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Como vimos nesta seção, pedagogia da presença, educação pelo trabalho e delegação planejada são as três insígnias ideológicas mobilizadas pela racionalidade empresarial para legitimar o perfil docente exigido na rotina de trabalho sob a gestão do modelo Tese. Também vimos que no geral esse perfil de docente pode ser sintetizado em três nexos psicofísicos, a saber: responsabilização consentida [ampliação e extensão das funções e tarefas em prol das metas sob uma compreensão empreendedora do ser docente]; desespecialização polivalente [esvaziamento da formação docente para direcioná-la a uma quantidade e ritmo maior de atividades e tarefas mais simples, que exija saberes práticos de rápida absorção e mudanças no plano da conduta]; despolitização corporativa [deslocamento da linguagem política para a

linguagem gerencial-corporativa visando à desregulamentação do trabalho docente e à mediação dos conflitos escolares como problemas gerenciais].

Como podemos observar, tais exigências nestas três dimensões são resultado do processo de racionalização da rotina de trabalho operada pela TESE, analisada na seção 4, que extrai dos(as) professores(as) o controle sobre a concepção e o sentido de seu trabalho. Essa separação, além de restringir ainda mais a autonomia relativa do trabalho docente - foco central das iniciativas neotecnicistas -, condiciona suas ações, pensamentos e comportamentos ao campo da execução.

No entanto, para manter intactos os nexos necessários e camuflar os sentidos de heteronomia e centralização desse formato de gestão do trabalho docente, reconstrói uma nova noção de autonomia - perdida na cisão concepção [planejamento] x execução - todavia, estranhada porque se limita a uma parte das dimensões que constituem seu trabalho que é a operacionalização. Logo, não se trata de uma autonomia efetiva entendida como a restituição ao trabalho docente do controle da totalidade de sua atividade.

É nesse sentido que as insígnias ideológicas anteriormente analisadas atuam como os pilares que mediam essa autonomia estranhada e conferem o substrato ideológico de controle aparente aos docentes em basicamente três âmbitos.

O primeiro se dá no âmbito da subjetividade docente. A pedagogia da presença cria a aparência de uma autonomia psicoemocional em que o docente pode definir a concepção de docente que “deseja” ser. Ou seja, apelando para narrativas individualizantes, o acento está na mudança interior, uma ação voluntária, independente de influências externas e que só o sujeito docente pode de fato realizar. Ele(a) passa a ser “o(a) responsável” por aquilo que ele produz em termos de resultados e, portando, por sua profissionalidade. É preciso consentir isso.

O segundo opera no domínio da formação de habilidades práticas e atitudinais. A formação docente, nos moldes da educação pelo trabalho, ao relativizar saberes específicos e comuns do trabalho docente, confere ao professor(as) certa liberdade para incorporar aquilo que julga relevante às exigências postas. Como se trata de saberes de natureza tácita, ou seja, absorvidas na prática, permite que os docentes façam a opção por eliminar determinados saberes e gestos “improdutivos” ou que exigem mais tempo, estimulando habilidades e aptidões que otimizem o trabalho. Nesse domínio, o estranhamento acontece a partir do momento em que essa flexibilização dos saberes docentes para torná-lo polivalente emerge de forma imediata na consciência como autonomia e controle de seu trabalho.

A terceira e última dimensão da autonomia estranhada ocorre na dimensão política do trabalho docente. A exigência da desregulamentação - um dos cernes fundamentais da racionalidade empresarial da TESE - exige, por conseguinte, a despolitização da força de trabalho docente para que as (in)gerências empresariais possam atuar sem limites. No entanto, é preciso reconstruir certa aparência de bem-estar, amparo e estabilidade para que a força de trabalho não sinta de forma mais violenta as consequências do processo de desregulamentação. É nesse cenário que ganham força os discursos da desburocratização, da livre-iniciativa, da modernização do contrato e relações de trabalho, dentre outras, que prometem dar mais “liberdade” ao trabalhador [docente] para que este possa garantir seus ganhos pelo mérito próprio ou, no limite, do grupo de colaboradores. Essa noção de autonomia dilui a linguagem da política em linguagem gerencial-corporativa e transforma os problemas estruturais da escola em problemas de gestão.

No próximo capítulo examinamos como a hegemonia da racionalidade empresarial vem repercutindo, em termos de consciência, nos(as) professores(as) da rede estadual de ensino de Pernambuco a partir da forma como percebem e lidam com os fundamentos e objetivos do programa de educação integral, bem como aspectos da sua rotina de trabalho.

