais os pesquisadores devem se adaptar.

Se, por um lado, as agências de fomento servem aos interesses da comunidade cientifica, elas também implementam demandas políticas. É o que Braun e Guston (2003) chamam de dupla relação agente-principal das agências de fomento tanto em relação aos tomadores de decisão quanto à comunidade científica. Nestas relações interdependentes todos os lados possuem recursos importantes a oferecer e benefícios que desejam alcançar(BRAUN; GUSTON, 2003).

Desta forma, a literatura concentrada no papel das agências de fomento e nos problemas que enfrentam considera a colaboração internacional em C&T como um instrumento destas últimas para avançar o desenvolvimento cognitivo da ciência. Assim como outros instrumentos, no âmbito da atuação das agências de fomento, o investimento em colaboração internacional enfrenta a concorrência entre demandas da comunidade científica e dos tomadores de decisão. Porém, a dupla relação agente-principal vivenciada pelas agências de fomento quase nunca impede que esta usufrua de considerável autonomia para determinar suas estratégias (BRAUN, 1997 citado em BRAUN, 1998). A FAPESP não foge a esta regra.