7 A HEGEMONIA [EMPRESARIAL] NA CONSCIÊNCIA: PERCEPÇÕES DOS(AS) PROFESSORES(AS) ACERCA DE SUAS ROTINAS DE TRABALHO

Nesta seção analisaremos como docentes que fazem parte da rede estadual de ensino e do PEI percebem e lidam com a rotina de trabalho orientada pelo modelo. Estamos dando centralidade à categoria empírica percepção tendo em vista que, numa leitura gramsciana156, a percepção, por se constituir como uma relação imediata com o mundo e com as coisas, dentre elas as ideologias, podem revelar aspectos e determinações inerentes às concepções de mundo e racionalidade de classes que as orientam. À despeito de sua forma ocasional e desagregada, as percepções carregam aspectos da hegemonia [filosofia, linguagem e racionalidade das classes] como senso-comum (GRAMSCI, 199). Nesse sentido, compreensão da forma como a hegemonia se expressa na consciência passa, dentre outras, pelo estudo da percepção como expressão do confronto das filosofias [racionalidade de classes] em disputa sob a dialética da direção-comando/subalternização.

A base dos dados analisados foi obtida através de entrevistas junto aos professores(as) da rede estadual de ensino que atuam no município de Surubim-PE. O município é integrado à Gerência Regional do Vale do Capibaribe que, pelo quinto ano consecutivo, ficou em 1° lugar no Idepe 2019157, entre as escolas de todo o estado de Pernambuco. A média foi de 5,49, inclusive, superando a média nacional (3,5).

A GRE Vale do Capibaribe é responsável pelo gerenciamento de outros 14 municípios que totalizam 37 escolas da rede estadual, sendo: 13 EREM (integral), 7 EREM (semi-integral), 2 ETE, 1 Escola-Presídio e 13 regulares. Isto implica dizer que houve uma expansão de quase 60% do PEI nas escolas dessa GRE desde sua implantação.

Surubim possui cinco (5) escolas da rede estadual de ensino, sendo, atualmente, quatro (4) delas contempladas158 pelo programa. Ao todo, são trinta (30)159 professores(as) que atuam no PEI neste município. Para delimitação da nossa amostra a partir desse universo utilizamos os seguintes critérios:

a) proporcionalidade de gênero: 50% homens e 50% mulheres;

b) área de ensino: 50% avaliados pelo Saepe e 50% não avaliados pelo Saepe;

c) jornada em que atua: 50% jornada integral e 50% jornada semi-integral;

156 A discussão mais aprofundada sobre a percepção como o lugar do senso-comum e expressão de filosofias em disputa pode ser encontrada no Caderno 11 (1932-1933): Introdução ao estudo da filosofia

157 Consultar em: http://www.educacao.pe.gov.br/portal/?pag=1&cat=18&art=5041

158 No período de 2018-2019, em que realizamos nossas entrevistas, apenas três escolas eram contempladas.

159 No período de 2018-2019, em que realizamos nossas entrevistas, havia apenas 24 professores nesse universo.

d) vínculo empregatício: 50% efetivos e 50% contratados.

Esses critérios partem do suposto de que questões de ordem sociológica (gênero, jornada, área de atuação e o vínculo), refletindo o complexo processo de divisão social, técnica e sexual do trabalho, discutidos na seção 3, participam dos processos de constituição da rotina de trabalho e, portanto, enriquecem de mediações o objeto analisado. A hipótese é a de que sendo a racionalização um processo de generalização de uma determinada rotina de trabalho que precisa organizar (adequar) distintos(as) trabalhadores(as), ela, necessariamente, entra em choque com seus modos de vida, seja para enfrentá-los ou absorvê-los como estratégia da hegemonia.

Ao fazer o cruzamento dos critérios para delimitação da amostra e seleção dos(as) sujeitos(as) da pesquisa, identificamos que seriam necessários (12) doze sujeitos para contemplar igual proporcionalidade cruzando os (4) quatro critérios. No entanto, a inexistências de 2 (dois) dos 12 (doze) perfis necessários reconfigurou nossa amostragem. Ao final chegamos ao número de dez (10) docentes para compor a amostragem da nossa pesquisa. A tabela abaixo apresenta como ficou a amostragem e a proporcionalidade de cada critério:

QUADRO 13 – Universo amostral da pesquisa – entrevistados segundo critérios de gênero, área, jornada e vínculo

pelo Saepe Semi-integral Contratado Prof. E --- Avaliado pelo